Contrato mantido

SulAmérica não pode reajustar seguro de vida de idoso

Autor

6 de outubro de 2006, 7h00

A SulAmérica não pode alterar contrato de seguro de vida assinado por um idoso. A decisão é do juiz Mauro Caum Gonçalves, da 3ª Vara Cível de Porto Alegre. O aposentado Marco Aurélio Luck Pereira, 75 anos, contou que aderiu ao seguro em 1977. De acordo com ele, as parcelas mensais foram sempre pagas pontualmente.

Ele relatou que, em março deste ano, recebeu correspondência da seguradora dizendo que ele teria de trocar de plano. Caso contrário, seu seguro seria cancelado. No plano antigo, ele pagava R$ 204 por mês. Se trocasse, teria de pagar R$ 1,5 mil.

O juiz Mauro Caum Gonçalves vetou a exigência da mudança do plano e determinou que a empresa mantenha o contrato firmado, com renovações sucessivas.

Para o advogado Marco Antonio Birnfeld, responsável pela defesa do aposentado, a decisão judicial “acabou com a comodidade das seguradoras — que durante anos a fio, quando o índice de sinistralidade no seguro de vida é sabidamente menor — se beneficiaram com o recebimento dos prêmios dos seus segurados, para depois, condicionarem a continuidade do seguro ao pagamento dos prêmios (prestações mensais) extorsivos”.

A assessoria de imprensa da SulAmerica rebateu a acusação de que a empresa está cancelando contratos de seguro de pessoas de maneira unilateral. “Os contratos foram honrados até o seu término e apenas não puderam ser renovados nas mesmas bases. A não renovação é legítima e consta das condições gerais deste tipo de contrato.”

Notícia corrigida. Na versão original foi grafado, equivocadamente, seguro de saúde no lugar de seguro de vida.

Veja a íntegra da decisão

Comarca de Porto Alegre

3ª Vara Cível do Foro Central

Nº de Ordem: 493 – 2006

Processo nº: 001/1.06.0091778-2

Natureza: Ordinária

Autor: Marco Aurélio Lück Pereira

Advogado do autor: Marco Antonio Birnfeld

Ré: Sul América Seguro de Vida e Previdência S.A.

Advogado da ré: Paulo Antonio Müller

Juiz Prolator: Mauro Caum Gonçalves

Data:29/09/2006

1) RELATÓRIO

MARCO AURÉLIO LÜCK PEREIRA, qualificado na inicial, ajuizou ação ordinária, em face de SUL AMÉRICA SEGURO DE VIDA E PREVIDÊNCIA S.A, igualmente qualificada, afirmando que, em maio de 1977, aderiu ao plano de seguro de vida intitulado “Programa de Vida”, mantido atualmente pela demandada, cujos prêmios foram pagos pontual e mensalmente. Asseverou que, no ano de 2006, após completar seu 29º ano de associação ao seguro..”recebeu correspondência da ora ré, informando-lhe, ditatorialmente, sobre o “Programa de Readequação de Carteira de Seguros” e oferecendo-lhe duas opções de seguro, que favorecem só a seguradora e se não quiser se submeter a uma das opções terá seu seguro cancelado a partir de setembro vindouro”(fl. 04).

Afirmou que, apesar de a seguradora ter referido que tal medida será tomada para atender à determinação da SUSEP, desconhece o teor desta, além de não ter poder legiferante Assevera que não quer submeter-se às propostas compulsórias da seguradora, por serem unilaterais. Invocou a proteção do CDC, do Código Civil e do Estatuto do Idoso. Pede, em antecipação de tutela, a determinação para que a ré se obrigue a manter o mesmo seguro em vigor e, ao final, a procedência da ação, para proibir a requerida de praticar as alterações, assegurando a continuidade do seguro vigente há trinta anos e, sucessivamente, na eventualidade de não procedência, mas declarada a manutenção do seguro, possa completar os valores eventualmente devidos a título de diferença dos prêmios mensais. Juntou documentos (fls.12/46).

Foi deferida a antecipação de tutela (fls. 31/32).

