Preso na empresa

Volks tem de pagar indenização a trabalhador que ficou confinado

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14 de outubro de 2006, 7h00

Volkswagen tem de pagar indenização no valor de 40 salários mínimos, por dano moral, a um funcionário que ficava confinado, no seu horário de trabalho, em uma sala até que decidissem qual setor ele seria transferido. A decisão é da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo).

O metalúrgico sofria de uma doença chamada disacusia ocupacional, causada por excesso de ruídos e teve ser afastado do ambiente prejudicial aos seus ouvidos. Consta nos autos, que ele foi confinado em uma sala de vidro apelidada de “cemitério” e de “gaiola das loucas”, enquanto aguardava a sua transferência para um setor compatível com as suas possibilidades físicas. Nesse período, ele não exercia qualquer atividade e também não tinha prazo para retornar ao trabalho.

Ao longo dos cinco meses que passou confinado, o metalúrgico passou a ser alvo de chacotas e zombarias. Segundo a ação, ele passou a ser chamado, pelos colegas e também pelo seu gerente, de “seqüelados”, “gardenal”, “rivotril”, “vagabundo” e “zero à esquerda”. O funcionário disse ainda que até o médico da empresa “ao atendê-lo, utilizou-se da ambulância para conduzi-lo ao seu setor, ironizando sobre a gravidade do seu estado de saúde”.

Ele ajuizou ação trabalhista na 5ª Vara do Trabalho de São Bernardo do Campo, na grande São Paulo. A vara julgou improcedente a reclamação. O metalúrgico recorreu ao TRT paulista.

A relatora, juíza Ivani Contini Bramante reconheceu que o propósito da empresa não era submeter o advogado às humilhações, “mas o fato é que criou-se uma circunstância insultuosa e desmerecedora ao trabalhador”. Ela concluiu que é inconteste o dano moral e a responsabilidade do empregador.

Leia a decisão

PROCESSO TRT/SP 02098.2004.465.02.00-9 — 6ª TURMA

RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTE: REINALDO ALVES DE ALMEIDA

RECORRIDO: VOLKSWAGEN DO BRASIL LTDA

ORIGEM: 05ª VARA DO TRABALHO DE S.B.CAMPO/SP

Dano Moral — confinamento de trabalhador acidentado e seqüelado em sala de vidro apelidada de ‘gaiola das loucas’ e ‘cemitério’. Aguardo, por prazo indefinido, de recolocação em posto de trabalho compatível. Situação vexatória que desencadeou chacotas e zombarias.

Rotulação depreciativa dos trabalhadores acidentados, mantidos afastados dos demais, sem qualquer atividade, de ‘seqüelados’, ‘gardenal’, ‘rivotril’, ‘vagabundos’, ‘zero à esquerda’, etc. A conduta patronal de manter todos os trabalhadores acidentados, com recomendação médica de readaptação, isolados em sala especial, com proibição de saída e aplicação de punição de suspensão, configura tratamento desumano, humilhante, insultuoso, e portanto, ofensiva à dignidade humana. Inconteste o dano moral e a responsabilidade do empregador. Inteligência dos artigos 1.º, III, 5.º caput e inciso X da CF.

RELATÓRIO

Inconformado com a r. sentença, fls. 122/129, que julgou improcedente o feito, recorre o reclamante, fls. 134/141, buscando a reforma para que seja reconhecido o dano moral, com a conseqüente indenização.

Contra-razões fls.144/154.

É o relatório.

VOTO

Conhecimento

Alega a recorrida, em preliminar, a deserção do recurso, diante da improcedência da ação, foi condenado o recorrente ao pagamento das custas.

Porém, diferentemente do alegado, requereu o autor a isenção (fls. 152), concedida às fls. 142.

Assim, por presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do presente recurso.

Fundamentação

Pretende o recorrente a indenização por danos morais decorrentes de atos vexatórios sofridos na empresa reclamada.

Esclareceu o recorrente, na petição inicial, ser portador de doença profissional, reconhecida judicialmente (fls.15/25), por decisão do Segundo Tribunal de Alçada Civil, que detectou a disacusia ocupacional, ocasionando na incapacidade parcial e permanente do obreiro, que deve ser afastado do ambiente prejudicial aos seus ouvidos.

Revelou também, lesões por esforços repetitivos decorrentes de processo inflamatório de caráter reversível e temporário.

