Momento de fraqueza

Um único cochilo não é motivo para demissão por justa causa

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8 de outubro de 2006, 7h00

A punição ao trabalhador deve ser proporcional à gravidade da infração praticada. Assim, a demissão por justa causa de vigilante, sem antecedentes, que cochilou vítima do cansaço ou de medicamentos, é exagerada. O entendimento é da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo).

Contratado como vigilante, o funcionário da Proctor Segurança e Vigilância, cochilou na viatura, quando deveria estar fazendo a ronda noturna no prédio da Cargill Agrícola. Após ser demitido por justa causa, entrou com ação na 1ª Vara do Trabalho de Guarujá tentando reverter a medida, mas teve seu pedido negado e recorreu ao TRT paulista.

O vigilante insistiu na alegação de que, por não estar se sentindo bem naquela madrugada, tomou um remédio e cochilou por cerca de 15 minutos. A relatora, juíza Ivani Contini Bramante, observou não haver “notícia de outra falta do empregado no curso da relação de emprego”, de maneira que a conduta que o levou à demissão foi um ato isolado.

Para a juíza, “integra o conceito de justa causa a gravidade da falta praticada. E o fato apontado como determinante — ter sido encontrado dormindo — não é grave para gerar a penalidade máxima da dispensa”.

Ainda de acordo com a juíza Ivani, o cochilo poderia ser conseqüência do trabalho noturno, mais penoso — ou do remédio que ele tomou — e não por desleixo, negligência ou má vontade. “Tudo leva a crer que a despedida decorreu de rigor excessivo da reclamada. Por conseguinte, houve falta disciplinar, mas a punição foi desproporcional à gravidade do ato praticado.”

Os juízes da 6ª Turma acompanharam o voto da relatora e condenaram a empresa a pagar ao ex-empregado as verbas rescisórias devidas pela demissão sem justa causa.

Leia a íntegra da decisão

PROCESSO TRT/SP nº 02042200330102006 – 6ª Turma

RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTES: CARLOS RENATO DE SOUZA e CARGILL AGRÍCOLA S/A

RECORRIDOS: AMBOS e PROCTOR ORGANIZAÇÃO GERAL DE SEGURANÇA S/C LTDA e PROCTOR SEGURANÇA E VIGILÂNCIA S/C LTDA

ORIGEM: 01ª VARA DO TRABALHO DE GUARUJÁ/SP

Ementa – Justa Causa. Cochilo. Jornada de Trabalho Noturna. A doutrina clássica, respaldada pela jurisprudência, elenca como requisitos caracterizadores da justa causa a tipicidade, a imediatidade, a determinância, o non bis in idem e, mais importante, a gravidade da falta, todos esses elementos analisados segundo os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. A causa determinante da dispensa apontada foi o fato do obreiro ter sido surpreendido dormindo. Ora, o reclamante trabalhava no período noturno, sabidamente mais penoso, portanto, o cochilo pode ter sido decorrência de cansaço, da natureza humana do empregado. A reclamada não noticia qualquer outro fato à abonar a tese de desídia. Por conseguinte, houve falta disciplinar, mas a punição foi desproporcional à gravidade do ato praticado, pelo que afasto a justa causa da dispensa.

RELATÓRIO

Adoto o relatório da sentença de fls.193/199, que julgou Procedente em Parte a ação.

Recurso ordinário interposto pelo reclamante às fls. 205/210, buscando reforma da sentença no que se refere a justa causa e ao intervalo intrajornada.

Contra-razões às fls.226/228 e 230/233 e 236/239.

Recurso ordinário interposto pela 3ª reclamada às fls. 212/215, buscando reforma da sentença no que se refere a responsabilidade subsidiária.

Contra-razões às fls.222/225.

É o relatório.

VOTO

Conhecimento

Conheço dos recursos, pois presentes os pressupostos de admissibilidade. Por conseguinte, tal fato não constituiu desídia, que significa desleixo, negligência, má vontade

Fundamentação – Justa Causa

É da recorrida, empregadora, o ônus de provar os fatos geradores de punições disciplinares, a fim de legitimar o exercício do poder de direção. Entrementes, o conjunto probatório não favorece as alegações defensivas.

A doutrina clássica, respaldada pela jurisprudência, elenca como requisitos caracterizadores da justa causa a tipicidade, a imediatidade, a determinância, o non bis in idem e, mais importante, a gravidade da falta, todos esses elementos analisados segundo os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Na hipótese, tenho que a falta praticada pelo obreiro não foi grave suficiente a ponto de gerar a penalidade máxima da dispensa por justa causa.

A causa determinante da dispensa apontada foi o fato do obreiro ter sido surpreendido dormindo. Na inicial, admitiu que não se sentia bem naquela madrugada, tomou um remédio e “cochilou” por cerca de 15 minutos, dentro da viatura. Com a vestibular foi juntado o documento de fl. 12, assinado pelo reclamante, onde a reclamada noticiou o motivo da despedida – falta grave – art. 482 da CLT. A defesa informa conduta desidiosa do reclamante.