Devidamente citada, a requerida ofereceu contestação, afirmando que, em atendimento à determinação da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, foi comunicado ao demandante o Programa de Readequação da Carteira de Seguros de Pessoas, visando a promover a necessária adequação dos contratos, adaptando-os à nova legislação e às exigências atuais do mercado e que “.. segundo as probabilidades e tendências estatísticas, o seguro saúde de uma pessoa idosa requer um prêmio mensal mais elevado do que uma pessoa jovem”. Asseverou que o enquadramento é um imperativo técnico diante da nova realidade econômica do país, inexistindo a rescisão unilateral ou abuso do poder econômico, considerando lícita a não-renovação de contratos a prazo e alegando que não há vedação legal ao reajuste por faixa etária. Requereu, preliminarmente, a citação da SUSEP, como litisconsorte passiva necessária e, no mérito, pela improcedência da ação. Acostou documentos (fls 82/283).

Sobreveio réplica a fl. 288/290.

Os autos vieram conclusos para sentença.

Foi o relatório.


Passo a motivar a decisão.

2) FUNDAMENTAÇÃO

A questão litigiosa é de fato e de direito, todavia prescinde de produção de outras provas em audiência, o que permite, nos termos do art. 330, I, do CPC, o julgamento antecipado do feito, o que ora adoto.

2.1) DAS PRELIMINARES

2.1.1)Do alegado litisconsórcio passivo necessário:

Não possui sustentáculo jurídico a pretensão, diante da ausência de qualquer relação jurídica entre o demandante e a SUSEP.

À toda evidência não se trata de hipótese de litisconsórcio necessário, pois eventual procedência da ação em nada afetará a esfera jurídica do outro ente, não se coadunando, evidentemente, à hipótese do art. 47 do CPC.

Portanto rejeito a preliminar suscitada.

2.2) DO MÉRITO

2.2.1) Da aplicação do CPDC:

Primeiramente, importante ressaltar que a atividade securitária está abrangida pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor, em face do artigo 3º, parágrafo 2º.

Diante de tal dispositivo, verifica-se a aplicabilidade do Código de Defesa e Proteção do Consumidor aos contratos de seguro.

Art. 3° …

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

O parágrafo acima transcrito define serviço como qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Cláudia Lima Marques, in Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 2ª edição, Editora Revista dos Tribunais, em seu posicionamento sobre os contratos submetidos ao Código de Proreção e Defesa do Consumidor, dentre eles o contrato de seguro, demonstra a devida aplicação do referido Código em tais contratos:

“Resumindo, em todos estes contratos de seguro podemos identificar o fornecedor exigido pelo art. 3º do CDC, e o consumidor. Note-se que o destinatário do prêmio pode ser o contratante com a empresa seguradora (estipulante) ou terceira pessoa, que participará como beneficiária do seguro. Nos dois casos, há um destinatário final do serviço prestado pela empresa seguradora. Como vimos, mesmo no caso do seguro-saúde, em que o serviço é prestado por especialistas contratados pela empresa (auxiliar na execução do serviço ou preposto), há a presença do ‘consumidor’ ou alguém a ele equiparado, como dispõe o art. 2º e seu parágrafo único. Portanto, os contratos de seguro estão submetidos ao Código de Proteção do Consumidor, devendo suas cláusulas estarem de acordo com tal diploma legal, devendo ser respeitadas as formas de interpretação e elaboração contratuais, especialmente a respeito do conhecimento ao consumidor do conteúdo do contrato, a fim coibir desequilíbrios entre as partes, principalmente em razão da hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor.”

Nessa senda, tratando-se de relação de consumo, deve-se inverter o onus probandi, a teor do art. 6º, VIII, da Lei n° 8.078/90.

2.2.2) Do Princípio da boa-fé contratual:

O princípio da boa-fé como cláusula geral serve de paradigma para as relações provenientes da contratação em massa, e deve incidir na interpretação dos contratos relativos a planos de saúde.

