Polícia que mata

Estado de SP terá de indenizar família de homem morto por PMs

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11 de outubro de 2006, 13h16

O estado de São Paulo foi condenado a indenizar em R$ 697 mil a família de Romildo Silva, morto em 1995 por cinco policiais militares. A decisão é da 12ª Vara da Fazenda Pública paulista e foi tomada nesta quarta-feira (11/10). Cabe recurso.

O processo criminal contra os PMs corre na 3ª Vara do Júri de Santo Amaro, mas ainda não foi concluído. O Júri foi adiado seis vezes e nenhum dos policiais envolvidos foi condenado.

De acordo com o processo, em agosto de 1995, os cinco policiais perseguiram o carro em que estavam Romildo Silva e seu amigo Antônio Carlos Santos, porque eles teriam tentado praticar um roubo. As vítimas saíram do carro sem oferecer resistência e foram colocados na viatura. Morreram algumas horas depois.

Os PMs alegaram que eles resistiram à prisão e que houve troca de tiros. A perícia não constatou resíduos de pólvora no carro nem nas vítimas. Além disso, segundo os advogados de Romildo Silva, a análise da trajetória das balas também não comprovou a versão dos policiais.

A Fazenda sustentou que houve prescrição, já que o fato aconteceu em 1995. Argumentou ainda que como não há sentença no Tribunal do Júri, a responsabilidade do estado seria questionável.

A juíza Maria Fernanda de Toledo Rodovalho Podval, da 12ª Vara, concluiu que a versão dos policiais foi contrariada pelos depoimentos de testemunhas e pelas perícias feitas. Segundo ela, “nenhum Estado pode ser Estado de Direito se não coibir as condutas narradas na inicial e se não responder pelos atos de seus agentes que, transgredindo o dever de garantir a vida dos cidadãos, agem justamente de forma inversa”.

Além da indenização por danos morais e materiais, os dois filhos da vítima devem receber pensão, de um salário mínimo, até completarem 25 anos. A viúva deve receber a mesma pensão até completar 65 anos.

A família foi defendida pelos advogados Eloísa Machado e Marcos Roberto Fuchs. Eles comemoraram a decisão e ressaltaram que o mais importante é o efeito pedagógico que a ação deve surtir sobre o estado.

Processo 1.637/2005

Leia a decisão

Vistos

CRISTINA MOREIRA REIS, BRUNO FELIPE MOREIRA DA SILVA e DANILO MATEUS MOREIRA REIS, os dois últimos representados pela primeira, ajuizaram ação em face da FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, com o objetivo de ver a ré condenada a lhe ressarcir os danos morais e materiais, experimentados com a morte de Romildo da Silva.

Como causa de pedir, alegaram os autores que, no dia 28 de agosto de 1995, os policiais militares Maximilian Leão Rodrigues, Roberto Venceslau do Nascimento, Jorge Aparecido Veronesi, Rubens Barbosa da Luz e Marco Roney Soares de Lima, alegando perseguir fugitivos que haviam tentado praticar roubo, abordaram o carro em que estavam Romildo da Silva e Antônio Carlos Santana.

Os dois rapazes não ofereceram resistência, saíram do carro e foram colocados na viatura. Algumas horas mais tarde, os dois deram entrada no Pronto Socorro do Campo Limpo, mas já sem vida.

A versão dos policias para a ocorrência — resistência à prisão, com troca de tiros — não foi comprovada. Ao contrário: os exames feitos no carro e nas vítimas não mostram resíduos de pólvora. A análise da trajetória das balas também não embase a narrativa dos policiais.

Por tudo, concluem os autores que ocorreu uma execução sumária de dois rapazes que não tinham registro anterior de cometimento de crime.

Pleiteiam, assim, os autores, com base na responsabilidade objetiva do Estado, que se condene a ré a pagar pensão mensal e indenização pelos danos morais e materiais.

Com a inicial, vieram os documentos de fls. 18 a 210.

Citada, a ré contestou.

