Caráter temporário

Servidor requisitado em eleição não pode permanecer no TRE

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6 de outubro de 2006, 7h00

A Resolução 4/96 do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás foi considerada inconstitucional pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. A norma permitia que o TRE goiano colocasse em seu quadro permanente os servidores requisitados na Justiça Estadual durante as eleições.

O caso foi analisado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, que sustentou haver afronta ao artigo 37, II, da Constituição Federal. O dispositivo constitucional estabelece a investidura em cargos públicos por meio de concurso.

O relator, ministro Sepúlveda Pertence, afirmou que, desde a entrada em vigor da Constituição de 1988, o Supremo tem afastado qualquer forma de provimento em cargo público sem concurso público de provas ou de provas e títulos.

Segundo ele, incide, no caso, a Súmula 685 do STF: “É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”. A decisão foi unânime.

Leia a decisão

05/10/2006 TRIBUNAL PLENO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.190-2 GOIÁS

RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE

REQUERENTE(S): PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

REQUERIDO(A/S): PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL

ELEITORAL DO ESTADO DE GOIÁS

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE — O Procurador-Geral da República, tendo em vista solicitação da Procuradoria da República no Estado de Goiás, propõe ação direta de inconstitucionalidade da Resolução nº 04, de 20.12.1996, do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Goiás, com este teor:

“O Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Goiás, no uso de suas atribuições legais e tendo em vista o que decidiu o Egrégio Tribunal nos autos do Processo nº 965/96, em sessão de 19.12.96, RESOLVE

Art. 1º — Aproveitar os servidores requisitados, no Quadro Permanente da Secretaria do Tribunal Regional Eleitoral, de acordo com o artigo 3º, da Lei nº 7.297 de 20 de dezembro de 1984, de conformidade com o disposto nesta Resolução.

Art. 2º — Serão aproveitados, por ato do Presidente, os servidores constantes de fls. 07 e 08, do processo em epígrafe, tendo em vista que na data da Lei, se encontravam prestando serviços, na qualidade de requisitados, à Secretaria do Tribunal Regional Eleitoral e aos Cartórios Eleitorais da Capital, desde que haja concordância do órgão de origem.

Art. 3º — Para o aproveitamento, o servidor deverá comprovar a escolaridade, na forma seguinte:

I — Categoria Funcional de Técnico Judiciário — Área Fim — diploma ou certificado de conclusão do curso de Direito;

II — Categoria Funcional de Técnico Judiciário — Área Meio —diploma ou certificado de conclusão de qualquer curso de nível superior, observado quanto ao Magistério a Licenciatura Plena;

III — Categoria Funcional de Auxiliar Judiciário — 2º Grau completo ou equivalente;

IV — Categoria Funcional de Atendente Judiciário — 2º Grau completo ou equivalente;

V — Categoria Funcional de Agente de Segurança Judiciária — 2º Grau completo ou equivalente e exigência de Carteira Nacional de Habilitação — Categoria ‘D’.

Art. 4º — O aproveitamento dar-se-á nos cargos vagos ora existentes na Secretaria do Tribunal Regional Eleitoral, obedecendo-se à ordem de preferência, com base nos seguintes critérios sucessivos:

I — maior tempo de serviço prestado à Justiça Eleitoral;

II — maior tempo de serviço público;

III — mais idade.

Art. 5º — Definido o cargo de acordo com o disposto no artigo anterior, todos os servidores serão posicionados nas classes e padrões iniciais das respectivas Categorias Funcionais.

Art. 6º — O aproveitamento dar-se-á com a posse, tornando-se sem efeito, se esta não se verificar no prazo legal.

Art. 7º — Os casos omissos serão resolvidos pelo Presidente do Tribunal Regional Eleitoral.

Sala de sessões do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Goiás, em Goiânia, aos 20 dias do mês de dezembro de 1996.”

