Agressão verbal

Morador é condenado por ofender advogado de condomínio

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6 de outubro de 2006, 15h37

Um morador do Condomínio Residencial Porto do Sol, em Florianópolis, foi condenado a pagar R$ 10 mil de indenização por danos morais para o advogado catarinense Roberto Agnes. O morador teria ofendido o advogado quando este foi cobrar o pagamento de uma das parcelas do condomínio. A decisão é do juiz Robson Luz Varella, da 3ª Vara Cível de Florianópolis. Cabe recurso.

De acordo com o processo, o condômino acusou Agnes de ser um profissional sem responsabilidade, sem caráter e deficiente, incapaz de transigir com bom senso.

Para o juiz, “houve ofensa à honra do profissional pelo simples fato de que o mesmo estava cobrando regularmente a dívida do condomínio, em cumprimento ao mandato que lhe fora outorgado, atitude antijurídica que deve ser repelida pelo Judiciário, pois todo e qualquer operador do Direito, assim como qualquer cidadão brasileiro, não pode ser gratuitamente ofendido, por seus pares ou não”.

Processo 023.02.017919-0

Leia a sentença

Autos n° 023.02.017919-0

Ação: Indenização Por Danos Morais/ Ordinário

Autor: Roberto Angnes

Réu: José Renato M. Cavalcante

Vistos, em decisão.

Cuida-se de ação de indenização por danos morais através da qual Roberto Angnes pretende a condenação de José Renato M. Cavalcante, ambos qualificados nos autos, ao pagamento da quantia de 100 salários mínimos por conta de ofensas (injúria/difamação) contra si perpetradas em carta escrita endereçada a administração do Condomínio para quem o autor advoga e estaria promovendo, contra o réu (morador do local), a cobrança judicial de parcelas em atraso.

Citado, o réu resistiu à pretensão inaugural por meio de contestação escrita (fl. 27-38), na qual sustenta os motivos que o levaram a chamar o autor de irresponsável e sem caráter, bem como a dizer que faltava ao condomínio “um profissional que honre com os seus compromissos e tenha capacidade de transigir com bom senso” (sic). Disse que as afirmações correspondem à realidade e que, na verdade, era muito mal tratado pelo autor na cobrança das parcelas em atraso do condomínio. Confessa que acabou parcelando seu débito em juízo, e pugna, assim, pela improcedência da demanda, insurgindo-se também contra o valor pretendido pelo autor à título de indenização.

Houve réplica (fl. 57-62).

Prejudicada a tentativa de composição amigável da lide no mutirão de conciliação de junho do ano passado, vieram-me conclusos os autos.

Suficientemente relatados. Decido:

O julgamento antecipado da lide nos termos do art. 330, I, do Código de Processo Civil é medida que se impõe, eis que a prova já contida nos autos se mostra suficiente ao deslinde da causa, que, pela própria natureza, é eminentemente de Direito.

Nesse contexto, conforme tem reiteradamente decidido o STF, registre-se que “não há afronta à garantia da ampla defesa no indeferimento de prova desnecessária ou irrelevante.” (RE 345.580, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 10/09/04 – nesse sentido também AI 559.958, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 30/09/05).

Assim, cônscio da atividade-dever do Estado em prestar jurisdição tempestiva, entrego antecipadamente a solução desta lide às partes, certo de que “por desempenho satisfatório da atividade jurisdicional se deve entender, também, e por que não dizer, em especial, a tempestividade da manifestação do órgão, na medida em que, nunca é demais lembrar a célebre frase de Voltaire, ‘a justiça fora de tempo é injustiça'”1.

A ação merece prosperar.

Com efeito, afiguram-se efetivamente antijurídicas as expressões dirigidas contra a pessoa do autor na carta-correspondência endereçada à administração do Condomínio do qual faz parte o réu, que, premido da iminência de ser citado em ação judicial corretamente utilizada para cobrança de taxas condominiais em atraso, passou a desferir ofensas pessoais contra a honra do autor.

Acusou-o de ser um profissional sem responsabilidade, sem caráter e deficiente, bem com ser incapaz de transigir com bom senso.