Sustentou a Fazenda que, para a autora Cristina, consumara-se a prescrição, já que o fato ocorreu em 1995. No mérito, alegou a ré que, como ainda não havia sentença no Tribunal do Júri, era questionável a responsabilidade do Estado. Além disso, não poderiam, na época do fato, ser cumuladas indenização por dano moral e indenização por dano material. Impugnou, por fim, a indenização pedida.

Os autores replicaram.

As partes foram instadas a se manifestar sobre seu interesse na produção de provas.

Os autores juntaram certidão de antecedentes dos policiais. Vieram aos autos também cópia da sentença proferida no Tribunal do Júri.

Em decisão de fls. 333, foi designada audiência.

Na audiência, as partes desistiram da produção de prova oral. Foi concedido prazo para as partes apresentarem memoriais, mas ambas, quedaram-se inertes (fls. 379).

O Ministério Público opinou pela procedência do pedido.

Vieram-me os autos conclusos.

É o relatório.

FUNDAMENTO E DECIDO.

O pedido deduzido nos autores é de reconhecimento da responsabilidade objetiva do Estado por ato praticado por policial militar.

Compõem o pólo ativo a companheira do falecido e seus dois filhos. E todos eles têm legitimidade de agir: o pedido deve ser proposto por aqueles a quem o falecido tinha o dever de prestar alimentos. Com a Lei do Concubinato, também entre companheiros há o dever de mútua assistência, de maneira que a autora Cristina também é parte legítima.

Além disso, a Fazenda não contestou a alegação de existência de união estável entre Cristina e Romildo e, mesmo que tivesse contestado, há nos autos prova da convivência (fls. 25, 205).

Para essa autora, defende a ré que se consumou a prescrição.

Em que pesem, porém, os esforços da Fazenda, a preliminar não pode ser acolhida. Não havia, no caso dos autos, sentença penal. Nessa situação, já consolidou o Supremo Tribunal Federal que o termo inicial da contagem do prazo de prescrição é data da sentença condenatória:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ASSASSÍNIO DO MARIDO E PAI DAS RECORRENTES POR SOLDADO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO, QUE VEIO A SER CONDENADO, PELO JÚRI, EM DECISÃO CONFIRMADA PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AFOROU-SE A AÇÃO CÍVEL DE INDENIZAÇÃO, DEZ ANOS APÓS O FATO E MAIS DE TRÊS ANOS DEPOIS DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA CRIMINAL CONDENATÓRIA. HIPÓTESE EM QUE O ACÓRDÃO CONSIDEROU COMO TERMO A QUO DA PRESCRIÇÃO A DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO CRIMINAL. NÃO HOUVE RECURSO DO RÉU. DIANTE DOS TERMOS DO ACÓRDÃO, NÃO E DE TER-SE COMO VULNERADO O ART. 962, DO CCB. INAPLICABILIDADE, NO CASO, DA SÚMULA 443, QUE NÃO SE HÁ DE TER, ASSIM, COMO CONTRARIADA. RECURSO NÃO CONHECIDO. STF — RE 106792 / PR — Primeira Turma — Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA — j. 27/03/1987 – p. DJ 21-08-1987 PP-16771 EMENT VOL-01470-02 PP-00303.

Com relação ao fato que motiva o pedido, muito pouco se pode acrescentar quando há sentença de pronúncia com trânsito em julgado contra os policiais militares (fls. 322).

Aliás, o triste evento dispensa maiores comentários. Nenhum Estado pode ser Estado de Direito se não coibir as condutas narradas na inicial e se não responder pelos atos de seus agentes que, transgredindo o dever de garantir a vida dos cidadãos, agem justamente de forma inversa.

Observe-se que, de acordo com a sentença da Terceira Vara do Júri, do Foro de Santo Amaro,

“Maximilian Leão Rodrigues, Roberto Venceslau do Nascimento, Jorge Aparecido Veronesi, Rubens Barbosa da Luz e Marco Ronei Soares de Oliveira, (…) todos policiais militares do 1º Batalhão da polícia Militar Metropolitana, agindo previamente ajustados e com unidade de desígnios, com intuito homicida e com violação ao dever inerente à profissão, deferiram diversos disparos de arma de fogo contra (…) Romildo da Silva, provocando-lhes as lesões corporais descritas nos laudos dos exames necroscópicos juntados aos autos, as quais foram causa eficiente dos óbitos” (fls. 322).