Ora, não há notícia de outra falta do empregado no curso da relação de emprego, de maneira que a conduta, supostamente desidiosa do recorrente, ao que consta, foi isolada. Como é cediço, integra o conceito de justa causa à gravidade da falta praticada. E, o fato apontado como determinante – ter sido encontrado dormindo – não é grave para gerar a penalidade máxima da dispensa.

Ora, o reclamante trabalhava no período noturno, sabidamente mais penoso, portanto, o cochilo pode ter sido decorrência de cansaço, da natureza humana do empregado. Quiçá de remédio que tivesse tomado o obreiro na ocasião, já que a reclamada não noticiou que situação semelhante já ocorrera no histórico do obreiro. Por conseguinte, tal fato não constituiu desídia, que significa desleixo, negligência, má vontade, etc

Em suma, tudo leva a crer que a despedida decorreu de rigor excessivo da reclamada. Por conseguinte, houve falta disciplinar, mas a punição foi desproporcional à gravidade do ato praticado, pelo que afasto a justa causa da dispensa.

Nosso Tribunal tem assim decidido:

EMENTA: TRABALHADOR NOTURNO. SONO EM HORÁRIO DE SERVIÇO. FATO ISOLADO. RIGOR EXCESSIVO. JUSTA CAUSA NÃO CONFIGURADA. Tratando-se de empregado com histórico funcional de quatro anos de trabalho, sem incidência de práticas desabonadoras, que se ativava em horário extensivo e noturno, no regime 12 x 36, trocando a noite pelo dia, eventual cochilo numa única noite não pode ser tratado pelo empregador como um desvio comportamental revelador de desinteresse pelo emprego, ao talhe da figura da desídia (art. 482, letra e, da CLT), mormente quando se tem que o empregador não concedia o regular intervalo para refeição e descanso. O sono faz parte da natureza humana. Trata-se de uma necessidade biológica complexa e não de uma faculdade. Nenhum ser humano tem controle sobre o sono. Pesquisas médicas indicam que os trabalhadores noturnos são os mais sujeitos a apresentar problemas de saúde, com quadro de sonolência e lapsos de consciência, resultantes da ausência de sono regular durante a noite. A punição, no contexto dos autos e em face do histórico curricular do autor, constituiu medida excessivamente rigorosa, razão pela qual dá-se provimento ao recurso para julgar insubsistente a justa causa. (Ro – Proc.:02552.2003.051.02.00-5 – Juiz Relator Ricardo Artur Costa e Trigueiros)

Como corolário, devidas as seguintes verbas rescisórias: aviso prévio indenizado, férias proporcionais mais 1/3, 13º salário, liberação dos depósitos do FGTS mais a multa-indenização de 40%, bem como, guia com vistas ao benefício do seguro-desemprego.

Multa do art. 477 da CLT – a matéria era controvertida e necessitou de intervenção e decisão do Judiciário, não há que falar-se na imposição da prelecionada multa.

Dou provimento parcial.

Intervalo

Pugna o reclamante pela reforma da sentença que indeferiu sua pretensão quanto ao pagamento do intervalo não usufruído.

Em depoimento pessoal à fl.187, informa o gozo de 15 minutos para refeição e descanso e, sua testemunha à fl.189, informou que haviam 07 funcionários no período noturno e que o intervalo era feito em revezamento com duração de 20 minutos, no máximo e, para todos.

Portanto, ao revés do decidido na Origem, o reclamante desincumbiu-se do ônus quanto à ausência de gozo do intervalo. Até porque, a prova da concessão do horário de intervalar recai sobre o empregador, consoante dispõe o art. 74, § 2º e, não há nos controles de jornada trazidos aos autos – fls.67/71 e 118 – a pré-assinalação do horário de descanso devido intrajornada.

A redação do parágrafo 4º, do artigo 71, da CLT, dada pela Lei 8.923/94, norma de caráter publico, objetivou assegurar o gozo efetivo do intervalo para refeição e descanso e punir a violação. Isto porque o intervalo intrajornada tem por finalidade a proteção da saúde do trabalhador, de modo a assegurar a reposição das energias psicofisicas. Deste modo, é devida a remuneração e não mera indenização, do período faltante, no caso 40 minutos, uma vez que o empregado não deveria estar trabalhando e, ainda, teve prejuízo do intervalo integral. Ademais, a habitualidade gera o direito à remuneração dos minutos faltantes do intervalo suprimido, com os correspondentes reflexos em DSR’s; feriados; aviso prévio; férias com 1/3; 13º salário; FGTS com 40%. Inteligência da Orientação Jurisprudencial n. 307 da SDI-1 no sentido de que a inobservância do intervalo intrajornada impõe a sua remuneração como hora extra. O adicional noturno integra a base de cálculo para cômputo das horas extras e, portanto, não há que falar-se em reflexos de horas extras em adicional noturno.

