Auxílio-doença

Há um abismo entre o que diz a lei e o que se pratica pelo INSS

Autores

  • Daniel Pestana Mota

    é advogado trabalhista e previdenciário mestrando pela Unesp - Marília (SP) e colaborador do site www.defesadotrabalhador.com.br

  • Luiz Salvador

    é presidente da ALAL diretor do Departamento de Saúde do Trabalhador da JUTRA assessor jurídico de entidades de trabalhadores membro integrante do corpo técnico do Diap do corpo de jurados do Tribunal Internacional de Liberdade Sindical (México) da Comissão Nacional de Relações internacionais do Conselho Federal da OAB e da comissão de juristas responsável pela elaboração de propostas de aprimoramento e modernização da legislação trabalhista instituídas pelas Portarias-MJ 840 1.787 2.522/08 e 3105/09.

9 de outubro de 2006, 12h31

A imprensa nacional tem divulgado que o percentual de benefícios por incapacidade negados pela perícia do INSS encontra-se, atualmente, num patamar de 20% a 30%. Nessa faixa encontram-se os segurados que estão requerendo o benefício por incapacidade, os que já se encontravam afastados e os que, após alta médica, têm de retornar ao trabalho mesmo com laudos, exames, receitas e atestados demonstrando que ainda permanecerem seqüelas incapacitantes.

O INSS tenta justificar o elevado número de negativas argumentando que os segurados não estão bem informados a respeito de quem tem o direito aos benefícios por incapacidade, situação esta que se agrava pela falta de oportunidades no mercado de trabalho.

O argumento pode até ser válido para algumas situações específicas, mas não traduz a regra geral. Temos presenciado situações de queixas de trabalhadores com incapacitações reconhecidas e comprovadas por exames, laudos e atestados, que foram rejeitados sem qualquer fundamento pelos médicos e peritos do INSS.

Aliás, tais fatos são de conhecimento público e notório, resultando na movimentação de diversos setores da sociedade, dentre os quais muitos sindicatos e seguimentos de operadores em saúde do trabalhador, todos buscando que as irregularidades praticadas pelos médicos e peritos do INSS deixem de existir.1

É certo que a política adotada pelo INSS, buscando reduzir o número de concessões de benefícios por incapacidade sem qualquer critério médico ou ainda a de prognosticar uma data futura para a recuperação da capacidade laborativa dos segurados — as repudiadas “altas programadas” — nada mais faz do que negar vigência à garantia assegurada quer pela Constituição Federal, quer pelas leis ordinárias que disciplinam os benefícios previdenciários e norteiam a atuação da própria Previdência Social.

Afinal, a Constituição Federal, em seu artigo 1º, inciso III, garante a promoção do bem estar de todos sem qualquer forma de discriminação, e, além disso, exige que se garanta a dignidade da pessoa humana.

No mesmo sentido, seu artigo 196 dispõe que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido através de políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco e de outros agravos, e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Por fim, o artigo 201 da Carta Magna estabelece que os planos de previdência social, nos termos da lei, atenderão a cobertura dos eventos de doença, incluídos os resultantes de auxílio-doença por incapacidade física para o trabalho.

A legislação ordinária, seguindo o princípio da solidariedade adotado pela Constituição Federal, dispõe que o segurado em gozo de auxílio-doença, insusceptível de recuperação para sua atividade habitual, deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional para o exercício de outra atividade. E que o benefício não cessará até que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não-recuperável, for aposentado por invalidez. (Lei 8.213/91, art. 62).

Portanto, entre o que diz o texto da lei e entre o que se pratica pelo INSS há um colossal abismo, cuja tentativa de escamoteá-lo ampara-se na propagação da idéia de existir um propalado déficit nas contas da Previdência. Segundo dados do próprio governo federal, até o dia 9 de dezembro de 2005 já teriam sido desembolsados R$ 12,5 bilhões com a concessão de benefícios por incapacidade, valor este superior a todos os dispêndios de 2004 e 15 vezes maior que todo o valor destinado ao Ministério da Saúde para investimentos.

