Empregado ébrio

Demissão por justa causa deve ser feita no ato da infração

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5 de outubro de 2006, 15h38

A demissão por justa causa por embriaguez só pode ser feita no momento em que se constatou a falta, não depois. O entendimento é da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.

Os juízes anularam a demissão por justa causa de um empregado do Laboratório de Análises Médicas Dr. José Rodrigues. Por unanimidade, a 6ª Turma acompanhou o voto do relator e determinou o pagamento dos 40% da multa do FGTS e demais verbas rescisórias das demissões comuns.

Para justificar a justa causa, a empresa declarou que o técnico de laboratório fazia uso constante de bebida alcoólica e tinha por hábito comparecer ao trabalho em estado de embriaguez. Segundo a empresa, o fato o impedia de fazer o seu trabalho, que englobava coleta de material biológico para exames, inclusive, de sangue.

Uma testemunha da empresa disse tê-lo visto passar mal, mas não disse que ele estava alcoolizado. O ex-funcionário alegou que, ao ser dispensado, passava por tratamento de saúde e que não passou pelo exame médico demissional.

Em seu voto, o juiz Valdir Florindo destacou que “ainda que se admita que o autor ingeria bebida alcoólica, cumpre salientar que não há sinonímia entre a embriaguez e o ato de beber, haja vista que este não resulta necessariamente naquele”. Além disso, o juiz lembrou que a empresa não usou a demissão por justa causa no momento oportuno. “A justa causa deve ser aplicada na primeira oportunidade em que o empregador tomar conhecimento da prática de falta grave, com mais razão no caso, onde o recorrente era técnico de laboratório”, observou.

Segundo o juiz, se comprovada a embriaguez, a empresa deveria afastar o técnico para tratamento clínico e não tê-lo dispensado, “pois nos moldes previstos no inciso II do artigo 4º do atual Código Civil, os ébrios habituais são considerados relativamente incapazes”.

Leia a decisão

PROCESSO N°: 01690.2003.481.02.00-1 6ª TURMA

RECORRENTE: ANTONIO DOS SANTOS

RECORRIDO: LABORATÓRIO DE ANÁLISES MÉDICAS DR. JOSÉ RODRIGUES LTDA.

1ª VARA DO TRABALHO DE SÃO VICENTE

EMENTA: JUSTA CAUSA. “EMBRIAGUEZ HABITUAL” E “ATO DE BEBER”.

Ainda que se admita que o autor ingeria bebida alcoólica, cumpre salientar que não há sinonímia entre a embriaguez e o ato de beber, haja vista que este não resulta necessariamente naquele. Segundo Wagner Giglio, citando a definição de embriaguez feita pela Associação Médica Britânica — “A palavra embriaguez será usada para significar que o indivíduo está de tal forma influenciado pelo álcool, que perdeu o governo de suas faculdades ao ponto de tornar-se incapaz de executar com prudência o trabalho a que se consagre no momento.”

Se o empregador permitiu que o recorrente continuasse exercendo as suas funções habituais de técnico de laboratório, era porque o mesmo detinha totais condições de exercer seu mister profissional com segurança, não havendo razoabilidade em se admitir a “embriaguez habitual” do trabalhador. Justa causa não configurada.

RELATÓRIO

Pedidos discriminados às fls. 03/07 e contestados às fls. 108/132.

A ação foi julgada procedente às fls. 209/214. Declaratórios rejeitados à fl. 217.

O reclamante interpõe recurso ordinário às fls. 221/231 postulando seja afastada a justa causa aplicada pelo reclamado. Entende fazer, jus, ainda à multa prevista no artigo 477 Consolidado, ao intervalo não usufruído, bem como ao benefício da cesta básica, às diferenças do FGTS sobre o 13º salário e à multa normativa.

Contra-razões apresentadas às fls. 234/244.

O Ministério Público do Trabalho teve vista dos autos.

É o relatório, em síntese.

