Maioridade da lei

Com 18 anos e 58 emendas, Constituição mantém essência

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7 de outubro de 2006, 7h01

A Constituição Federal brasileira atingiu a sua maioridade na quinta-feira (5/10). Sua trajetória é a de um ser vivo: nasceu pura e, ao longo dos 18 anos, cresceu, engordou e ficou forte. Amadurecida, recebe elogios, críticas, tem suas crises, mas ganhou personalidade própria. Uns poucos murmuram que ela deveria ser reescrita. Mas a tese, insólita, não prospera.

À parte dos percalços, a Constituição Brasileira tem motivos para comemorar a sua maioridade. Foi ela o fio condutor que garantiu a eficácia para a saída do regime autoritário e a construção do Estado Democrático de Direito. Transformou-se no elemento fundador dos direitos fundamentais dos brasileiros, além de ter contribuído para o fortalecimento das instituições, para o poder da Justiça e para a soberania do país.

Há críticas cruéis e elogios apaixonados. Sua extensão quilométrica é apontada como defeito quase por unanimidade. O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel acredita que existe matéria tributária demais na Constituição. O advogado constitucionalista Luiz Roberto Barroso vai mais longe. Para ele, não só matérias tributárias como outros assuntos que deveriam ser tratados por legislação infraconstitucional foram inseridos na Constituição Federal.

Hoje, mesmo remendado por 52 emendas e outras seis de revisão, o texto constitucional ainda não perdeu sua essência. Ao contrário. O Judiciário, com o Supremo Tribunal Federal à frente, com criatividade e ousadia, expandiu fundamentos, interpretou as regras de forma a preencher lacunas e, muitas vezes, chegou perto de substituir o papel de um Legislativo que, mais preocupado com a política do dia-a-dia, fabrica leis que se contradizem e pecam pela imperfeição técnica.

Papel na história

A Constituição Federal de 1988 é um marco na defesa dos direitos dos cidadãos. Depois de duas longas décadas de ditadura, chegou instituindo garantias de liberdade, privacidade, dignidade, ou seja, os direitos individuais de cada cidadão. Principalmente, instituiu a liberdade de expressão, tão fortemente violentada durante a ditadura.

Nesses aspectos, só há vitórias. Sob sua vigência, a população brasileira conseguiu afastar legalmente um presidente do posto (Fernando Collor de Mello), hipótese sequer cogitada durante o comando dos militares, ou mesmo antes. A imprensa ganhou tamanho poder e liberdade para relatar mandos e desmandos ilegais dos governantes. Vieram à tona casos de corrupção, como o escândalo do mensalão, mais recentemente. Tudo isso foi possível graças à chamada carta cidadã.

“A Constituição propiciou 18 anos de estabilidade institucional, em um país cuja história sempre foi marcada pelo desrespeito à legislação constitucional”, considera Barroso. É a sétima Constituição do país, em um período de menos de dois séculos. Neste mesmo período ou mais, países como Estados Unidos e a Argentina tiveram apenas uma carta constitucional. Esta longe ainda de ser a mais duradoura, lugar ocupado pela Constituição do Brasil império, que vingou de 1824 a 1889. Mas, sem dúvida, é a mais marcante.

Questão de prática

“O texto constitucional é excelente, mas ainda não tem sido aplicado como deveria”, diz o advogado Celso Antônio Bandeira de Mello. A lamentação de Mello pode ser confirmada nas inúmeras leis que o Supremo Tribunal Federal tem de suspender por considerá-las inconstitucionais. Seja por que motivo for, o Legislativo e o Executivo não atentam para o que diz a carta magna.

A quantidade de assuntos inseridos no texto constitucional também contribui para que o Supremo, guardião da Constituição, seja chamado inúmeras vezes para interpretar a legislação.

Outro ponto importante é a demora na regulamentação de direitos instituídos pela Constituição, mas que, por não estarem regulamentados, não podem ser exercidos. Para o advogado Barroso, a questão já foi superada porque grande parte do que não foi regulamentado por lei, foi por jurisprudência.

Mesmo assim, o direito de greve do servidor, por exemplo, ainda permanece sem nem um nem outro. Está nas mãos do Supremo Tribunal Federal um Mandado de Injunção sobre a questão. O instrumento permite ao Supremo estabelecer regras provisórias para que o direito seja exercido enquanto o Congresso não se manifesta. Se isto ocorrer, será a primeira vez, em 18 anos da sua criação, que o Mandado de Injunção será usado efetivamente.

Desde que foi instituído, sua efetiva aplicação foi barrada pelo ministro aposentado Moreira Alves, liderança conservadora no Supremo e um dos responsáveis por atrasar a aplicação de muitos dispositivos da Constituição. A quantidade de vereadores por município, por exemplo, também foi alvo de Mandado de Injunção no Supremo. Neste caso, o Congresso não se manifestou, mas o STF entendeu que a questão já estava solucionada por uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral.

Retalhos

Desde a sua promulgação, foram 52 emendas constitucionais e outras seis de revisão adicionadas ao texto original. Muitas delas inseriram importantes transformações, como a Emenda Constitucional 45/04, chamada de Reforma do Judiciário, as emendas 20/98 e 41/03, chamadas de Reforma da Previdência (privada e pública, respectivamente), e ainda o grupo de emendas que abriu caminho para o processo de privatização de empresas públicas e a abertura da economia ao capital estrangeiro (EC 6/95, 8/95 e 9/95).

Manobras políticas também interferiram no texto originário de 1988. A Emenda Constitucional 16/97, que instituiu a possibilidade de reeleição para o Poder Executivo, foi duramente atacada pela oposição na época. Mais recente, outra emenda política que causou polêmica foi a 52/06 (última promulgada nos 18 anos de Constituição), que pôs fim à verticalização das coligações partidárias nas eleições. Chamado a se manifestar, o Supremo Tribunal Federal entendeu que esta regra não poderia valer já para as eleições deste ano, pois a própria Constituição diz que mudança eleitoral não pode ser aplicada em ano de eleição.

À parte todas as mudanças, especialistas consideram que a Constituição ainda preserva a sua essência. Sob ela, o cidadão tem direito de falar o que pensa, e também o dever de responder por aquilo que diz, tem garantida a preservação da sua casa e de suas correspondências. Mais ainda, sabe que pode contar com três Poderes independentes, cada um responsável por uma função, mas, principalmente, responsável por fiscalizar o trabalho do outro.

Recentemente, a OAB lançou a proposta, encabeçada pelo presidente Luiz Inácio Lula de Silva, de chamar uma assembléia constituinte para reescrever a Constituição. A idéia, pelo menos por enquanto, não prosperou. Embora muitos defendam que importantes mudanças como a reforma política e tributária só poderiam ser feitas de fato se o texto constitucional fosse revisto, o ambiente político não é propício. Nas palavras de Barroso: “A convocação de uma constituinte é o reconhecimento de que o povo está na rua. E isto não está acontecendo hoje”.

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