Direito de jornalista

Justiça paulista reafirma garantia de sigilo da fonte de jornalista

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10 de outubro de 2006, 17h26

O sigilo da fonte é garantia fundamental para que o jornalista possa exercer livremente sua atividade e assegurar à sociedade o acesso permanente à informação. Negar essa garantia é negar a ordem constitucional e sua vigência. Com este entendimento a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu, em parte, Habeas Corpus ao jornalista Antonio Carlos Prado, da revista IstoÉ, garantindo a ele o direito de calar-se sobre o que entender sigiloso em decorrência de sua atividade profissional.

O jornalista foi intimado a depor em processo que corre no 1º Tribunal de Júri em que Luciano Helfstein Miranda é acusado de vários homicídios. O Ministério Público requereu o depoimento de Antonio Carlos Prado porque ele é o autor de uma reportagem publicada na Isto É, em outubro de 2004, sobre as confissões de Luciano, quando este estava recolhido no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil de São Paulo.

De acordo com a reportagem, a polícia teria conseguido que Luciano, no prazo de oito dias em que esteve preso naquele departamento, confessasse a autoria de oito assassinatos, todos pendentes de solução nos arquivos do DHPP.

Na reportagem, o jornalista manifestou perplexidade por causa do grande número de confissões feitas por Luciano, assumindo a autoria de vários homicídios. “Alguns policiais de uma das equipes do DHPP são fortes candidatos a entrar pela porta de trás no Guinness Book ou pela porta da frente no Brasil: nunca mais. Conseguiram que o cidadão Luciano Helfstein Miranda, quando esteve preso no DHPP, admitisse em oito dias a autoria de oito assassinatos que estavam pendentes nos arquivos (processos 904/03, 1057/02, 1974/02, 1740/02, 296/03, 481/02, 987/02, 61/03)”, escreveu Prado. No mesmo texto, o autor aponta que no mesmo departamento já haviam sido levantadas suspeitas sobre a prática de tortura.

O jornalista ingressou com Habeas Corpus pedindo o cancelamento da audiência e o seu depoimento. Subsidiariamente, a defesa pediu que, no caso de mantida a audiência, seu cliente tivesse assegurado o direito de não declarar fatos, que são do seu conhecimento, considerados sigilosos em decorrência da atividade de jornalista.

A turma julgadora entendeu que o sigilo da fonte é um tributo não só à liberdade de expressão, mas também à democracia. “Se a Constituição Federal prevê o sigilo da fonte, necessário ao exercício profissional, é por que é ele indispensável ao acesso à informação e mais, também à liberdade de imprensa”, afirmou o relator, Luís Soares Mello.

No entanto, a turma julgadora determinou que o jornalista deve ir à audiência no fórum. O relator negou o pedido de cancelamento da audiência ou o não comparecimento do jornalista com o argumento de que não há previsão legal para o pedido.

Leia a íntegra da reportagem

Luciano, o confesso compulsivo

Existe em São Paulo o Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP). Cuida de investigar os assassinatos nos quais a autoria é desconhecida. Alguns policiais de uma das equipes do DHPP são fortes candidatos a entrar pela porta de trás no Guinness Book ou pela porta da frente no Brasil: nunca mais. Conseguiram que o cidadão Luciano Helfstein Miranda, quando esteve preso no DHPP, admitisse em oito dias a autoria de oito assassinatos que estavam pendentes nos arquivos (processos 904/03, 1057/02, 1974/02, 1740/02, 296/03, 481/02, 987/02, 61/03).

A média recordista digna do Guinness, de uma confissão por dia, foi atingida após “consulta aos arquivos”, nas palavras dos próprios policiais. Pode-se pensar o inimaginável: que o próprio preso Luciano foi abrindo os arquivos, revirando os inquéritos e dizendo: esse fui eu…, deixa eu ver… esse outro homicídio também fui eu…, ah, esses dois aqui também são crimes meus…. e assim por diante.

É como se o moço pertencesse a uma espécie de Xilindró dos Confessos Compulsivos (XCC) do DHPP. Mas pode-se cogitar também de que a marca dos oito crimes admitidos em oito dias aconteceu porque Luciano foi levado a confessar, um recorde digno do Brasil: nunca mais. Luciano continua encarcerado e ISTOÉ teve acesso agora aos documentos.

Luciano foi preso no dia 9 de maio e não parou de confessar até o dia 16. Quem depôs contra ele nesse caso o fez de orelhada: apresentou três versões diferentes e disse que apenas ouviu falar do crime. Quanto aos demais assassinatos, todos os testemunhos são de outros presos que estavam no DHPP, sendo que um preso não conhecia o outro, nem os crimes guardam relação entre si.

Há também contra Luciano o testemunho de pessoas que estavam passando pelo DHPP para tratar de outros assuntos e nem ouviram Luciano depor: assinaram aquilo que a polícia lhes pediu. Na Justiça, todos os presos afirmaram que foram torturados, negaram culpa e disseram que assinaram as confissões sem saber o que estava escrito no papel.

Num dos processos (1740/02), a Justiça já decidiu não mandar Luciano a júri porque não há provas de que foi ele o assassino. Apesar de ele pertencer ao XCC do DHPP, o moço não ficou triste com essa decisão judicial.

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