Poder presumido

Conselho aprova regras para investigações criminais pelo MP

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2 de outubro de 2006, 21h24

O Conselho Nacional do Ministério Público reafirmou e consolidou nesta segunda-feira (2/10), o poder dos membros da instituição de conduzirem investigação criminal. O CNMP aprovou, por maioria de votos, a resolução proposta pela conselheira e procuradora regional federal Janice Ascari para estabelecer as regras gerais para a instauração e a tramitação dos procedimentos de investigação criminal pelos membros do Ministério Público.

“A resolução vai permitir que se observem normas uniformes para todo o país e resolver o problema de alguns estados que não tinham qualquer tipo de regulamentação do procedimento”, afirmou a autora da resolução, Janice Ascari. A conselheira afirmou, ainda, que um dos principais objetivos da resolução é assegurar que os direitos garantidos ao cidadão pela Constituição de 88 sejam respeitados nas investigações desenvolvidas por membros do MP.

Controvérsia

O poder do Ministério Público de conduzir investigações criminais ainda está pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal, que analisa o caso no Inquérito 1.968. em que o deputado Remi Trinta (PL-MA) é acusado de envolvimento em fraudes contra o Sistema Único de Saúde.

O deputado questiona a investigação feita pelo Ministério Público Federal. Alega que ao MP caberia apenas requisitar diligências e a instauração de inquérito policial.. O julgamento no STF foi suspenso com o pedido de vista do ministro Cezar Peluso, em setembro de 2004.

Os ministros Joaquim Barbosa, Carlos Britto e Eros Grau entenderam que não é exclusividade da polícia a condução das investigações. Já os ministros Marco Aurélio e Nelson Jobim votaram contra o poder investigatório do MP.

Na ocasião, Marco Aurélio esclareceu que o MP, embora titular da ação penal, não tem competência para investigar, diretamente, na esfera criminal, mas apenas para requisitá-las à autoridade policial.

Seis ministros do Supremo, em diferentes oportunidades, já manifestaram sua posição contrária á pretensão investigatória do Ministério Público.

Para a conselheira Janice Ascari, a resolução é um avanço e uma necessidade. Segundo Janice, ainda que o Supremo venha a não reconhecer o poder investigatório do MP, a decisão valerá apenas para o caso em julgamento. A procuradora assegura que apenas uma Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente no Supremo contra o poder investigatório poderá derrubar a resolução aprovada nesta segunda-feira pelo Conselho.

Janice Ascari garante que desde sempre, o Ministério Público não quer ser polícia e tão pouco substituí-la. “O trabalho da polícia é fundamental. A questão é o membro do MP ter regras definidas e limites para conduzir a investigação criminal quando ela for conveniente e necessária”, afirma a procuradora.

Portaria

A aprovação da resolução gerou discussões avançando algumas sessões do Conselho. Na última, em 17 de setembro último, os conselheiros Paulo Prata, Saint Clair Nascimento, Luciano Chagas, Ernando Uchôa e Alberto Cascais pediram vista conjunta.

De todos os conselheiros o único que não concordou com nenhum artigo proposto e se opôs a edição da resolução foi o conselheiro Ernando Uchôa que é representante da advocacia no CNMP.

A resolução foi aprovada sem grandes alterações em relação a que foi proposta pela conselheira Janice. O ponto de destaque que ficou definido na resolução é que o procedimento investigatório criminal será instaurado por portaria fundamentada, devidamente registrada e autuada, com a indicação dos fatos a serem investigados.

Embate de regras

De acordo com o advogado criminalista Leonardo Cica do escritório Ruiz Filho e Kauffman Advogados, essa atribuição não deveria ser regulamentada por meio de uma resolução e sim através de uma mudança no Código de Processo Penal ou na Constituição. “É muito cômodo, e perigoso para todos, que o próprio Ministério Público delimite e coloque regras para seus próprios poderes. Isso é até anti-democrático”, disse.