VOTO

1. Conheço do apelo ordinário, eis que presentes os pressupostos legais.

2. Justa causa:

Para justificar a falta grave aplicada ao empregado, o recorrido aduziu em peça contestatória que o reclamante “fazia uso constante de bebida alcoólica e tinha por hábito comparecer ao posto de trabalho em estado de embriagues (sic), fato esse que impedia o reclamante de cumprir as tarefas para as quais fora contratado” (fl. 117). E que em 05 de fevereiro de 2.003, por ter o recorrente comparecido para trabalhar “desequilibrado emocionalmente, agredindo verbalmente os funcionários e clientes que se encontravam no laboratório, quebrando objetos da reclamada…passou a proferir palavras de baixo calão”, não lhe restou outra alternativa senão dispensado por justa causa (fl. 120).

Contudo, pela leitura do processo, infere-se que a dispensa motivada, data venia, não restou configurada. A justa causa, como punição máxima imputada ao empregado, necessita estar sobejamente comprovada nos autos. Não é, contudo, o que se infere no caso sub judice.

Saliente-se, inicialmente, que a primeira testemunha do réu somente presenciou o autor se recusando a realizar exames de coagulograma, nada informando acerca de eventual estado de embriaguez. Esclareceu, ainda, que às vezes, o reclamante passava mal no laboratório e ia vomitar no banheiro (fl. 107), o que, por si só, não tem o condão de configurar a justa causa aduzida em defesa. Já a segunda testemunha do recorrido, estava afastada na época da dispensa do reclamante, não tendo conhecimento dos motivos que ensejaram a sua rescisão contratual (fl. 107).

Ademais, se é certo que a pena capital deve ser aplicada na primeira oportunidade em que o empregador tomar conhecimento da prática de falta grave, com mais razão no caso em tela, onde o recorrente era técnico de laboratório. E, em assim sendo, não é crível supor que o empregador permitisse que, nestas condições, o empregado continuasse a realizar exames laboratoriais.

Por outro lado, ainda que se admita que o autor ingeria bebida alcoólica, cumpre salientar que não há sinonímia entre a embriaguez e o ato de beber, haja vista que este não resulta necessariamente naquele. Segundo Wagner Giglio, citando a definição de embriaguez feita pela Associação Médica Britânica — “A palavra embriaguez será usada para significar que o indivíduo está de tal forma influenciado pelo álcool, que perdeu o governo de suas faculdades ao ponto de tornar-se incapaz de executar com prudência o trabalho a que se consagre no momento.”. Ora, como já se viu, se o empregador permitiu que o recorrente continuasse exercendo as suas funções habituais de técnico de laboratório, era porque o mesmo detinha totais condições de exercer seu mister profissional com segurança, não havendo razoabilidade em se admitir a “embriaguez habitual” do trabalhador.

Não se pode olvidar, outrossim, que ainda que se admita o documento de nº 08 dos autos apartados como hábil a comprovar a embriaguez argüida na tese patronal, o recorrido deveria ter afastado o autor de seus misteres para tratamento clínico e não ter efetuado sua dispensa, pois nos moldes previstos no inciso II do artigo 4º do atual Código Civil, os ébrios habituais são considerados relativamente incapazes. Esse, aliás, é o caminho trilhado pela jurisprudência desta Egrégia Corte Regional.

Válido, citar, ainda, o entendimento já apresentado pelo Tribunal Superior do Trabalho, através da ementa abaixo de lavra do Ilustre Relator Designado Ministro João Oreste Dalazen:

“EMENTA: JUSTA CAUSA. ALCOOLISMO CRÔNICO. ART. 482, “F”, DA CLT. APLICABILIDADE. 1. O alcoolismo crônico é formalmente reconhecido como doença pelo Código Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde — OMS, que o classifica sob o título de “síndrome de dependência do álcool” (referência F-10.2), o que afasta a aplicação do art. 482, “f”, da CLT. 2. O alcoolismo crônico gera compulsão que impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos. 3. Por conseguinte, ao invés de motivar a dispensa por justa causa, deve inspirar no Empregador, até por motivos humanitários e porque lhe incumbe responsabilidade social, atitude dirigida ao encaminhamento do Empregado a instituição médica ou ao INSS, a fim de que se adote solução de natureza previdenciária para o caso. 4. Recurso de revista de que não se conhece.”