Os exames que foram feitos nos cadáveres dos dois rapazes mostram que a versão dos policiais de que houve um confronto é uma versão impossível: não havia resíduos de pólvora nas mães de Romildo e Antônio Carlos (fls. 83).

A reconstituição, elaborada segundo o depoimento dos policiais (fls. 143 a 159), não explica a trajetória dos tiros e das balas encontradas nos corpos (fls. 39).

Além disso, os familiares e vizinhos, que viram a abordagem, contam uma história bem diversa e mais fidedigna: os rapazes foram abordados, não ofereceram resistência (tanto que o carro em que estavam não tem vestígios de sangue e nem de pólvora), acompanharam os policiais e morreram, vítimas de tiros.

É ultrajante a forma como o irmão de Romildo soube da morte da vítima: ele foi à delegacia, viu os policiais que haviam levado Romildo e chegou a notar que um deles tinha as roupas sujas de sangue e barro (fls. 131).

Assim, afasto todos os argumentos colo¬cados na contestação. A indenização é devida.

Quanto à indenização, é certo que o Estado deve ressarcir plenamente os autores.

Demonstrado o nexo causal entre a omissão e os prejuízos experimentados pelos demandantes, deverá a ré pagar aos autores o valor de um salário mínimo, a título de pensão, correspondentes à ajuda financeira que a vítima daria aos autores, se estivesse viva.

De toda sorte, a pensão é devida a partir da morte de Romildo porque se trata de fato ilícito. O termo final do pagamento é data em que os filhos atinjam a idade de 25 anos:

“A obrigação de dar pensão, pela morte do pai, ao filho menor, cessa quando este completar vinte e cinco anos. Tal regra incide apenas quando o pensionário é física e mentalmente são” (STJ — 1ª T. — REsp 205.847 — Rel. José Delgado — j. 16.12.1999 — RSTJ 134/88) (in STOCO, Rui — op. cit, p. 1.014).

À medida em que os filhos atinjam 25 anos, a parte que deixarem de receber acresce à dos demais autores.

Com relação à autora Cristina, a pensão é devida até a data em que Romildo completasse 65 anos.

Por fim, quanto aos danos morais, também há de se concluir que é devida a indenização.

Conforme se observa dos autos, é inquestio¬nável o sofrimento dos familiares com a morte do Romildo, especialmente nas condições em que ocorreram. Todo esse sofrimento, embora impon¬derável, deve ser ressarcido.

É posição já pacificada em nossa Jurispru¬dência e Doutrina que a indenização por danos morais e mate¬riais pode ser cumulada.

Em vista das causas apontadas, fixo a indenização por danos morais em 300 salários mínimos, para cada um dos autores, quantia essa hoje que totaliza, somadas as partes dos três autores, R$ 315.000,00, e que, a partir desta data, deverá ser corrigida segundo a Tabela Prática (porque o salário mínimo, embora possa ser tomado como base, não pode servir de indexador).

Ante todo o exposto, julgo procedente o pe¬dido formulado, para condenar a ré a pagar aos autores pensão de um salário mínimo, a partir da data da morte da vítima, até a data em que Bruno e Danilo vierem a completar 25 anos e, quanto a Cristina, até a data em que Romildo completasse 65 anos. Reconheço o direito de acrescer entre os pensionistas. A ré deverá pagar ainda R$ 315.000,00, a título de indenização pelos danos morais. Para garantir o cumprimento da obrigação, a ré deverá inscrever o nome dos autores em folha de pagamento. As parcelas atrasadas serão corrigidas monetariamente a partir da data em que o pagamento se tornou devido. Os juros serão computados a partir da data do fato, por se tratar de fato ilícito. As parcelas vincendas serão pagas mensalmente. Sucumbente, a ré arcará com o pagamento das custas e honorários advocatícios que fixo em 10% do valor da condenação.

Transcorrido o prazo para os recursos voluntários, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça.

P.R.I.C.

São Paulo, 28 de setembro de 2006.

MARIA FERNANDA DE TOLEDO RODOVALHO PODVAL

Juíza de Direito

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