Maioridade constitucional

Convocação de Constituinte é tentativa de golpe

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5 de outubro de 2006, 19h08

No aniversário de 18 anos da Constituição Federal, o maior presente ao país seria que o próximo presidente da República lutasse contra a convocação de uma Constituinte. O pedido foi feito pelo presidente-executivo da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Flávio Pansiere. Para ele, a revisão constitucional seria uma tentativa de golpe político.

“Nenhum país que tem uma democracia consolidada fala em convocação de novas Constituintes. Falam em debate democrático por intermédio dos mecanismos já garantidos pelo seu modelo constitucional.”

Em entrevista ao site da OAB, Pansiere critica as 52 emendas feitas no texto constitucional e diz que o grande número de alterações representa a crise política que o país vive e não uma crise constitucional. “Além do que, não podemos entender que as regras formuladas em 1988 teriam validade eterna. A Constituição permite que algumas normas sejam alteradas.”

Pansiere defende a manutenção do texto constitucional, mas diz que o país precisa de uma reforma política e tributária, que podem ser resolvidas por emendas à Constituição.

Leia a entrevista

Como o senhor avalia a maioridade da Constituição Federal, completada nesta quinta-feira (5/10)?

Flávio Pansiere — Os aniversário de 18 anos da Constituição representa um momento importante da consolidação do Estado Democrático brasileiro. A Constituição de 88 é a representação efetiva dos anseios da sociedade. É ela que nos garante, hoje, que criminosos sejam investigados e que os direitos fundamentais sejam garantidos. Há uma tentativa de fazer com que as pessoas pensem que a Constituição é responsável pela crise política que vivemos. Algumas pessoas criam fatos para tentar desacreditar esse modelo constitucional, que garante a existência de um Estado social, preocupado com a população.

O que acha do número de emendas feitas à Constituição?

Flávio Pansiere — Tivemos um excessivo número de emendas à Constituição. Até agora, foram 52. A grande questão é que essas emendas alteraram o modelo de gestão dos serviços públicos, as atividades econômicas e até a estrutura do Pode Judiciário, mas o fio condutor da Constituição continua intacto. Esse grande número de alterações representa a crise política que vivemos e não uma crise constitucional. Além do que, não podemos entender que as regras formuladas em 1988 teriam validade eterna. A Constituição permite que algumas normas sejam alteradas.

Quais as regras que não podem ser alteradas?

Flávio Pansiere — As famosas cláusulas pétreas da Constituição, que representam o sistema federativo, o regime democrático e os direitos fundamentais. Mas discute-se a convocação de uma nova Constituinte, como se a nossa Constituição não representasse mais os interesses da coletividade. O pseudo-debate começou no governo de Fernando Henrique Cardoso, por meio da Proposta de Emenda Constitucional 157, que tramita no Congresso Nacional.

Qual é a diferença entre uma Constituinte e as emendas à Constituição?

Flávio Pansiere — As emendas à Constituição estão submetidas às cláusulas pétreas, que não podem sofrer alterações. A aprovação de qualquer emenda deve passar por votação em dois turnos, sendo que três quintos dos membros do Congresso Nacional devem participar do pleito. Uma Constituinte tem poderes ilimitados sobre qualquer dispositivo. Além disso, para a aprovação desses novos dispositivos constitucionais, seria necessária apenas maioria simples da votação no Congresso Nacional. Isso possibilitaria ao partido que tiver uma pequena maioria no Congresso aprovar todos os dispositivos que sejam de seu interesse. E é exatamente isso o que a nossa Constituição proporciona: a garantia de que os que estão no poder não possam fazer isso. O Estado não pode estar à mercê daqueles que estão no poder político. O Estado deverá, sim, tutelar a coletividade e as minorias.

Quais as mudanças necessárias no texto constitucional?

Flávio Pansiere — A reforma Política e a reforma Tributária, que poderão ser promovidas por emenda à Constituição. Não precisamos falar em convocação de uma Constituinte para isso. Hoje, falar em uma nova Constituinte, com poderes ilimitados, é o mesmo que falar em golpe. Nenhum país que tem uma democracia consolidada fala em convocação de novas Constituintes. Falam em debate democrático por intermédio dos mecanismos já garantidos pelo seu modelo constitucional.

O artigo 5º da Constituição prevê que todos são iguais perante a lei. O senhor acha que todos os brasileiros são iguais perante a lei?

Flávio Pansiere — Não tenho dúvidas quanto a isso. A Carta Magna também prevê a igualdade material, que significa que todos devem ter as mesmas condições de acesso à saúde, à educação e ao lazer. Esse problema não se resolve da noite para o dia, mas ninguém pode negar que, desde 88, houve avanço em todos os setores do Brasil. Não é a Constituição que vai resolver essas questões. Precisamos de um Estado com uma economia forte, de um Poder Legislativo que represente os interesses da coletividade e que não seja corrompido pelas mazelas em torno do poder. A Constituição garante a igualdade e o Estado Democrático de Direito vem garantindo essa igualdade no limite da nossa democracia.

Qual é a barreira para o país avançar nessas questões?

Flávio Pansiere — Os brasileiros ainda não atingiram uma maturidade política. Os 18 anos da Constituição também representam 18 anos de liberdade. Passamos a ter um novo espaço, uma nova possibilidade de participação. No entanto, convivemos com muitos políticos daquela época, com muitos juízes e servidores que pensam o Estado Constitucional novo com os olhos do velho. Esse é o problema. Não podemos desacreditar o texto constitucional. O artigo 6º, por exemplo, diz que todo trabalhador tem direito à moradia. Não é porque existe o direito à moradia que o Estado dará uma casa para cada pessoa. O importante é que esse direito à moradia garante a obrigação do Estado de reservar uma casa para cada pessoa que seja idosa, deficiente e menor de idade sem condições de subsistência. A efetivação do texto constitucional ainda não se deu de forma plena porque isso é progressivo. Todos os dias, estamos construindo a nossa Constituição. É importante termos participação política.

Os 18 anos da Constituição Federal devem ser comemorados?

Flávio Pansiere — Não tenho dúvida alguma. Vivemos um dos principais momentos da democracia brasileira. Temos a possibilidade de participar democraticamente da renovação ou não desse Estado. É isso que constitui a idéia da democracia: conviver com as diferenças. O grande presente para a Constituição seria o compromisso do PT e do PSDB, partidos que concorrem à Presidência da República, de lutar contra uma reforma constitucional. Não estamos falando de emendas à Constituição que visem a reforma política, pois essas são absolutamente legais, mas da impossibilidade de uma revisão constitucional, com poderes ilimitados. Qualquer atitude nesse sentido seria uma tentativa de golpe. Esse compromisso seria o maior presente que poderíamos ter de qualquer um dos dois candidatos a presidente da República. Evo Morales, presidente da Bolívia, e o Hugo Chavez, da Venezuela, se aproveitaram do grande apoio da população para fazer uma reforma constitucional. Não acredito que esses sejam bons exemplos de democracias consolidadas em todo o mundo.

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