Deveres legais

Penhora online só prejudica quem desrespeita a lei

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4 de outubro de 2006, 13h44

Um dos graves problemas enfrentados nas lides judiciais é a procrastinação, a utilização do processo como meio de prorrogar a obrigação do pagamento, é a tentativa descarada do calote. Se há uma sentença reconhecendo um determinado direito, é sinal de que o devedor ali especificado não cumpriu uma obrigação legal, agiu contra o sistema jurídico, violou os princípios gerais da vida em sociedade, não respeitou o próximo, não foi, enfim, justo.

No processo judicial é garantida a oportunidade de defesa, de produção de provas, de apresentação de teses jurídicas, de alegações, de recursos, de discussão de cálculos. Há uma longa jornada para que se estabeleçam, finalmente, as responsabilidades e o quanto é devido. Esta longa — mas necessária — tramitação só age em detrimento daquele que já foi violado em seu Direito, do que não recebeu, como manda a lei, no tempo certo e oportuno.

Com o desenrolar do processo e o trânsito em julgado da sentença, o devedor, descumpridor original da obrigação (e aqui não mais importa se por dolo ou culpa), já obteve do Estado o reconhecimento oficial de sua condição. Se não cumpriu com o Direito na época própria, com o pronunciamento judicial deve fazê-lo de imediato, o mais rápido possível, de modo espontâneo. Se não há mais dúvidas a respeito de sua obrigação, o não pagamento é, mais uma vez, um novo atentado ao sistema jurídico que rege a sociedade, posto que para cada cidadão o Direito deve garantir o que é seu.

Não obstante esta obrigação moral — e jurídica — de pagar sua dívida de modo espontâneo, o processo ainda permite ao devedor que ele seja citado para tanto, dando-lhe, mais uma vez, a oportunidade de cumprir com a sua obrigação determinada pelo Direito e já decretada judicialmente. E ele possui, mesmo depois de toda essa tramitação processual, o prazo de 24 (no Processo Civil) ou 48 horas (no Processo do Trabalho) para efetivar o pagamento. Tudo isso, repita-se, em prejuízo do credor, que teve um Direito violado, teve que se socorrer da tutela jurisdicional do Estado e, ainda, teve de aguardar toda a tramitação processual.

E é claro que, em se tratando de dívida em dinheiro, não há o menor sentido que este pagamento ou garantia se dê com equipamentos ou imóveis, que exigirá mais e custosos procedimentos judiciais (avaliação, publicação de editais, intimações, realização de hasta pública, etc.). Isso tudo, novamente, mais uma vez em prejuízo do que já teve reconhecido o seu Direito.

O Processo Civil, neste particular também aplicado no Processo do Trabalho, é claro em estabelecer que “incumbe” ao devedor (ou seja, é uma obrigação dele!), garantir a execução, observando a ordem de preferência legal. E a primeira preferência estabelecida pela lei é o dinheiro (art. 655, I, do CPC), até porque seria totalmente irracional imaginar-se o contrário. O artigo 882 da CLT também indica que se o devedor não pagar a importância reclamada, ele (executado) poderá garantir a execução mediante depósito da mesma, atualizada e acrescida das despesas processuais.

A lei, portanto, é de clareza cristalina ao estabelecer que a garantia ou o pagamento deve ser feito em dinheiro e, apenas na sua ausência é que se poderia partir para a penhora de outros bens.

Ocorre, todavia, que muitos devedores querem procrastinar ainda mais a solução dos processos judiciais (em desrespeito ao devedor, ao Direito, à Justiça, ao senso comum da vida em coletividade). Mesmo tendo dinheiro para o cumprimento já retardado da obrigação, tentam arrastá-la ainda mais, indicando bens (geralmente de pouco valor de mercado ou de difícil e onerosa venda pública) ao invés de efetuar o pagamento.

Antes, sob a proteção do “sigilo bancário” (aqui interpretado equivocadamente), tais devedores conseguiam esconder seus valores em contas bancárias. Um Direito (sigilo bancário) era utilizado de modo abusivo, para gerar, na verdade, o descumprimento de um Dever legal. A proteção do sigilo bancário não deve, jamais, ser meio capaz de permitir outras ilegalidades.

Com a criação do sistema de bloqueio online, em especial nos processos do trabalho, deu-se novo vigor na solução dos feitos em execução. Não pagando espontaneamente o débito reconhecido em sentença, mesmo depois de citado especialmente para isso, o devedor pode ter os valores constantes de suas contas bancárias penhorados pelo juiz do trabalho, para garantir o débito. E veja que o crédito trabalhista, no caso, possui natureza alimentar, pois se trata de verbas salariais, como previsto em lei, ampliando ainda mais a necessidade de se imprimir celeridade no pagamento.

O juiz, ao contrário do que se imagina, não entra na conta bancária do devedor, não vê seu saldo, não confere suas movimentações financeiras. Mesmo por este meio o sigilo bancário é garantido. O juiz apenas, via online, interage com o sistema do Banco Central (Bacen), pelo qual esta instituição, através de meio eletrônico e automático, verifica junto ao sistema bancário nacional se existe alguma conta ou aplicação financeira do respectivo devedor, até o limite do débito judicial. Se houver créditos financeiros em nome do devedor, tal valor será automaticamente bloqueado e transferido à disposição da Justiça. Simples, eficaz e sem quebra de sigilo bancário.

A lógica do sistema não poderia permitir atuação jurisdicional diversa. O devedor que não paga (e tem recursos financeiros para tanto), não pode ser contemplado com ação menos vigorosa por parte do Judiciário. Seria um atentado à cidadania permitir que ele continue utilizando o dinheiro alheio em suas atividades pessoais e ou comerciais, ainda mais quando se trata de um crédito com natureza alimentar. Os riscos da atividade empresarial são do empregador (art. 2º da CLT), até porque os lucros também não são divididos coletivamente. Não pode pretender o empregador-devedor, no entanto, gerir sua atividade empresarial com o dinheiro que reconhecidamente pertence ao trabalhador. Haveria ilógica e injusta inversão do sistema, admitir-se que o crédito trabalhista pudesse ser utilizado para gerir a atividade do empregador, contribuindo com os lucros da empresa.

É até difícil acreditar que alguém defenda publicamente o contrário, na medida em que isso só beneficia os procrastinadores e os que desrespeitam o dever geral de agir conforme a lei e o Direito. A penhora online, portanto, é uma vitória da sociedade, do Judiciário, das pessoas de bem e cumpridoras de seus deveres, que querem ver, cada vez mais triunfar, e sem demora, o Direito e a Justiça.

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