Chumbo trocado

Aspectos jurídicos e judiciais do debate dos candidatos

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9 de outubro de 2006, 1h58

O primeiro tiroteio direto entre os dois candidatos à Presidência da República bordejou em diversos momentos temas que dizem respeito ao Direito e à Justiça no Brasil. Mas não aprofundou nenhuma das questões de interesse direto da comunidade jurídica.

As menções a temas do mundo jurídico resvalaram para os populares temas policiais e criminais — ligados à corrupção, à criminalidade e conflitos ainda em curso nos tribunais.

O candidato Geraldo Alckmin, em passagem rápida, enunciou a busca da segurança jurídica no país como uma de suas prioridades. Luiz Inácio Lula da Silva gabou-se de ter nomeado um procurador-geral da República por critérios técnicos e não um amigo ou um engavetador, em referência direta ao chefe do Ministério Público Federal na gestão de Fernando Henrique Cardoso.

Alckmin, que compareceu ao debate evidentemente mais treinado e preparado para explorar as fraquezas do adversário, valeu-se das perguntas acusatórias do oponente como escada para reverter as perguntas mais incômodas.

No flanco do PCC, invocou alegado corte de investimentos do governo federal em segurança; lembrou de quando o governo federal lhe pediu ajuda para encarcerar Fernandinho Beira-Mar — por falta de presídios federais de segurança máxima; afirmou que o governo federal não cumpre seu papel de bloquear a entrada de drogas e armas no país; e comentou sobre aperfeiçoamentos necessários à Lei de Execuções Penais.

Sobre a Febem, outro ponto vulnerável do governo paulista, o ex-governador de São Paulo esquivou-se enunciando as mudanças que propõe no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Diante de questão sobre a crescente ferocidade da criminalidade infantil e juvenil, Alckmin disse ser contra a redução da maioridade penal, mas favorável ao aperfeiçoamento do ECA — estabelecendo mais de 3 anos de internação em casos graves, e remoção dos maiores de 18 anos da Febem. Com a maioridade, o interno seria liberado ou transferido para o sistema prisional, mas separado dos presos comuns. Falou também da falta de exemplo que os jovens tem, e que “a impunidade é a mãe de todo tipo de corrupção”.

Lula retrucou afirmando que o problema da segurança não é só político, mas que envolve a família e a sociedade. E falou da importância de investir na juventude, na educação, e nas oportunidades de emprego.

Remédio e veneno

Respondendo a jornalista que citou a tendência de brasileiros terem mais simpatia pelos vilões que pelos mocinhos, para saber como Lula retomaria a ética e o exemplo para os jovens do país, Lula não respondeu diretamente. Mas aproveitou para alfinetar a imprensa, que para o petista faz uma cobertura exagerada dos episódios que envolvem seu governo. “Tão grave quanto os problemas do Brasil é a desagregação da sociedade Brasileira”, disse o presidente, que pediu a participação de todos para a propagação de bons exemplos que inspirem os jovens, principalmente a divulgação deles na mídia.

O tucano contestou os argumentos de Lula, dizendo que “quanto à corrupção, o exemplo vem de cima”. E afirmou que Lula não tem autoridade moral para falar sobre assunto depois dos escândalos em seu governo.

O presidente rebateu: “Tenho autoridade moral porque 60% dos prefeitos envolvidos com os sanguessugas são do PFL e do PSDB, e tenho autoridade moral porque não deixo sem punição os envolvidos com corrupção”.

Alckmin ainda disse que a política de Lula é a mesma política da gestão Fernando Henrique, só que de maneira equivocada. “O remédio e o veneno são os mesmos, o que os diferencia é a dose”.

Sempre no ataque, Alckmin cobrou de Lula entrevistas em que lhe foi atribuída a intenção de privatizar empresas públicas. “Fico triste de ver o presidente do meu país mentir no rádio, dizendo que vou privatizar a Petrobras, a Caixa Econômica Federal, os Correios”.

Lula tentou atenuar o ataque dizendo que “todo o mundo sabe que foram PSDB e PFL que privatizaram o país. Não precisa esconder isso de ninguém. Quando não tiver mais o que vender, vai vender a Amazônia?”, retrucou Lula. “Ficar bravo não faz teu gênero, Alckmin. Eu te conheço e não faz teu gênero”.