De nossa parte, temos denunciado o equívoco do governo federal e sua intenção clara de esconder o quadro real e os verdadeiros motivos de ser levada a cabo a política escolhida também pelo presidente Lula, que acaba por aprofundar o desmonte do sistema público de Previdência Social2. Refém de uma política econômica pra lá de ortodoxa, o país vem desviando recursos da Previdência Social para pagamento de juros da dívida interna e externa, reverberando de forma falaciosa um inexistente déficit nas contas do INSS, o que é desmentido, de forma comprovada, por estudos sérios, como o publicado pela Associação Nacional dos Fiscais da Previdência (ANFIP).

Desde 2003, existe um substancioso documento elaborado pela entidade que oferece um sólido diagnóstico alternativo do sistema previdenciário. Entre outras coisas, o documento desmistifica o mito do déficit da Previdência, resgatando o modelo trazido pela constituição de 1988 de um sistema de seguridade social integrado. Segundo o estudo, esse sistema não apenas não tem déficit, como tem um superávit da ordem de R$ 30 bilhões3.

Outro problema de extrema gravidade é a falta de indicadores sérios e seguros sobre as avaliações periciais, bem como a completa ausência de publicidade sobre as normas internas do INSS que disciplinam tais atividades. Quem faz tal afirmação é Maria Maeno, pesquisadora da Fundacentro-SP e uma das maiores autoridades nacionais em doenças ocupacionais. Segundo Maeno:

“Os indicadores a serem avaliados devem traduzir a missão da seguradora. No caso do INSS, como se trata de um seguro social, de caráter público, seria de se esperar que tivesse indicadores que expressassem o caráter solidário, público, social. Assim, os peritos e as perícias deveriam ser avaliados quanto ao enquadramento correto do tipo de benefício (por exemplo, B31 ou B91), quanto ao número de contestações às suas conclusões periciais, etc. No entanto, apesar de termos tentado avançar na discussão sobre formas de valorizar determinados itens que envolvem a perícia, transformando-os em indicadores, os indicadores em vigor foram definidos somente pelo INSS e não são públicos. Tampouco são públicas as ordens internas que definem procedimentos de diversas naturezas, inclusive, condutas periciais. Do segurado, assim, é roubado o direito de contestação, pois a “ordem interna” que fundamentou tal ou qual conduta não é de conhecimento público. É clandestino à sociedade”.

É preciso que se faça valer a letra da lei e, sobretudo o espírito da Constituição. Um novo governo, havendo ou não reeleição, não parece disposto a modificar o terrível quadro que se abateu sobre a questão dos benefícios por incapacidade.

Os candidatos do PT e do PSDB possuem o mesmo discurso, dando como certa mais uma reforma da Previdência Social, no caminho das exigências feitas por organismos internacionais e tendo como pano de fundo a controvertida questão do déficit das contas do INSS. Não é preciso mais do que coragem para realizar as mudanças que o sistema exige. Todavia, tais mudanças devem observar a realidade dos fatos, sem o que os trabalhadores de um modo geral tendem a adoecer cada vez mais por conta de ambientes de trabalho pouco saudáveis, onde se busca o lucro de poucos à custa da vida ceifada de milhões de brasileiros.

Notas de rodapé

1. “Sindicatos questionam perícia médica” — Jornal da Cidade de Bauru, ed. de 5 de março 2006 Disponível em Jornal da Cidade de Bauru; “Sindicato vai à ALMG defender os direitos dos trabalhadores contra alta programada do INSS” — Jornal do Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte, 206 — dez.2005 — Disponível em Seebbh.org.br

2. Ver: “Auxílio-Doença: INSS faz Diagnóstico Equivocado ao Atribuir Responsabilidade aos Médicos pelo Aumento das Despesas”. Publicado pela Lex Editora e no link seguinte: Lex Editora

3. Disponível em Anfip

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