De acordo com o criminalista, para que fosse feita qualquer resolução nessa área, juízes, advogados e membros do MP deveriam debater sobre as condições e limites. O advogado não defende e nem contesta a atribuição. Para ele a questão pode ser discutida, mas não da forma como foi feita, pelo próprio CNMP.

Leonardo Cica acredita que essa atribuição poderia ser útil na investigação de corrupção e violência policial, por exemplo. Ainda, em sua opinião, o CNMP está atropelando o trabalho do Supremo Tribunal Federal, que não definiu em processo pendente de julgamento se o Ministério Público pode ou não investigar.

Com ele concorda o criminalista José Luís Oliveira Lima, do Oliveira Lima, Hungria, Dall’ Acqua e Furrier Advogados. “A decisão é inócua, não tem nenhuma validade jurídica. Mesmo porque o MP não tem poder nem de legislar e muito menos de decidir. O STF ainda deve apreciar se o MP pode ou não investigar.”


Para o criminalista Ronaldo Marzagão de Advocacia Rocha Barros Sandoval & Ronaldo Marzagão a resolução do CNMP é um avanço. Segundo o advogado enquanto o Supremo Tribunal Federal não decide se reconhece ou não o poder investigatório do MP, é necessário que existam regras mínimas para o procedimento, o que o CNMP tentou com essa resolução. “A questão está sub- judice no Supremo e é necessário que haja um regramento mínimo e cabe ao Ministério Público estabelecer isso”, explica o advogado.

Segundo Marzagão, é preciso assegurar direitos básicos dos cidadãos. “Mesmo sob investigação, o sujeito é um cidadão de direitos. Por isso, essa atitude de regulamentar é uma passo positivo”, afirma. Para Marzagão o poder investigatório do Ministério Público é inconstitucional. “Do ponto de vista constitucional a investigação deve ser conduzida pela polícia judiciária”.

Leia a Resolução

Veja a íntegra da resolução

RESOLUÇÃO N.º 13, DE 02 DE OUTUBRO DE 2006.

Regulamenta o art. 8º da Lei Complementar 75/93 e o art. 26 da Lei n.º 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal, e dá outras providências.

O CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, no exercício das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 130-A, § 2º, inciso I, da Constituição Federal e com fulcro no art. 64-A de seu Regimento Interno,

Considerando o disposto no artigo 127, “caput” e artigo 129, incisos I , II, VIII e IX, da Constituição Federal,

Considerando o que dispõem o art. 8° da Lei Complementar n.º 75/93, o art. 26 da Lei n.º 8.625/93 e o art. 4º, parágrafo único, do Código de Processo Penal;

Considerando a necessidade de regulamentar no âmbito do Ministério Público, a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal;

R E S O L V E:

Capítulo I

DA DEFINIÇÃO E FINALIDADE

Art. 1º – O procedimento investigatório criminal é instrumento de natureza administrativa e inquisitorial, instaurado e presidido pelo membro do Ministério Público com atribuição criminal, e terá como finalidade apurar a ocorrência de infrações penais de natureza pública, servindo como preparação e embasamento para o juízo de propositura, ou não, da respectiva ação penal.

Parágrafo único. O procedimento investigatório criminal não é condição de procedibilidade ou pressuposto processual para o ajuizamento de ação penal e não exclui a possibilidade de formalização de investigação por outros órgãos legitimados da Administração Pública.

Capítulo II

DA INSTAURAÇÃO

Art. 2º – Em poder de quaisquer peças de informação, o membro do Ministério Público poderá:

I – promover a ação penal cabível;

II – instaurar procedimento investigatório criminal;

III – encaminhar as peças para o Juizado Especial Criminal, caso a infração seja de menor potencial ofensivo;

IV – promover fundamentadamente o respectivo arquivamento;

V – requisitar a instauração de inquérito policial.

Art. 3º – O procedimento investigatório criminal poderá ser instaurado de ofício, por membro do Ministério Público, no âmbito de suas atribuições criminais, ao tomar conhecimento de infração penal, por qualquer meio, ainda que informal, ou mediante provocação.