Lula afirmou que concorre à reeleição por estar convencido de poder fazer “mais e melhor”. E convidou: “O alicerce está pronto, a parede está levantada, falta o madeiramento e o telhado”, comparou, destacando obras em pólos petroquímicos, siderurgias, geração de combustíveis. Segundo Lula, em 20 meses o biodiesel levou emprego para milhares de famílias.

Alckmin reiterou seu compromisso com o desenvolvimento. “O PT já teve a sua chance e deixou passar. Está com a receita errada, de aumentar gasto e cortar investimentos”. O tucano afirmou que seu primeiro compromisso, se eleito, será com emprego e renda.

Política externa e interna

Lula chegou a comparar as “bravatas” propostas pelo seu adversário — como a de tratar com mais dureza as ofensivas dos governos boliviano, argentino e venezuelano — com as do presidente do Estados Unidos. E revelou que insistiu com George Bush para que os EUA não invadissem o Iraque.

Foi na resposta à crítica de Alckmin à política externa brasileira, que considerou o governo submisso à Bolívia e fraco diante da invasão de produtos chineses no mercado que estariam roubando empregos de brasileiros. “Com a Bolívia o Brasil foi humilhado”, disse.

Lula foi bem ao enfrentar a questão: “Esse país conquistou autoridade moral. A Bolívia fez com o gás dela o que todos os países fizeram com o petróleo. O Brasil tem que ser justo na negociação com a Bolívia, cujo povo passa por tantas dificuldades e tem no gás a sua fonte de sobrevivência. Já houve tempo em que a bravata com os países pobres predominava, agora não. Agora é parceria”.

Na comparação do adversário com o norte-americano George Bush, disse que Alckmin “pensa ainda que estamos na Guerra Fria”. E desfechou: “Se o Bush tivesse o bom senso que eu tenho, não teria a guerra do Iraque. Ele foi avisado. Ele pensava que nem você, Alckmin, e fez uma barbárie dessas”.

O presidente invocou em seu favor os números positivos da economia. “Nós fizemos o país crescer como em nenhum momento da sua história nos últimos 20 anos”, afirmou Lula. “Este país estava totalmente falido, não tinha crédito, não conseguia controlar a inflação”. E disse que seu governo gerou 7 milhões de empregos em apenas quatro anos.

Caixa dois

Em pelo menos três ocasiões, percebendo a dificuldade de Lula para uma boa resposta, Alckmin repetiu a pergunta: “De onde veio o dinheiro sujo: 1,7 milhão em dinheiro vivo, para comprar um dossiê fajuto?”

O presidente não se saiu bem desde a primeira tentativa: “Faz 30 dias que ele quer saber de onde veio o dinheiro”, e afirmou que “o único ganhador nesse trambique todo foi a candidatura do meu adversário”, disse. “A Polícia Federal é muito competente, ela não faz pirotecnia, ela investiga”. Lula afirmou que Alckmin, possivelmente, teria saudade do tempo da ditadura, quando as investigações eram mais rápidas.

“Uma investigação séria é demorada. Afastamos todas as pessoas envolvidas, cabe à PF fazer as investigações”, disse Lula. A resposta seria boa se os envolvidos não fossem correligionários petistas. Melhor ainda se a PF, para alegria da oposição, agisse nesse caso como agiu nos casos em que não-petistas estavam envolvidos. Mas acertou ao criticar a hipocrisia nacional de conviver bem com a informalidade em seu terreno, mas criticá-la no terreno alheio.

Na sua vez de perguntar, o presidente e candidato à reeleição citou a participação de Barjas Negri, ministro da Saúde que sucedeu José Serra no governo de Fernando Henrique Cardoso, no escândalo dos sanguessugas e da máfia dos vampiros. Negri foi secretário de Habitação do então governador Alckmin. “O candidato sabia ou não sabia das transações obscuras do Barjas Negri?”

Alckmin respondeu o óbvio: que os escândalos não dizem respeito ao seu governo. “Não tem uma prova”, afirmou. “Quanto ao Barjas Negri, no meu governo não tem absolutamente nada. Se há alguém que não tem moral para falar de ética, é o candidato Lula.”