É o princípio máximo orientador do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, e basilar de toda a conduta contratual que traz a idéia de cooperação, respeito e fidelidade nas relações contratuais. Refere-se àquela conduta que se espera das partes contratantes, com base na lealdade, de sorte que toda cláusula que infringir esse princípio é considerada, ex lege, como abusiva.

Isso porque o artigo 51, XV do Código de Defesa do Consumidor diz serem abusivas as cláusulas que “estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor”, dentro do qual se insere tal princípio por expressa disposição do artigo 4º, caput e inciso III.

Propositadamente faço acentuar a expressão “proteção”, que é constante da lei consumerista, que mais do que a defesa, se destina, antes, à proteção do consumidor.

Cláudia Lima Marques define a boa–fé como:

(…) uma atuação “refletida”, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando seus interesses legítimos, seus direitos, respeitando os fins do contrato, agindo com lealdade, sem abuso da posição contratual, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, com cuidado com a pessoa e o patrimônio do parceiro contratual, cooperando para atingir o bom fim das obrigações, isto é, o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses legítimos de ambos os parceiros. Trata-se de uma boa-fé objetiva, um paradigma de conduta leal, e não apenas da boa-fé subjetiva, conhecida regra de conduta subjetiva do artigo 1444 do CCB. Boa-fé objetiva é um standard de comportamento leal, com base na confiança, despertando na outra parte co-contratante, respeitando suas expectativas legítimas e contribuindo para a segurança das relações negociais”.


Tal princípio não é mera intenção, mas objetivo primordial de conduta, exigência de respeito, lealdade, cuidado com a integridade física, moral e patrimonial, devendo prevalecer deste a formação inicial da relação de consumo.

Além de limitar práticas abusivas, a boa-fé gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários, ainda que não previstos expressamente nos contratos, que devem ser obedecidos a fim de permitir a realização das justas expectativas surgidas em razão da celebração e da execução do contrato.

2.2.3) Vigência e Renovação do seguro:

A proposta de fl. 19, assinada pelo autor, não possui a transcrição da cláusula relativa à vigência, não evidenciando que ele tenha tido o conhecimento de que o contrato fora firmado em prazo determinado, possuindo possibilidade de rescisão unilateral ou renovação contratual.

Muito embora à época da contratação (01/05/1977) não existisse legislação regendo especificamente a matéria, tendo em vista que a Lei nº 9.656, que dispõe acerca dos planos e seguros privados de assistência à saúde é de 03/06/1998, é plenamente aplicável ao caso o Código de Defesa do Consumidor. Isso porque ocorreram sucessivas nocas contratações.

Determina o art. 51, incs. IV e XV, da Lei nº 8.078/90:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

É o entendimento do nosso Tribunal de Justiça, conforme caso análogo:

PLANO DE SAÚDE. DENÚNCIA UNILATERAL DO CONTRATO PELA SEGURADORA. ALEGAÇÃO DA REQUERIDA DE QUE O TÉRMINO DO CONTRATO DECORREU DO TERMO PACTUADO PELAS PARTES. I ¿ INEFICÁCIA DA RESCISÃO UNILATERAL. CLÁUSULA DE VIGÊNCIA DA QUAL NÃO TEVE CIÊNCIA A AUTORA. INCIDÊNCIA DO ART. 46 DO CDC. II ¿ À SEGURADORA É VEDADA A RESCISÃO UNILATERAL DO PLANO. ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA QUE PERMITE O DESFAZIMENTO UNILATERAL DO CONTRATO PELA DEMANDADA, EM FACE DO DISPOSTO NOS INCISOS IV E XV DO ART. 51 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. III ¿ IRRETROATIVIDADE DA LEI Nº 9.565/98. NÃO OBSTANTE, EMBORA INAPLICÁVEL AOS CONTRATOS ANTERIORES, A LEI Nº 9.565/98, POR SER ESPECÍFICA, IMPÕE UMA NOVA LEITURA AO ART. 51, IV, DO CDC, QUE É GENÉRICO, PORQUANTO POSITIVOU O QUE DEVE SER CONSIDERADO COMO OBRIGAÇÃO INÍQUA, ABUSIVA, DESVANTAJOSA E INCOMPATÍVEL COM A BOA-FÉ OU A EQUIDADE. APELAÇÃO PROVIDA. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70008644031, SEXTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: CARLOS ALBERTO ÁLVARO DE OLIVEIRA, JULGADO EM 20/10/2004)

No caso em tela, o requerente recebeu correspondência da requerida comunicando o início do Programa de Readequação da Carteira de Seguros de Pessoas, informando ao segurado que teria que optar por uma das três opções apresentadas, sob pena da extinção do contrato.