Veja-se:

“A negociação não foi concretizada pela total falta de responsabilidade do Sr. Roberto em não chegar no horário estabelecido pelo mesmo, não cumprindo o compromisso. […] tanto eu quanto o condomínio seremos penalizados pela irresponsabilidade do Sr. Roberto e pela sua falta de caráter em não assumir seus erros e deficiências. […] Por falta de um profissional que honre com seus compromissos e tenha capacidade de transigir com bom senso, teremos que aguardar por uma decisão judicial…”

Com efeito, diante da inadimplência do réu para com o condomínio, chega a ser irrelevante eventual cancelamento de reunião designada pelo advogado-autor para tentativa de composição do débito.


Ora, não se tratando de dívida quérable2, cumpria ao devedor (no caso o réu) diligenciar de todas as maneiras o pagamento de seu débito se quisesse evitar o ajuizamento de demanda judicial contra si, providência naturalmente tomada por quem não recebe o que lhe é devido.

Não o contrário!

Na verdade, de correspondências anteriores juntadas aos autos pelo próprio réu, infere-se claramente seu intuito protelatório no pagamento da dívida, trabalhando com palavras e fundamentos legais no intuito de intimidar o condomínio na cobrança daquilo que efetivamente era por ele devido (fls. 43-44 e 48).

De fato, tanto eram devidos os valores pelo réu ao condomínio como demonstrou ser o autor profissional com bom senso para transacionar, que, após toda essa polêmica, compôs ele, em nome do condomínio, o parcelamento do débito do requerido (fl. 53).

Conclui-se, portanto, que o autor foi injustamente ofendido no desempenho de seu mandato outorgado pelo condomínio, ao ser apontado por escrito pelo réu como profissional irresponsável, sem caráter, deficiente e incapaz de transigir com bom senso.

Inegável, portanto, que houve ofensa à honra do profissional pelo simples fato de que o mesmo estava cobrando regularmente a dívida do Condomínio, em cumprimento ao mandato que lhe fora conferido, atitude antijurídica que deve ser repelida pelo Judiciário pois, todo e qualquer operador do Direito, assim como qualquer cidadão brasileiro, não pode ser gratuitamente ofendido, por seus pares ou não.

Em casos análogos, já decidiu o TJSC:

“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO PURAMENTE MORAL. POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO. LEGÍTIMA DEFESA NÃO CARACTERIZADA. ATO ILÍCITO. É suscetível de compensação pecuniária o dano puramente moral sofrido pelo advogado que, acompanhando o meirinho no cumprimento de um mandado de imissão de posse favorável a seus constituintes, é agredido gratuitamente pelo prejudicado com a ordem judicial. […]” (TJSC – AC 1997.011051-0, Rel. Des. Silveira Lenzi, j. 29/02/2000)

“Configura denunciação caluniosa a imputação de crime a outrem sem qualquer respaldo concreto ou com a ciência de inexistência da infração penal. Assim, tem o dever de indenizar aquele que induz a autoridade policial a instaurar inquérito policial evidentemente descabido e inclusive representa advogados junto à Ordem dos Advogados do Brasil sem qualquer alegação consistente, ainda mais quando as investigações são arquivadas pela inocorrência de qualquer crime. O prejuízo, ou melhor, o dano moral, é plenamente configurado nesta hipótese, porquanto os profissionais do Direito, para o sucesso da carreira, necessitam sempre da boa conceituação e honra inabalável, fatos que restaram amplamente atacados in casu.” (TJSC – AC 98.004542-8 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Carlos Prudêncio – J. 17.04.2001)

E na verdade, um dos escopos da indenização por dano moral é justamente inibir o causador do dano de reiteradamente praticar atos semelhantes, razão pela qual a indenização se mostra, na espécie, indispensável.

Desta forma, demonstrado que o requerido agiu de forma excessiva e imoderada, resta claro sua obrigação de indenizar, razão pela qual passa-se ao exame do ‘quantum’ reparatório a título de danos morais.

É cediço que o valor da indenização por dano moral deve ser arbitrada pelo Magistrado com base em dois objetivos: primeiro, confortar e acalmar a vítima da ofensa pelo abalo moral sentido, evitando-se o enriquecimento sem causa; segundo, atuar de forma pedagógica, reprimindo com energia a conduta havida, procurando inibir, desta forma, eventual reincidência.

Sobre o tema, colhe-se desta colenda Corte:

“O valor da indenização do dano moral deve ser arbitrado pelo juiz de maneira a servir, por um lado, de lenitivo para a dor psíquica sofrida pelo lesado, sem importar a ele enriquecimento sem causa ou estímulo ao abalo suportado; e, por outro, deve desempenhar função pedagógica, de conteúdo repressivo, inibindo a recidiva” (AC n. 2003.016296-8, da Capital, Rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben, j. 02.9.2004).