§ 1º – O procedimento deverá ser instaurado sempre que houver determinação do Procurador-Geral da República, do Procurador-Geral de Justiça ou do Procurador-Geral de Justiça Militar, diretamente ou por delegação, nos moldes da lei, em caso de discordância da promoção de arquivamento de peças de informação.

§ 2º – A designação a que se refere o § 1º deverá recair sobre membro do Ministério Público diverso daquele que promoveu o arquivamento.

§ 3º – A distribuição de peças de informação deverá observar as regras internas previstas no sistema de divisão de serviços.

§ 4º – No caso de instauração de ofício, o membro do Ministério Público poderá prosseguir na presidência do procedimento investigatório criminal até a distribuição da denúncia ou promoção de arquivamento em juízo.

§ 5º – O membro do Ministério Público, no exercício de suas atribuições criminais, deverá dar andamento, no prazo de 30 (trinta) dias a contar de seu recebimento, às representações, requerimentos, petições e peças de informação que lhes sejam encaminhadas.

§ 6º – O procedimento investigatório criminal poderá ser instaurado por grupo de atuação especial composto por membros do Ministério Público, cabendo sua presidência àquele que o ato de instauração designar.

Art. 4º – O procedimento investigatório criminal será instaurado por portaria fundamentada, devidamente registrada e autuada, com a indicação dos fatos a serem investigados e deverá conter, sempre que possível, o nome e a qualificação do autor da representação e a determinação das diligências iniciais.


Parágrafo único. Se, durante a instrução do procedimento investigatório criminal, for constatada a necessidade de investigação de outros fatos, o membro do Ministério Público poderá aditar a portaria inicial ou determinar a extração de peças para instauração de outro procedimento.

Art. 5º – Da instauração do procedimento investigatório criminal far-se-á comunicação imediata e escrita ao Procurador-Geral da República, Procurador-Geral de Justiça, Procurador-Geral de Justiça Militar ou ao órgão a quem incumbir por delegação, nos termos da lei.

Capítulo III

DA INSTRUÇÃO

Art. 6º – Sem prejuízo de outras providências inerentes à sua atribuição funcional e legalmente previstas, o membro do Ministério Público, na condução das investigações, poderá:

I – fazer ou determinar vistorias, inspeções e quaisquer outras diligências;

II – requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades, órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

III – requisitar informações e documentos de entidades privadas, inclusive de natureza cadastral;

IV – notificar testemunhas e vítimas e requisitar sua condução coercitiva, nos casos de ausência injustificada, ressalvadas as prerrogativas legais;

V – acompanhar buscas e apreensões deferidas pela autoridade judiciária;

VI – acompanhar cumprimento de mandados de prisão preventiva ou temporária deferidas pela autoridade judiciária;

VII – expedir notificações e intimações necessárias;

VIII- realizar oitivas para colheita de informações e esclarecimentos;

IX – ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública;

X – requisitar auxílio de força policial.

§ 1º – Nenhuma autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de função pública poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido.

§ 2º – O prazo mínimo para resposta às requisições do Ministério Público será de 10 (dez) dias úteis, a contar do recebimento, salvo hipótese justificada de relevância e urgência e em casos de complementação de informações.

§ 3º – Ressalvadas as hipóteses de urgência, as notificações para comparecimento devem ser efetivadas com antecedência mínima de 48 horas, respeitadas, em qualquer caso, as prerrogativas legais pertinentes.

§ 4º – A notificação deverá mencionar o fato investigado, salvo na hipótese de decretação de sigilo, e a faculdade do notificado de se fazer acompanhar por advogado.

