Sem censura

Rede Globo pode exibir reportagem sobre erro médico

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8 de outubro de 2006, 7h00

A reportagem sobre erro médico produzida pelo Fantástico, da TV Globo, pode ser veiculada porque trata de assunto de interesse público e sua proibição caracterizaria censura prévia. O entendimento, unânime, é da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que acolheu o recurso da Globo e liberou a reportagem que estava sob discussão judicial desde 2003.

Os desembargadores também entenderam que o médico citado na reportagem por responder ação de indenização de uma paciente não poderia solicitar a suspensão sem ao menos conhecer o teor do que seria dito. “Evidente que não pode afirmar que seria objeto de achincalhe moral, a ponto de sofrer danos morais, consubstanciados em dano psíquico, qual seja, interferência na sua conduta social — com prejuízo profissional ou pessoal — ao sofrer traumas, além do mero desconforto,” afirmou o relator, desembargador Caetano Lagrasta.

Segundo o relator, se a reportagem for feita sem que o envolvido tenha possibilidade de se manifestar ou se exagerar nos comentários sem fundamento, o médico pode pedir reparação posterior.

Histórico

O médico entrou com ação contra a Rede Globo de Televisão para que fosse suspensa a reportagem do Fantástico alegando que a exibição causaria dano irreparável à sua reputação profissional.

A primeira instância concedeu parcialmente a liminar, que depois foi confirmada no mérito. A sentença determinou que a reportagem poderia ser exibida, mas teria de informar a situação do processo judicial a que o médico responde.

A TV Globo preferiu não exibir a reportagem e recorreu da sentença. Sustentou que o ato de ter de modificar a reportagem caracterizaria censura prévia. A emissora alegou que tem o dever de informar à sociedade fatos jornalísticos de interesse público, como notícias sobre erro médico. Os argumentos foram acolhidos. A emissora foi representada pelo advogado Luiz de Camargo Aranha Neto.

Leia a decisão

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO nº 373.745-4/0-00, da Comarca de SÃO PAULO, em que é apelante TV GLOBO LTDA sendo apelado fulano:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão“DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores ANTONIO MARIA e DONEGÁ MORANDINI.

São Paulo, 05 de setembro de 2006.

CAETANO LAGRASTA

Presidente e Relator

Ação de obrigação de não fazer, com pedido cominatório. Sentença de procedência parcial. Pedido de proibição de veiculação de matéria sobre erro médico envolvendo a pessoa do autor. Ação de indenização em andamento, ajuizada por paciente. Processo público. Sentença que determina que, se veiculada, a matéria faça expressa menção à fase em que se encontra a ação judicial ajuizada pela paciente, sob pena de multa. Configurada censura prévia. Vedação constitucional. Carência de ação, por impossibilidade jurídica do pedido. Processo extinto sem apreciação do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC. Recurso provido.

Vistos.

Trata-se de ação condenatória de obrigação de não fazer, com pedido cominatório, movida por fulano, em face de TV Globo Ltda., visando impedir a veiculação de matéria jornalística envolvendo a sua pessoa. Em apenso, medida cautelar inominada.

A r. sentença de fls. 52/55, cujo relatório se adota, julgou parcialmente procedente a ação, tornando definitiva a liminar concedida na cautelar em apenso (fls. 26/27), determinando que a re, ao exibir a matéria jornalística que envolve o autor, inclua a informação a respeito do estado em que se encontra a ação judicial proposta pela paciente, sob pena de multa de R$ 500.000,00. Irresignada, apela a ré.

Sustenta, em sintese, ser o autor carecedor de ação, por impossibilidade jurídica do pedido, considerando que o pleito formulado configura censura prévia, vedada pelos artigos 5°, inciso IX e 220, § § 1° e 2°, da CF. No mérito, diz não caber proibição ou controle de veiculação de matéria que envolva processo público e oficial, lembrando que, na qualidade de veículo de comunicação, a emissora possui o dever de informar à sociedade fatos jornalísticos de interesse público, como notícias sobre erro médico. Postula o acolhimento da preliminar, com a extinção do processo sem julgamento do mérito ou a improcedência da ação, ou, ao menos, a redução da multa, que considera desproporcional.

