Jogo de palavras

Tire juizado e agressor da lei contra violência doméstica

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2 de outubro de 2006, 7h00

A recentíssima Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, foi editada com o intuito de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e prestar-lhe assistência, reforçando as convenções internacionais das quais o Brasil é signatário. A mesma lei dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e promove alterações nas legislações que especifica.

O presente artigo pretende ensejar a reflexão sobre o acerto na utilização pela lei de dois termos.

Primeiramente, não compreendemos o porquê da designação de juizados para o órgão judiciário que irá processar e julgar as causas decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Com efeito, essa nomenclatura é consagrada pelo artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, “para julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo”. Ora, a Lei 11.340/06 proibiu expressamente a aplicação da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95) em seu artigo 41. Logo, não há razão, ao menos técnica, para manter a denominação juizados.

Ao que parece, foi aproveitada a nomenclatura estabelecida no projeto de lei original (Projeto de Lei 4.559/04), o qual aplicava, com algumas alterações, os dispositivos da Lei 9.099/95.

Melhor nos pareceria que o órgão judiciário competente para julgar as causas decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher tivesse o nome de Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher ao invés de juizados. Oportuno salientar que a criação de Varas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher também era prevista no Projeto de Lei 4.559/04 (artigos 38).

Outra palavra utilizada largamente no texto de lei e que merece nossa crítica é o termo agressor, utilizado para designar o sujeito submetido à investigação policial e posterior processo judicial pela prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Segundo o léxico, agressor é “aquele que agride ou ataca” (Houaiss). Portanto, o legislador valeu-se de uma palavra com clara conotação negativa para designar aquele que será submetido à investigação e processo estatal.

Em nosso entender, esse termo ofende o princípio da presunção de inocência, consagrado na Constituição (artigo 5º, LVII). Esse princípio, que também se aplica ao legislador, estabelece que a pessoa submetida ao procedimento investigatório e ao processo criminal deve ter tratamento de inocente.

De acordo com a lei, para ser considerado agressor, basta que a ofendida indique alguém como tal, prescindível qualquer investigação ou análise judicial. Assim, o marido, o companheiro ou o convivente será considerado, ab initio, agressor, ou seja, parte-se do pressuposto de que agrediu, atacou. Todavia, após o devido processo legal, poderá ser considerado inocente, não-agressor. Data vênia, um completo absurdo.

A designação é em si tendenciosa e, sem qualquer procedimento policial ou judicial, indicativa de culpa. Segundo pensamos, esse termo não deveria nem poderia ser utilizado por qualquer lei. Muito mais adequada seria a utilização da terminologia usual: autor do fato, indiciado, investigado ou réu.

Inegavelmente, a nova lei possui propósito valioso, mas para garantir sua adequação ao ordenamento jurídico, deveria ter esses termos substituídos.

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