Lula voltou à carga e lembrou que no governo do PSDB e PFL em São Paulo, 69 pedidos de CPIs foram engavetadas. “A que preço eu não sei”, sublinhou. “Sou de formação pobre, mas da formação de quem não deve não teme”. Segundo o presidente, Negri teria inúmeras condenações provisórias do Tribunal de Contas.

O candidato tucano questionou a afirmação de Lula de que não teria tentado impedir a realização de CPIs. “As CPIS só saíram porque o Roberto Jefferson contou a verdade pro Brasil. O governo foi derrotado, por isso é que saíram as CPIs.”

Criminalidade pública e privada

O tucano voltou a falar sobre os escândalos de corrupção, em especial do indiciamento de cinco ministros do governo Lula. “Eu não me omito, eu não jogo nas costas do governo as minhas responsabilidades”, disse Alckmin sobre a falta de ação do presidente em relação a esses episódios, que chamou de “estranhos”.

A reação de Lula foi dizer que “o estranho não é ter ministro envolvidos, o estranho é ter os ministros envolvidos punidos”, e citou que o princípio da ética é “cortar na própria carne”.

Alckmin replicou, e disse que Lula não cortou na carne, já que os ministros não foram demitidos, e sim pediram demissão, e acusou o governo do petista de ser “violento com os pequenos”, como o caseiro Francenildo, que teve seu sigilo bancário quebrado após acusar o então ministro da Fazenda Antonio Palocci de participar de reuniões com lobistas em Brasília, e “pequeno e fraco, fraquíssimo”, contra os grandes erros de sua administração.

O presidente disse que o mais importante não é dizer que seu governo não tem corrupção, e sim punir com rigor os corruptos quando eles surgiram.

Lula questionou o candidato tucano sobre o caos na segurança pública em São Paulo, deflagrado com os atentados atribuídos ao PCC (Primeiro Comando da Capital). O presidente afirmou que, depois de doze anos de governo do PSDB e PFL, os secretários de segurança e administração penitenciária não se entendiam e “o PCC tomou conta do país”.

Alckmin disse que seu governo retirou das ruas 90 mil bandidos, reduziu em 50% os homicídios em São Paulo e construiu 75 unidades prisionais. “O governo Lula só fez uma (cadeia)”.

“Fizemos a nossa parte. E o candidato Lula?”, indagou Alckmin. Segundo ele, o governo federal liberou apenas uma pequena parte: 9%, das verbas destinadas à segurança pública e cortou verbas do setor para a maioria dos Estados.

Lula replicou e acusou o adversário, quando governador, de cortar 15% do orçamento da segurança pública e R$ 67 milhões no setor da inteligência. “Há contradição entre os números que você decorou e a realidade da segurança em São Paulo”, afirmou o petista.

Na defensiva, ao contestar a acusação de que falhou na falta de investimentos em seu governo, Lula pediu a Alckmin que reconhecesse suas obras, como a reforma do aeroporto de Congonhas, obra embargada por anos por processo na Justiça. “Quando vocês governaram o Brasil, vocês não acreditavam que o país poderia crescer. Vocês pensavam pequeno, pensavam o Brasil apenas exportando para os Estados Unidos e para a União Européia. E eu quero o Brasil exportando para o mundo inteiro”.

“O fato concreto e objetivo é que o Brasil melhorou”, disse Lula. “Reconheça pelo menos uma vez. As pessoas estão comendo mais, construindo mais”.

Diante da pergunta de um jornalista sobre se, reeleito, Lula não seria surpreendido por ocorrências supostamente criminosas à sua volta, como nesta gestão, Lula disse que o mais importante não é saber ou não o que aconteceu, já que “a lógica da ética não é saber antes de acontecer, e sim punir quando acontecer”. O presidente disse que vai continuar a punir “companheiros de 30 anos” caso eles se envolvam em atos de corrupção. Invocou em seu favor a eficiência da Polícia Federal na investigação de casos de corrupção. “O Presidente da República não se exime de responsabilidades, mas nenhum presidente ou pai de família sabem de tudo”.

Alckmin replicou dizendo que Lula não responde às grandes questões sobre valores porque seu governo é “uma lista telefônica de corrupção”, e citou como exemplo a impressão de cartilhas com recursos federais que foram distribuídas em diretórios do PT.

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