Recurso tempestivo, preparado e não respondido (fis. 69 e 75).

É o relatório.


A natureza do pedido, a partir da forma em que vazado na inicial à medida cautelar, demonstra que o intuito do autor não é o de resguardar sua honra, a partir do noticiário de matéria sobre erro médico, em que seria citado, diante de ação proposta por ex-paciente, que se sentiu prejudicada pela intervenção daquele.

Prende-se a decisão ao fato de que se constitui o pedido em verdadeira censura prévia, o que é vedado pela legislação constitucional. A preservação da honra não se confunde com o mero noticiário sobre fatos ou circunstâncias — evidente que, a envolver pessoas e profissões — o que se pune é o comentário, ao lado da matéria jornalística, desde que realizado sem oportunidade de manifestação do envolvido e despida de fundamento cientifico, como é o caso em epígrafe. Neste, o que se discute, como matéria subjacente, é o sucesso ou insucesso de intervenção cirúrgica, pela qual a paciente, sentindo-se prejudicada, ingressou com ação visando ser indenizada pelo dano psíquico, a título de dano moral (fls. 15 e ss.) e que se encontra em fase de manifestação das partes sobre o laudo pericial (fl. 89).

Desconhecendo o autor o teor da matéria que seria propagada, evidente que não pode afirmar que seria objeto de achincalhe moral, a ponto de sofrer danos morais, consubstanciados em dano psíquico, qual seja, interferência na sua conduta social — com prejuízo profissional ou pessoal – ao sofrer traumas, além do mero desconforto.

Ante estas circunstâncias há que se prover a preliminar de impossibilidade jurídica, pois, ao contrário do afirmado pela sentenciante, não se impede que venha o autor a obter respaldo à pretensão de obrigar a não fazer, antes, a impossibilidade se prende ao pedido, vedado por interpretação constitucional, qual seja, “proibir o hipotético”, caracterizando verdadeira censura prévia. A tutela jurisdicional está garantida, contudo o pedido é impossível, eis que também não se confunde com a tutela da personalidade (sic – fl. 54). Assim, não há que se admitir procedência, mesmo que parcial, capaz de impedir a divulgação da matéria — de qualquer matéria acerca do autor, “impedindo-a inclusive de citar maliciosas ‘ressalvas editoriais’ como a existência desta cautelar, que possam por via transversa provocar a mesma lesão que esta cautelar visa impedir” (fl. 5 — Cautelar em apenso, reiterado a fl. 5 destes).

Ora, a extensão do pedido — que acaba prestigiado definitivamente pela sentença — não se coaduna com o princípio constitucional da liberdade de imprensa, dispensados outros comentários.

A divulgação, sem observar os limites da noticia e que invada a seara dos comentários — sem apreciação técnica ou direito de manifestação do envolvido — será objeto de eventual ação, caso haja excesso ao temperamento exigido àquela liberdade. Contudo, estas circunstâncias não podem impedir o exercício da atividade midiática, sob a suspeita de que seria aquele temperamento transgredido.

Assim, cassada a liminar concedida, impõe-se a procedência do recurso, acolhida a preliminar a contestação, para julgar extinto o feito sem apreciação meritória, ante o que dispõe o art. 267, VI, do CPC. Responderá o autor pelas custas e despesas, bem como pela verba honorária, observado o art. 20, § 4º, do mesmo Diploma, no valor de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais).

Ante o exposto, DA-SE PROVIMENTO ao recurso, nos termos ora alvitrados.

CAETANO LAGRASTA

Relator

Leia a íntegra da sentença

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Processos nºs 02.039.485-5 e 02.033.227-2

VISTOS ETC.