02. Afirma o proponente que o Tribunal Eleitoral goiano teria afrontado o art. 37, II, da Constituição Federal, pois “deliberando sobre o aproveitamento de servidores requisitados em cargos públicos, traz irrefutável hipótese de provimento derivado, expungido da ordem jurídica com a promulgação da Carta Constitucional de 1988” (f. 04). Cita, como precedentes favoráveis as ADIn’s 837 (27.8.98, Moreira, DJ 25.6.99) e 1203-MC, (16.2.95,

Celso, DJ 19.2.95).

03. Solicitadas informações (f. 217), aduziu o il. Presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (f.223/224):


“a. consta dos registros e assentamentos que a norma impugnada (Res. TRE nº 04/96) foi alicerçada no art. 3º da Lei nº 7.297, de 20.12.84, que dispôs sobre a criação de cargos no Quadro Permanente da Secretaria do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Goiás;

b. a Resolução do TRE/GO, praticamente reproduz o que já se previa legalmente;

c. houve neste Regional a edição das Portarias desta Presidência nºs 30/97 e 082/97, datadas, respectivamente, de 26.02.97 e 25.03.97, relacionando nominalmente os servidores aproveitados no Quadro de Pessoal desta Corte;

d. de 21 (vinte e um) servidores, apenas 19 (dezenove) foram efetivamente empossados, e estão lotados neste Regional, onde exercem normalmente suas atividades;

e. o aproveitamento se deu com base na Resolução TRE/GO nº 04/96;

f. referidos servidores obtiveram a seu favor uma Decisão Judicial proferida em 1º Grau de Jurisdição — 9ª Vara Federal, autos nº 1997.3500.010.300-0, que reconheceu o vínculo desses servidores junto a este Tribunal Regional Eleitoral, considerando legal e constitucional o aproveitamento dos ditos servidores”.

04. Ouvidos o Advogado-Geral da União (f. 284/294) e o Procurador-Geral da República, ambos se manifestaram pela procedência da argüição de inconstitucionalidade.

05. É o relatório, do qual se distribuirão cópias aos Senhores Ministros.

VOTO

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE —:

I Além desta ação direta de inconstitucionalidade, o Ministério Público Federal ajuizou, perante a Justiça Federal no Estado de Goiás, ação civil pública (nº 1997.35.00.010300-0) e ação de improbidade administrativa (nº 2000.35.00.002884-6), cujo objeto seriam as repercussões dos aproveitamentos realizados com base na resolução ora impugnada.

02. No caso, não há como afirmar que o cerne da ação civil pública seja o pedido de inconstitucionalidade da resolução impugnada nesta ADIn, o que poderia resultar em usurpação da competência do STF, pois do seu desenvolvimento, sobretudo do seu julgamento, poderia decorrer o esvaziamento da futura decisão do Supremo Tribunal.

03. Tenho enfatizado que este é um dos pontos de tensão na convivência institucional entre o sistema concentrado e o sistema difuso — que vivemos desde a Emenda Constitucional 16, de 1965 —, tensão acentuada, em termos práticos, com a abertura da legitimação para ADIn, por força a Constituição de 1988.

04. Entretanto, ambas as ações foram julgadas improcedentes na primeira instância[1], sendo que a apelação [1] http://www.trf1.gov.br/processos/processosSecaoOra/ConsProcSecaopro.php interposta na ação civil pública foi desprovida pela Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em

sessão de 17.4.06, e o recurso na ação de improbidade administrativa está pendente de julgamento[2], situação que não traz maiores conseqüências para a apreciação desta ação direta de inconstitucionalidade, independentemente dos pedidos desconstitutivo e condenatório nelas veiculado.

II

05. As Leis 7297/84 e 7178/83 possibilitaram ao Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Goiás o aproveitamento dos servidores de outros órgãos da Administração Pública que se encontrassem prestando serviços naquele Tribunal, na qualidade de requisitados.

06. Daí a resolução objeto da presente ação, que, de acordo com as informações prestadas pela Presidência do Tribunal Eleitoral goiano, “praticamente reproduz o que já se previa legalmente”.

07. Certo, este Tribunal tem afirmado ser descabido o exercício do controle abstrato quando a argüição de invalidez da norma questionada não estabelecer confronto direto com a Constituição: é que, nessas hipóteses, o ato impugnado está subordinado a outra norma.