Evidente a surpresa do requerente, pois durante vinte e nove anos teve o contrato automaticamente renovado e reajustado, conforme pactuado no certificado de fl. 19. Não existia qualquer expectativa do segurado sobre substancial alteração. Ao contrário, a expectativa era que, hoje com 70 anos de idade, continuaria a ser renovado da mesma forma que foi quando tinha 40 ou 50 anos.

Ora, se a apólice continua cobrindo os mesmos riscos, se inexiste qualquer alteração quanto à natureza de tais riscos e nem modificação significativa quanto à composição do segurado, o “alto índice de sinistralidade”, mencionado pela seguradora, só pode referir-se à mudança de faixa etária do segurado, que agora se encontra em idade mais avançada, onde é mais alto o risco de incidência dos eventos danosos previstos no contrato.

No entanto, a referida circunstância está longe de ser um fator surpresa, pois trata-se de decorrência natural da vida e, por isso, também prevista no momento em que efetuados os cálculos atuariais da seguradora, para a fixação do valor do prêmio. Sendo assim, chega às raias da má-fé utilizar-se de argumento dessa natureza, para justificar a não-renovação do

seguro de vida em grupo, que vem sendo, diga-se de passagem, renovado durante cerca de 29 anos, sucessivamente.

O contrato de seguro em exame, portanto, sendo de trato sucessivo, pressupõe continuidade no tempo e, estando as condições iniciais mantidas, não deve ser rescindido unilateralmente pela seguradora, a menos que incidam inevitavelmente, fatores não previsíveis no momento da contratação, capazes de alterar de forma significativa o equilíbrio contratual.

Do contrário, o contrato de seguro deve ser mantido, sob pena de promover-se a insegurança e a instabilidade desse tipo de relação jurídica.


Seria muito cômodo às seguradoras que durante anos a fio, quando o índice de sinistralidade no seguro de vida é sabidamente menor, venham se beneficiar com o recebimento dos prêmios dos seus segurados, para depois, com o passar do tempo e a possibilidade de ocorrência do evento danoso ser mais evidente, simplesmente cancelarem ou não renovarem o contrato de seguro, sem que tenham que oferecer qualquer justificativa plausível.

Em outras palavras, o que se quer fazer ver é que, quando o contratante é jovem, tendo menos possibilidade de morte por causas naturais, a contratação é atrativa, com muitos chamarizes; mas quando se torna idoso, e o evento morte já está mais próximo, é “repelido” pelo sistema securitário.

No caso em comento, a relação contratual entre os litigantes já perdurava por 29 anos, quando do ajuizamento da ação. Não me

parece justo e aceitável que agora que a contratação de um novo seguro se tornou muito mais difícil para o segurado, senão impossível, em face da idade avançada do seu componente, possa ser rescindido o contrato em questão, com base nas resoluções da SUSEP – Superintendência de Seguros Privados, resoluções não conhecidas pelo demandante, e que ferem a longínqua relação contatual que se esperava fosse de boa-fé. O que está realçando é que a seguradora só quer ter bônus (receber prêmios por quase 30 anos), mas não os ônus. Aliás, essa é a lógica do “deus mercado” imposto na economia globalizada.

Tal como venho afirmando, fere a boa-fé da relação contratual.