Fulano propôs a presente ação condenatória a obrigação de não fazer em face de REDE GLOBO DE TELEVISÃO LTDA. alegando em síntese que a ré teria elaborado matéria jornalística para o programa “Fantástico” a respeito de erro médico, na qual o autor seria citado, em razão de responder a ação indenizatória proposta por uma paciente. Afirma que a exibição acarretará inegável e irreparável dano à sua imagem e reputação profissional. Requer a procedência da ação para que a ré seja condenada a abster-se de inserir no programa “Fantástico” ou em outro qualquer de sua programação, matéria jornalística acerca do autor, em relação à matéria objeto da ação indenizatória citada. Requereu a fixação de multa condenatória e instruiu a inicial com os documentos de fls. 07/25.

Propôs ação cautelar preparatória em que pleiteou liminar para impedir a exibição da referida matéria. A liminar foi deferida parcialmente apenas para determinar que, ao exibir a matéria jornalística em questão incluísse a informação a respeito do estado em que se encontra a ação proposta pela paciente.

Regularmente citada, a ré contestou cautelar e principal alegando, em síntese, carência da ação por impossibilidade jurídica do pedido, já que a Constituição veda expressamente qualquer tipo de censura prévia. Impugnou o valor da multa cominatória imposta na liminar neste tópico.


Após réplica foi designada audiência de conciliação que restou infrutífera, ante a ausência do autor.

DECIDO.

O feito comporta julgamento antecipado nos termos do art. 330, I do CPC.

Afasto a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, posto que o pedido condenatório a obrigação de não fazer encontra previsão no ordenamento jurídico. A procedência ou não da pretensão é questão de mérito, e não preliminar a ele.

A pretensão do autor encontra respaldo no princípio constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional.

Come feito, dispõe o art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, tanto a lesão quanto a ameaça de lesão a direitos são passíveis de tutela jurisdicional, admitindo-se, portanto, a tutela preventiva para evitar que a lesão se concretize.

Não cabe a objeção levantada pela ré, tentando qualificar a tutela jurisdicional pleiteada como censura “política, ideológica ou artística”. A pretensão do autor é evitar violação a seu direito da personalidade, por meio de matéria jornalística e como tal, plenamente cabível dentro de nosso ordenamento jurídico.

No mérito, no entanto, a ação procede em parte. Como já consignado na apreciação da liminar deferida na ação cautelar, por este juízo: “as ações judiciais, em regra, são públicas, de sorte que qualquer interessado pode ter acesso à certidão do distribuidor cível, bem como do estado do processo.

Nestes termos, a pretensão do autor de ver excluída a informação sobre a ação indenizatória proposta pela sua paciente, na matéria jornalística em questão, não encontra respaldo jurídico.

É certo no entanto, que o fato de responder a uma ação não significa que tenha praticado o erro médico a ele imputado, bem como que a pretensão da autora da demanda é procedente, fato que somente se saberá com certeza, com o julgamento do feito.

A divulgação de que o autor responde a processo judicial por erro médico, sem a adequada informação do estado em que se encontra a ação, com a ressalva de que os fatos estão sub judice, poderá acarretar ou agravar prejuízo à imagem e reputação profissional do autor, dificilmente reparáveis.”

Nestes termos, a tutela jurisdicional só pode se restringir à garantia de adequada informação no tocante ao processo em curso, não se podendo acolher a pretensão de vedação quanto à menção do nome do autor na matéria jornalística.

Por fim, releva salientar que a multa cominatória está bem fixada, porque sua finalidade é compelir a parte a não concretizar a lesão. Nestes termos, há que se considerada a condição econômica a quem ela se destina, sob pena de tornar-se completamente ineficaz.

Por todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação e torno definitiva a liminar concedida. Havendo sucumbência recíproca, cada parte arcará com os honorários de seus respectivos patronos, e as custas serão rateadas entre as partes.

P. R. I.

São Paulo, 04 de dezembro de 2003.

HERTHA HELENA ROLLEMBERG PADILHA PALERMO

Juíza de Direito

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