08. A contrariedade, nesses casos, estaria circunscrita à desconformidade entre o ato objeto de controle com o ato infraconstitucional interposto que lhe caberia regulamentar, o que caracterizaria um problema de [2] http://www.trf1.gov.br/Processos/ProcessosTRF/ctrf1proc/ctrf1proc.asp legalidade e não de constitucionalidade — ao menos direta — , e que, por isso, ultrapassaria o raio de alcance da ação direta de inconstitucionalidade.

09. Poderia ocorrer, ainda, que a própria lei na qual se fundamenta a norma atacada estivesse em confronto com a Constituição: mas, aí a impugnação a ela deveria ser dirigida.

10. Contudo, inviável a impugnação das Leis 7178/83 e 7297/84 — fundamentos da Resolução 04/96 — pela via do controle abstrato, já que anteriores à Constituição vigente.

11. O entendimento da impossibilidade de controle abstrato e concentrado das leis anteriores à Constituição em vigor está consagrado desde há muito pelo Supremo Tribunal Federal.

12. De um lado, é consensual, não há cogitar de inconstitucionalidade formal superveniente (v.g., ADIn 75, Moreira, RTJ 143/3; ADIn 438, Pertence, RTJ 140/407; observações incidentes in HC 69850, Rezek, RTJ 153/592 e RE 229.440, Galvão, RTJ, 171/1046).


13. Quanto à inconstitucionalidade material, assentouse que a antinomia entre norma ordinária anterior e a Constituição superveniente se resolve na mera revogação da primeira, a cuja declaração não se presta a ação direta. Vencido no leading case (ADIn 2, 6.2.92, Brossard, RTJ 169/763), de há muito me rendi à orientação prevalecente (v.g. ADIn 438, 7.2.92, Pertence, RTJ 140/407).

14. De qualquer forma, a presente ação de inconstitucionalidade não se dirige contra essas leis — anteriores ao padrão constitucional pretensamente violado — que possibilitaram o aproveitamento dos servidores requisitados: a argüição tem por objeto a própria resolução que, com apoio naquelas, simplesmente disciplinou dito aproveitamento.

15. Assim, cuidando-se de questão de inconstitucionalidade reflexa, incabível seria o conhecimento da presente ação direta.

16. Entretanto, quando a lei é anterior à Constituição vigente, nada impede verifique o Tribunal, antes do exame da inconstitucionalidade do ato normativo inferior impugnado, o recebimento daquela pela nova ordem constitucional.

17. Foi assim, v.g., no julgamento da ADIn 561-MC (Celso de Mello, RTJ 179/35), quando se questionou a constitucionalidade do Regulamento dos Serviços Limitados de Telecomunicações (Decreto 177/91). Naquela ocasião, acentuei:

“13. O em. Relator mesmo, de sua vez, para reduzir a argüição, também no ponto, a uma alegação de inconstitucionalidade reflexa, teve antes de enfrentar o problema da recepção ou não pela Constituição de 1988 — à vista, especificamente, do seu art. 21, XI e XII —, do Código Brasileiro de Telecomunicações; só depois

de enfrentá-lo e de concluir pela resposta afirmativa, pôde S. Exa. assentar que, em conseqüência da recepção, a questão da validade

dos arts. 6º e 8º do D. 177/91 teria ficado reduzida à de sua compatibilidade com a lei préconstitucional.”

18. Com efeito, no que interessa, a ementa do em. Ministro Celso de Mello consignou: “— A Lei nº 4.117/62, em seus aspectos básicos e essenciais, foi recebida pela Constituição promulgada em 1988, subsistindo vigentes, em conseqüência, as próprias formulações conceituais nela enunciadas, concernentes às diversas modalidades de serviços de telecomunicações.”

19. E o motivo é óbvio: a inconstitucionalidade reflexa pressupõe a existência, no mínimo, de duas normas infraconstitucionais, e se configura quando “o confronto do ato questionado com os dispositivos constitucionais da Carta teria que passar, primeiramente, pelo exame in abstracto de outras normas infraconstitucionais, de tal forma que não haveria confronto direto da lei em causa com a Constituição” (ADIn 1900-MC, Moreira, DJ 25.2.2000).