Nesse sentido, importante transcrever as seguintes ementas:

CIVIL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. PLANO DE SAÚDE. RESCISÃO DO CONTRATO. 1. PRETENSÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE SEGURO-SAÚDE QUE VIGOROU DURANTE VÁRIOS ANOS, NA FASE EM QUE O ADERENTE MAIS NECESSITA DE ASSISTÊNCIA MÉDICA E HOSPITALAR. É POTESTATIVA CLÁUSULA QUE ADMITE A DENÚNCIA UNILATERAL DO CONTRATO PELA SEGURADORA, OFENDENDO O ARTIGO 115 DO CÓDIGO CIVIL. 2. OS PLANOS, QUANDO CRIADOS, DEVEM SER PRECIDIDOS DO NECESSÁRIO CÁLCULO ATUARIAL, FEITO PARA ATENDER ATÉ QUE O VENTO FUTURO E CERTO NA EXISTÊNCIA, MAS INCERTO NO TEMPO, O DECESSO DO ASSOCIADO, VENHA A ACONTECER, NELE INCLUÍDAS AS POUCAS CONSULTAS E

INTERNAÇÕES DA PRIMEIRA IDADE E AS MUITAS CONSULTAS E INTERNAÇÕES DAS IDADES MAIS AVANÇADAS. SE HOUVER UM SÓ ASSOCIADO, O PLANO – QUE DEU LUCROS A EMPRESA DE SEGURO NA PRIMEIRA FASE – DEVE CONTINUAR ATENDENDO E COM RECURSOS RESERVADOS PARA TAL. SE O CÁLCULO ATUARIAL FOI EQUIVOCADO, POR ESTE EQUÍVOCO O CONTRATANTE NÃO DEVE SER RESPONSABILIZADO. 3. RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 598081073, QUINTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: CARLOS ALBERTO BENCKE, JULGADO EM 18/06/1998).

CIVIL. SEGURO DE VIDA. RENOVAÇÃO. RECUSA DA SEGURADORA SOB O ARGUMENTO DE NÃO PODER SER, O CONTRATO DE SEGURO, FIRMADO POR PROCURADORA, EMBORA REGULARMENTE CONSTITUÍDA. ABUSIVIDADE DA RECUSA. DECISÃO JUDICIAL LIMINAR PROFERIDA EM MEDIDA CAUTELAR FORÇANDO A SEGURADORA A ACEITAR A RENOVAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ABUSIVA SE APRESENTA, AO MENOS EM PRINCÍPIO, RECUSA DE SEGURADORA EM RENOVAR CONTRATO DE SEGURO SOB O ARGUMENTO DE NÃO PODER SER FIRMADO ATRAVÉS DE PROCURADORA, EMBORA REGULARMENTE CONSTITUÍDA. SUBTERFÚGIO UTILIZADO PARA RECUSAR A RENOVAÇÃO DO CONTRATO POR CAUSA DA IDADE DA SEGURADA, O QUE, EM TESE AO MENOS, CONSTITUI ILICITUDE. DECISÃO JUDICIAL QUE, EM AÇÃO CAUTELAR, FORÇOU A SEGURADORA A ACEITAR A RENOVAÇÃO DO CONTRATO. IRRESIGNAÇÃO DA SEGURADORA. DESPROVIMENTO DE SEU RECURSO. (Agravo de Instrumento Nº 70000753327, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Osvaldo Stefanello, Julgado em 03/05/2000)

Em contestação (fl.60), argumenta a demandada que a cláusula de não renovação é bilateral e funda-se nas garantias fundamentais da autonomia privada, da liberdade e da livre iniciativa, segundo a qual ninguém pode ser obrigado a contratar contra a sua vontade. Belo argumento “neo-liberalizante”.

O argumento não prospera, todavia. A autonomia da vontade é o princípio basilar da teoria dos contratos, mas, neste caso, a demandada quer que só exista tal autonomia para a seguradora, ao demandante não havendo escolha.

As opções oferecidas pela demandada para a manutenção do contrato, como forma de readequação, é nociva para o segurado e, conseqüentemente, não lhe interessa.

Outrossim, o argumento da demandada de que “o contrato de seguro de vida e acidentes pessoais em grupo não é e jamais poderia transformar-se num contrato perpétuo” (fl.79), também não prospera.