A propósito veja-se também a Apelação Cível 2004.012152-0, de Araranguá, Rel. Des. José Volpato de Souza, julgada em 06.8.2004.

Nesse contexto, e considerando que “não havendo disposição legal expressa que determine o cálculo do dano moral, o julgador deve fundar-se nos diversos fatores que envolvam o ato lesivo e o dano dele resultante, em especial, duração, intensidade, gravidade e repercussão da ofensa; as causas que deram origem à lesão e a condição sócio-econômica do agente.” (TJSC – AC 2004.004323-6, Rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 19/07/2005), tenho por bem fixar o valor da indenização devida em R$ 10.000,00 (dez mil reais), quantia que de nenhum modo representará enriquecimento sem causa ao autor, nem apenamento excessivo ao réu.


A quantia deverá ser acrescida de juros moratórios legais3 desde o evento danoso (27.03.2002)4 e corrigida monetariamente a partir desta data (arbitramento), pelo INPC, até seu efetivo pagamento.

A propósito, já pontuou o TJSC:

Correção monetária. Data do arbitramento. Ao quantificar os danos morais, o julgador tem em mente o valor que entende ser justo, naquele momento, para compensar o abalo sofrido pela vítima; daí por que a correção monetária só poderá incidir a partir da data do arbitramento. Juros de mora. Data do evento lesivo. Na responsabilidade extracontratual, os juros de mora são contados da data do evento lesivo, consoante o enunciado da Súmula n. 54 do Superior Tribunal de Justiça. […]” (AC n. 2003.014081-6, de Santa Cecília, Relatora designada: Desa. Sônia Maria Schmitz, j. em 30/11/04) [grifei]

E não há que se falar em sucumbência recíproca pelo fato da postulação inicial líquida não ter sido acolhida em seus exatos termos, pois que nos termos da recente Súmula 326 do STJ:

“Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca.”

POSTO ISTO, julgo procedente o pedido inaugural e extinto o processo nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil, para condenar o réu ao pagamento da quantia de R$ 10.000,00, atualizada e acrescida de juros legais nos termos acima estabelecidos até seu efetivo pagamento, mais custas processuais e honorários sucumbenciais devidos ao autor no patamar de 10% sobre o valor da condenação, eis que se faz justa tal verba ainda que o autor seja advogado e atue em causa própria (CPC, 20, § 3° c.c. EOAB, 23).

Passada em julgado, aguarde-se o prazo de quinze dias para cumprimento voluntário da sentença, nos termos das alterações empreendidas pela Lei 11.232/05, findo o qual, não havendo pagamento por parte do réu, anote-se a incidência da multa de 10% sobre o total da condenação (CPC, 475-J, 1ª parte) e aguarde-se por mais seis meses eventual pedido de expedição de mandado de penhora e avaliação por parte do credor (CPC, 475-J, fine), que incluirá o valor das custas processuais finais da fase cognitiva. O credor poderá desde logo indicar bens a penhora (CPC, 475-J, § 3°).

Não sendo requerida a execução no prazo de seis meses, arquive-se os autos sem prejuízo de seu posterior desarquivamento a pedido da parte (CPC, 475-J, § 5°).

P. R. I.

Florianópolis (SC), 02 de outubro de 2006.

Robson Luz Varella

Juiz de Direito

Notas de rodapé

1 – A Morosidade da Prestação da Atividade Jurisdicional como um fato de Descrédito do Poder Judiciário e a Obrigação do Estado de Indenizar os Prejuízos Causados ao Jurisdicionado, in “Direito Público – Estudos em Homenagem ao Professor Adilson Abreu Dallari”. Coord. Luiz Guilherme da Costa Wagner Junior. São Paulo: Editora Del Rey. p. 490;

2 – “Tratando-se de dívida querable, cumpria ao credor apresentá-la ao devedor no vencimento, e, não o fazendo, a alegada mora no pagamento não ocorreu” (TJMT, ACV 17.310, rel. Des. Munir Feguri);

3 – Até 10.01.2003 deverão ser computados juros de 0,5% ao mês (CCB/16, 1.062); de 11.01.2003 em diante, 1% a.m. à teor do art. 406 do CCB/02 (cf. Enunc. 20, Jornada de Direito Civil do CJF);

4 – Súmula 54 do STJ.

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