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A OAB não é um ente estatal, diz presidente da Ordem

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2 de outubro de 2006, 12h27

Eça de Queiroz, diante de críticas improcedentes e despropositadas, costumava atribuí-las à “má fé cínica ou à obtusidade córnea” de quem as verberava. No caso específico do artigo de Ricardo César Mandarino Barreto, publicado neste Consultor Jurídico, sob o título Passado de Glória não livra OAB do Controle do Estado, atribuo-o a ambas – à má fé cínica e à obtusidade córnea.

Não há outro modo de entender tantas abordagens primárias, mescladas a afirmações intelectualmente desonestas. Uma delas: a de que a OAB quer viver “à margem do controle do Estado”. Ou de que “não pode ser fiscalizada por qualquer instituição”.

Trata-se, como é óbvio, de inverdades – profundas inverdades. Nem que o quisesse, a OAB ou qualquer outra instituição da sociedade civil estaria livre da fiscalização do Estado. O próprio Estado, em suas instâncias mais elevadas, não está imune à sua própria fiscalização.

A OAB, como todas as instituições classistas – e mesmo todas as outras, classistas ou não -, submete-se às leis do país e a todas as instâncias de controle e fiscalização que o Estado dispõe para aferir e cobrar seu cumprimento: Polícia, Justiça, Receita Federal etc.

Uma coisa, porém, é estar sob o controle social do Estado e outra, bem diferente, é tornar-se um ente do Estado. E é disso que trata, com argumentos tortuosos, o referido articulista.

Menciona a ditadura, mas sugere, na essência de seus argumentos, ter saudades dela. Nada melhor para um Estado autoritário que ter sob seu controle as instituições de classe – sobretudo uma classe com a dos advogados, destemida e intelectualmente preparada para reagir a sofismas e manipulações comuns aos ditadores e a seus apaniguados.

Esse, aliás, é o fundamento do fascismo, o regime das corporações, todas sob o abrigo – e o controle absoluto – do Estado.

A OAB não é instituição do Estado. Dele não recebe um centavo. É instituição da sociedade civil, a Casa do Advogado, e é sustentada tão-somente pela contribuição dos advogados.

E é fundamental que assim seja. Os acontecimentos históricos, que o articulista menciona de passagem, buscando minimizá-los em sua grandeza e heroísmo, a partir da citação de outros personagens que dele também fizeram parte, não teriam ocorrido se a OAB fosse um ente do Estado.

Se o fosse, como o quer o articulista, seria possivelmente mais um cabide de empregos de partidos políticos, a gerar despesas para o contribuinte brasileiro e a figurar como mais um penduricalho inútil na vitrine fisiológica do Estado.

Inversamente, como ente da sociedade civil, a OAB opôs-se heroicamente às ditaduras do Estado Novo, de 1937, e ao regime militar de 1964. Lutou pelas diretas já e pela Constituinte. Presentemente, sustenta luta sem quartel em favor da ética e da compostura na vida pública.

É possivelmente essa luta que tanto incomode o articulista. Com certeza, aos protagonistas dos acontecimentos expostos recentemente em três CPIs do Congresso Nacional – a dos Correios, a dos Bingos e a do Mensalão – interessaria muito mais uma OAB estatizada, sob o controle do governante de plantão.

Por que não se empenha o articulista em estatizar o Conselho Federal de Medicina ou o Conselho Federal de Contabilidade? São entidades análogas à OAB – e que, no entanto, pela natureza intrínseca de suas atividades, não incomodam tanto os estatistas viscerais como o articulista.

Não é verdade que apenas uma decisão do antigo Tribunal Federal de Recursos, de 1951, sustente a independência da OAB. Em 6 de junho deste ano, o Supremo Tribunal Federal, em decisão história, reconheceu a autonomina e a independência da OAB ao declarar a inexigência de concurso público para a admissão de seus contratados, reconhecendo ser uma prestadora de serviço público independente, como categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no Direito brasileiro. Repito: 6 de junho de 2006.

O articulista seguramente não desconhece essa decisão da mais alta Corte do país, mas diz, com a maior cara-de-pau, que a independência de nossa instituição sustenta-se em decisão de mais de meio século. Mais uma razão para remetê-lo ao diagnóstico moral com que Eça de Queiroz brindava argumentos tais, de escassa seriedade e baixa consistência. Para dizer o mínimo.

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