Consoante o acertado entendimento de Maury Ângelo Bottesin e Mauro Conti Machado (Lei dos planos e seguro de saúde, São Paulo, RT, 2003, p. 13), “Somente por opção do consumidor ou por inadimplemento deles para com as obrigações estipuladas, é que pode haver denúncia ou resolução do contrato. A operadora e a seguradora se submetem à manutenção vitalícia do contrato firmado se o titular ou seus dependentes não der causa à resolução do pacto, por inadimplemento ou por fraude”.


Assim também Luiz Antonio Rizzatto Nunes (Comentários à lei de plano e seguro-saúde, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 51-52), para quem o término do contrato de maneira unilateral, por parte da operadora, constitui abuso de direito, não podendo ser adotado.

Evidente que a renovação, do modo como proposta, coloca o segurado em situação de total dependência e instabilidade, tendo em vista que, a qualquer momento da contratualidade, poderá ser surpreendido, como foi, pela não-renovação da apólice, sem maiores justificativas. Ou, o que é pior, sujeito a ter que responder por onerosidade excessiva.

Não é preciso ressaltar que esta situação, criada pela seguradora, contraria a finalidade precípua de todo contrato de seguro, que é justamente conferir tranqüilidade, segurança e estabilidade ao contratante, que pretende, tão-somente, mediante o oferecimento de uma contraprestação, ver-se garantido quanto aos riscos cobertos, nos limites de abrangência da sua apólice de seguro.

Pelo raciocínio da requerida, nem velhice tranqüila se pode ter: ou se é rico (isso soa a achincalhe em um país terceiro mundista como o nosso) e se pode pagar um “prêmio” astronômico; ou se morre sem deixar amparados nossos entes queridos.

Tal comportamento vai de encontro aos preceitos constitucionais que balizam o Estado Brasileito, em especial os que dizem que se constitui objetivo fundamental (Princípio Fundante) construir uma sociedade livre, justa e solidária, promovendo o bem de todos (art. 3º, I e IV, da CF).

O agir da requerida fere o ordenamento jurídico constitucional, quando viola o asseguramento da solidariedade e do bem estar. É, pois, contra o direito.

3.0) DISPOSITIVO

ISSO POSTO, julgo PROCEDENTE o pedido formulado por MARCO AURÉLIO LÜCK PEREIRA, nos autos da Ação Ordinária, que moveu em face de SUL AMÉRICA SEGUROS DE VIDA E PREVIDÊNCIA S.A, para condenar a requerida a:

a) abster-se de praticar as alterações contratuais propostas ao demandante, assegurando a continuidade do seguro vigente, corrigindo prêmio e capital anualmente pelos mesmos índices dos demais segurados; e

b) manter o contrato, com renovações sucessivas, desde que atendido o prêmio, preservando as coberturas previstas para a beneficiária do autor, consolidando a tutela antecipada; e

Em razão da sucumbência, condeno a requerida ao pagamento das custas processuais e ao pagamento dos honorários advocatícios devidos ao patrono do demandante, os quais, atento à lei, fixo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), corrigidos pelo IGP-M a contar desta data, considerados a natureza e complexidade da demanda, o trabalho realizado e o grau de zelo do profissional.

Faço cientes as partes de que, não ocorrendo o pagamento espontâneo da condenação (ou depósito para eximir-se, este no caso de haver interposição de recurso em face da sentença exarada), no prazo de quinze (15) dias, contados da intimação desta sentença, o débito será acrescido da multa de 10% (dez por cento), a que alude o art. 475-J, do CPC.

E mais, determino que, não feito o pagamento no prazo a que refere o mencionado artigo de lei, caso requerido o cumprimento da sentença como previsto no art. 475-I, c/c o art. 475-J, do CPC, incidirão, para a fase executória, honorários advocatícios, inicialmente de 10% sobre o valor total da condenação e multa, podendo variar até 20%.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Porto Alegre, 29 de setembro de 2006.

MAURO CAUM GONÇALVES

Juiz de Direito

3ª Vara cível/ 1º Juizado

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!