Face ao exposto, gozando de estabilidade no emprego, foi readaptado, passando a laborar no ‘Posto CPVQ’, por indicação do próprio INSS, até outubro de 2003, quando o posto foi desativado.

A partir dessa data, ficou sem qualquer ocupação, permanecendo todo o período em uma ‘sala de vidro’, destinada a reuniões, juntamente com outros colegas com restrições médicas.

Em tal situação foi vítima de chacotas e humilhações por parte dos demais funcionários do setor e pelo gerente. Até o médico do departamento médico, ao atendê-lo, utilizou-se da ambulância para conduzi-lo ao seu setor, ironizando sobre a gravidade do seu estado de saúde.

A 1ª testemunha do recorrente ouvida às fls. 89, declara que por aproximadamente 07 meses ficou, juntamente com mais 06 pessoas, inclusive o recorrente,

“… sem posto em uma sala de vidro, sem qualquer ocupação; …. porque não havia posto compatível…; essa sala é localizada entre 2 alas de produção; …metade da sala é fechada e metade é de vidro; … muitas vezes o depoente e os demais que estavam nessa situação indicavam um posto que entendiam compatível, mas a reclamada não os colocava; afirma que essa colocação depende do médico, mas muitas vezes o médico não comparece; os funcionários das alas viam os trabalhadores e riam dessa situação, chamando-os de vagabundos, doentes…”

A 2ª testemunha do recorrente (fls.90), afirma que “…o próprio médico dizia que teriam a restrição médica, mas seriam considerados ‘um zero à esquerda’ na empresa;…..os colegas de trabalho que passavam em volta da sala chamavam o pessoal que estava na sala de ‘gaiola das loucas, vagabundos, gardenal’ e vários outros nomes, inclusive todo o pessoal do RH…”

Ambas movem ação trabalhista com o mesmo objeto da presente, e confirmam todas as alegações do recorrente.

Pela recorrida, foi ouvido o depoimento do responsável pelo setor do recorrente, Sr. Marco Antonio Bonacea Vaiano, que motivou a presente ação. Embora confirme os fatos, nega qualquer humilhação ou chacota aos empregados ‘seqüelados’. A segunda testemunha da reclamada, o médico do departamento médico, não se recorda do incidente da ambulância, mas que esta é utilizada para transportar o trabalhador ao seu setor, sem que a sirene esteja ligada. Nega ter havido qualquer tipo de escárnio, aduzindo que todos os trabalhadores são tratados respeitosamente.

Parece-me que a prova oral está maculada por interesses pessoais inarredáveis.

De qualquer sorte, apenas o fato do recorrente permanecer na empresa, alocado em uma sala, sem qualquer tipo de atividade produtiva, passando todo o seu tempo lendo jornal ou até dormindo, durante 5 meses ou mais, por si só já é uma situação vexatória, que fere a dignidade do ser humano, que, por sua natureza necessita do trabalho produtivo e dignificante para sentir-se parte de uma sociedade, que veementemente valoriza o trabalho.

Tal situação propicia as zombarias, apelidando a ‘sala de vidro’ de gaiola das loucas, cemitério, etc, como relatado. Da mesma forma, o empregado rotulado como ‘seqüelado’, mantido afastado dos demais, sem qualquer atividade, certamente será taxado de vagabundo, enrolador, pilantra, e outros mais títulos depreciativos.

Talvez não houvesse, de fato, o propósito de submeter o recorrente às humilhações, colocando-o em condição provisória, tão somente com o intuito de aguardar uma solução para o problema da readaptação. Mas o fato é que criou-se uma circunstância insultuosa e desmerecedora ao trabalhador.

Em suma, resta evidente o dano moral e a responsabilidade da reclamada.

Quanto ao valor da indenização, tenho que a gravidade do fato, o objetivo reparador e lenitivo da ofensa servem de critério para a sua fixação, de forma proporcional ao dano sofrido. Assim considerando, fixo em 40 salários mínimos.

Dispositivo

Ante o exposto, conforme fundamentação, DOU PROVIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO, a fim de reformando a decisão de origem, julgar procedente o feito, reconhecendo o dano moral sofrido pelo recorrente, fixando indenização em 40 salários mínimos. Rearbitro a condenação em R$ 7.000,00. Custas pela reclamada, calculadas sobre o valor ora arbitrado, no importe de R$ 140,00.

Ivani Contini Bramante

Juíza Relatora

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