Dou Provimento Parcial.

RECURSO DA 3ª RECLAMADA


Responsabilidade – Tomadora de Serviço

Insurge-se a recorrente contra a decisão de mérito que impôs à 3ª reclamada de forma subsidiária a condenação nas verbas deferidas nestes autos.

Não obstante á ausência dos requisitos informadores do vínculo de emprego (art. 3º da CLT), vez que como bem sabido é incompatível com o instituto da terceirização há que se verificar, diante da prestação de serviços ligado á atividade-meio, a responsabilidade do tomador de serviços.

É de suma importância destacar que nos termos da Súmula 331, IV, no caso da escolha de empresa prestadora de serviços inidônea, responsabiliza-se de forma subsidiária à tomadora quanto àquelas obrigações trabalhistas devidas pelo empregador.

Mormente porque, quando a empresa contratante não cuida da escolha da prestadora de serviços incorre em culpa “in eligendo” e, quando descuida da fiscalização de cumprimento de encargos trabalhistas assumidos pela empresa prestadora com seus empregados, incorre em culpa “in vigilando”, nascendo, dessa forma, para a empresa tomadora à responsabilidade subsidiária quanto aos títulos trabalhistas devidos pela verdadeira empregadora.

Pacífica a jurisprudência a respeito – Súmula 331, IV. Mantenho a sentença “a quo”.

Nego Provimento.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, nos termos da fundamentação, DOU PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO ORDINÁRIO do reclamante para reformar a sentença de origem e, afastar a justa causa, bem como condenar a 2ª reclamada ao pagamento de aviso prévio indenizado, férias proporcionais mais 1/3, 13º salário, liberação dos depósitos do FGTS mais a multa-indenização de 40%, guia com vistas ao benefício do seguro-desemprego, bem como, quanto ao período faltante, no caso 40 minutos, de intervalo intrajornada, como hora extraordinária, com os correspondentes reflexos em DSR’s; feriados; aviso prévio; férias com 1/3; 13º salário; FGTS com 40% – OJ 307 da SDI-1 e, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO DA 3ª RECLAMADA para mantê-la no pólo passivo como responsável subsidiária por todas as verbas devidas nestes autos, nos termos da r.sentença de origem.

Ivani Contini Bramante

Juíza Relatora

ACÓRDÃO Nº: 20060593622 Nº de Pauta:269 PROCESSO TRT/SP Nº: 02042200330102006 RECURSO ORDINÁRIO – 01 VT de Guarujá RECORRENTE: 1. CARLOS RENATO DE SOUZA 2. CARGILL AGRICOLA S/A RECORRIDO: PROTECTOR ORGANIZAÇÃO GERAL DE SEGURANÇA EMENTA Justa Causa. Cochilo. Jornada de Trabalho Noturna. A doutrina clássica, respaldada pela jurisprudência, elenca como requisitos caracterizadores da justa causa a tipicidade, a imediatidade, a determinância, o non bis in idem e, mais importante, a gravidade da falta, todos esses elementos analisados segundo os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. A causa determinante da dispensa apontada foi o fato do obreiro ter sido surpreendido dormindo. Ora, o reclamante trabalhava no período noturno, sabidamente mais penoso, portanto, o cochilo pode ter sido decorrência de cansaço, da natureza humana do empregado. A reclamada não noticia qualquer outro fato à abonar a tese de desídia. Por conseguinte, houve falta disciplinar, mas a punição foi desproporcional à gravidade do ato praticado, pelo que afasto a justa causa da dispensa.

ACORDAM os Juízes da 6ª TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região em:

por maioria de votos, vencido o Juiz Lauro Previatti, que não defere os reflexos das extras relativas ao intervalo, dar provimento parcial AO RECURSO ORDINÁRIO do reclamante para reformar a sentença de origem e, afastar a justa causa, bem como condenar a 2ª reclamada ao pagamento de aviso prévio indenizado, férias proporcionais mais 1/3, 13º salário, liberação dos depósitos do FGTS mais a multa-indenização de 40%, guia com vistas ao benefício do seguro-desemprego, bem como, quanto ao período faltante, no caso 40 minutos, de intervalo intrajornada, como hora extraordinária, com os correspondentes reflexos em DSR’s; feriados; aviso prévio; férias com 1/3; 13º salário; FGTS com 40% – OJ 307 da SDI-1 e, por unanimidade de votos, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO DA 3ª RECLAMADA para mantê-la no pólo passivo como responsável subsidiária por todas as verbas devidas nestes autos, nos termos da r.sentença de origem.

São Paulo, 08 de Agosto de 2006.

RAFAEL E. PUGLIESE RIBEIRO

PRESIDENTE

IVANI CONTINI BRAMANTE

RELATORA

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