(Processo TST/RR 561040/1999 — 1ª Turma, acórdão publicado no DJ em 29.08.03, Recorrente: Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S/A — SANASA Campinas e Recorrido: José Luiz da Silva)

Por conta disto, a dispensa não pode ter como fato originário “a embriaguez habitual” do autor, e ainda que assim não fosse, a reclamada não demonstrou o “animus” de punir o empregado oportunamente. Arbitrário o ato praticado pelo réu em apenar o recorrente com a justa causa.

Por fim, importante frisar que a contestação é contraditória e, portanto, nula quanto ao desligamento do empregado, pois ao mesmo tempo que sustenta ter havido falta grave, alega que o contrato teria sido extinto com a aposentadoria espontânea do empregado, restando prejudicada, no caso em epígrafe, a interpretação acerca da aplicabilidade ou não da OJ 177 da SDI-1, do C. TST.

Portanto, dou provimento ao apelo para condenar o reclamante ao pagamento de saldo salarial, aviso prévio nos moldes dispostos nos instrumentos normativos, férias proporcionais, 13º salário proporcional, assim como proceder à liberação do fundo de garantia com a entrega das guias, acrescido da multa de 40%.

Reformo.

3. Da multa prevista no artigo 477 Consolidado:

A juíza de origem indeferiu a incidência da multa do artigo 477 Consolidado em face do documento 13 da defesa (fl. 210).

Contudo, indigitado documento (que se encontra no volume em apartado) apenas comprova que em data de 17 de fevereiro de 2.003, o autor se recusou a homologar sua rescisão contratual, por não concordar com a falta grave que lhe foi exposta, bem como por encontrar-se em tratamento médico, salientando, ainda, que não foi submetido a qualquer avaliação médica por ocasião de sua demissão.

Ora, para uma dispensa que se efetivou em 05 de fevereiro de 2.003 (doc. 04 do volume em apartado), pouco importa tenha havido recusa por parte do empregado, pois em 17 de fevereiro do mesmo ano, a homologação já encontrava-se extemporânea. Reformo para acrescer à condenação a multa disposta no artigo 477 Consolidado.

4. Jornada de trabalho:

Não obstante o recorrido não tenha colacionado aos autos todos os controles de freqüência referentes ao período imprescrito, correto o posicionamento de origem ao considerar a média da jornada declinada nos indigitados controles, pois refletem a jornada que habitualmente era cumprida pelo empregado.

Mantenho.

5. Cesta básica:

Os documentos de nº 32 e seguintes do volume em apartado demonstram que o recorrente recebeu regularmente cestas básicas, tendo optado o réu, embasado na cláusula quadragésima sétima de fls. 58 e 75 por quitá-las em dinheiro.

Nego provimento.

6. Diferenças do FGTS sobre 13º salários:

Não há nos autos evidências de diferenças fundiárias sobre 13º salários, a exemplo do posicionamento já consignado na r. decisão ora guerreada. Mantenho.

7. Multa normativa:

O recorrido não obedeceu os reajustes salariais previstos nos instrumentos normativos da categoria, tampouco efetuou corretamente o pagamento das horas extras prestadas. Deve, portanto, ser condenado ao pagamento da multa prevista na cláusula quinquagésima de fl. 89, nos moldes do pedido. Acolho.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, admito o recurso ordinário do autor, e no mérito, dou-lhe provimento parcial para, reconhecendo a dispensa imotivada do autor, acrescer à condenação o pagamento de saldo salarial, aviso prévio nos moldes dispostos nos instrumentos normativos, férias proporcionais, 13º salário proporcional, multas normativa e do artigo 477 Consolidado, assim como proceder à liberação do fundo de garantia com a entrega das guias, acrescido da multa de 40%, nos termos da fundamentação.

Arbitro à condenação o valor de R$ 10.000,00, devendo o réu arcar com o complemento das custas processuais.

É como voto.

VALDIR FLORINDO

Juiz Relator

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