20. Ora, pode ocorrer de a lei anterior à Constituição não ter sido recebida, o que, como já visto, significa a sua revogação. Daí a impossibilidade de inconstitucionalidade reflexa, por não haver mais o parâmetro infraconstitucional de confronto: nesses casos, quando a norma infralegal questionada é editada na vigência da nova Constituição e a lei — anterior — na qual residiria o seu pressuposto de validade e eficácia não mais subsiste, a norma regulamentar se torna autônoma.

21. De fato, quando as Leis 7178/83 e 7297/84 foram sancionadas, a Carta então vigente permitia o provimento derivado sem a realização de concurso público, pois não constituiria a “primeira investidura no serviço público” (CF/69, art. 97, § 1º).

22. Com o advento da nova Constituição, o provimento nelas admitido por aproveitamento do ocupante de outro se tornou impossível, pois, conforme ressaltado pelo Procurador-Geral da República em seu parecer, “o artigo 37, II da CF, não permite o aproveitamento, estando banidas as formas de investidura de ascensão e transferência, que são formas de ingresso em carreira diversa daquela para o qual o servidor público ingressou por concurso” (f. 296).

23. Assim, as referidas leis, no ponto em que possibilitaram o aproveitamento dos servidores requisitados, não foram recebidas pela nova ordem constitucional: estariam — repito — revogadas, desde o advento da nova Constituição.

24. E essa revogação faz com que a Resolução 04/96 passe a ser o único fundamento normativo do aproveitamento atacado: não há falar, assim, em problema de desconformidade entre as leis e a resolução, nem, portanto, de inconstitucionalidade reflexa ou mediata.

25. Cabível, portanto, a ação direta de inconstitucionalidade da Resolução nº 04, de 20.12.1996, do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Goiás.

III

26. A Resolução 04/96, do TRE-GO, adotou orientação tomada em processo administrativo instaurado com o pedido formulado em 1996 pelos servidores requisitados e não englobados pelo aproveitamento efetivado em 1985 (f. 168).

27. Afirmaram, na ocasião, os servidores, que estavam, àquela época, amparados pelas Leis 7178/83 e 7297/84; com efeito, o art. 3º desta determinava a aplicação, relativamente à Secretaria do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Goiás, do art. 5º daquela, que dispusera: “Art. 5º. Poderão ser aproveitados no Quadro Permanente das Secretarias das Seções Judiciárias da Justiça Federal de 1ª Instância, por ato do Presidente, cujo processo será regulado pelo Conselho da Justiça Federal, os funcionários de outros órgãos da Administração Pública que se encontrarem prestando serviços, na qualidade de requisitados, à Justiça Federal de 1ª Instância, na data desta Lei, desde que haja concordância do órgão de origem.”

28. Ocorre que, conforme ressaltado pela AGU e pela PGR, este Tribunal tem afastado, desde a entrada em vigor da Constituição de 1988, qualquer forma de provimento de que resulte na investidura em cargo ou emprego público sem a realização de concurso público de provas ou de provas e títulos; logo, dado que a investidura ocorreu na vigência da Constituição atual, incide a Súmula 685, verbis: ‘É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investirse, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.

29. Se, até no âmbito da mesma entidade federativa, assim se considera vedada pela Constituição o aproveitamento do servidor em carreira diversa, com mais razão se há de reputar inadmissível o aproveitamento de servidor estadual nos quadros da Justiça Eleitoral, que integra o Poder Judiciário da União.

30. Certo, ao cabo de longa e reiterada experiência na Justiça Eleitoral e na presidência do TSE, não desconheço a situação criada pela prolongada cessão de servidores de todos os entes federativos aos juízos e tribunais eleitorais, que, não nego, poderiam ter aconselhado norma permissiva do aproveitamento questionado: no entanto, somente uma regra constitucional transitória — jamais editada — poderia permiti-lo.

IV

31. Esse o quadro, julgo procedente a ação direta, para declarar a inconstitucionalidade da Resolução-TRE/GO nº 04, de 20.12.1996.

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