§ 5º – As correspondências, notificações, requisições e intimações do Ministério Público quando tiverem como destinatário o Presidente da República, o Vice-Presidente da República, membro do Congresso Nacional, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ministro de Estado, Ministro de Tribunal Superior, Ministro do Tribunal de Contas da União ou chefe de missão diplomática de caráter permanente serão encaminhadas e levadas a efeito pelo Procurador-Geral da República ou outro órgão do Ministério Público a quem essa atribuição seja delegada.

§ 6º – As notificações e requisições previstas neste artigo, quando tiverem como destinatários o Governador do Estado os membros do Poder Legislativo e os desembargadores, serão encaminhadas pelo Procurador-Geral de Justiça.

§ 7º – As autoridades referidas nos parágrafos 5º e 6º poderão fixar data, hora e local em que puderem ser ouvidas, se for o caso.

§ 8º – O membro do Ministério Público será responsável pelo uso indevido das informações e documentos que requisitar, inclusive nas hipóteses legais de sigilo.

Art. 7º – O autor do fato investigado será notificado a apresentar, querendo, as informações que considerar adequadas, facultado o acompanhamento por advogado.

Art. 8º – As diligências serão documentadas em auto circunstanciado.

Art. 9º – As declarações e depoimentos serão tomados por termo, podendo ser utilizados recursos audio-visuais.

Art. 10 – As diligências que devam ser realizadas fora dos limites territoriais da unidade em que se realizar a investigação, serão deprecadas ao respectivo órgão do Ministério Público local, podendo o membro do Ministério Público deprecante acompanhar a(s) diligência(s), com a anuência do membro deprecado.

§ 1º A deprecação poderá ser feita por qualquer meio hábil de comunicação, devendo ser formalizada nos autos.

§ 2º O disposto neste artigo não obsta a requisição de informações, documentos, vistorias, perícias a órgãos sediados em localidade diversa daquela em que lotado o membro do Ministério Público.


Art. 11 – A pedido da pessoa interessada será fornecida comprovação escrita de comparecimento.

Art. 12 – O procedimento investigatório criminal deverá ser concluído no prazo de 90 (noventa) dias, permitidas, por igual período, prorrogações sucessivas, por decisão fundamentada do membro do Ministério Público responsável pela sua condução.

§ 1º – Cada unidade do Ministério Público, manterá, para conhecimento dos órgãos superiores, controle atualizado, preferencialmente por meio eletrônico, do andamento de seus procedimentos investigatórios criminais.

§ 2º – O controle referido no parágrafo anterior poderá ter nível de acesso restrito ao Procurador-Geral da República, Procurador-Geral de Justiça ou Procurador-Geral de Justiça Militar, mediante justificativa lançada nos autos.

Capítulo IV

DA PUBLICIDADE

Art. 13 – Os atos e peças do procedimento investigatório criminal são públicos, nos termos desta Resolução, salvo disposição legal em contrário ou por razões de interesse público ou conveniência da investigação.

Parágrafo único. A publicidade consistirá:

I – na expedição de certidão, mediante requerimento do investigado, da vítima ou seu representante legal, do Poder Judiciário, do Ministério Público ou de terceiro diretamente interessado;

II – no deferimento de pedidos de vista ou de extração de cópias, desde que realizados de forma fundamentada pelas pessoas referidas no inciso I ou a seus advogados ou procuradores com poderes específicos, ressalvadas as hipóteses de sigilo;

III – na prestação de informações ao público em geral, a critério do presidente do procedimento investigatório criminal, observados o princípio da presunção de inocência e as hipóteses legais de sigilo.

Art. 14 – O presidente do procedimento investigatório criminal poderá decretar o sigilo das investigações, no todo ou em parte, por decisão fundamentada, quando a elucidação do fato ou interesse público exigir; garantida ao investigado a obtenção, por cópia autenticada, de depoimento que tenha prestado e dos atos de que tenha, pessoalmente, participado.

Capítulo V

DA CONCLUSÃO E DO ARQUIVAMENTO

Art. 15 – Se o membro do Ministério Público responsável pelo procedimento investigatório criminal se convencer da inexistência de fundamento para a propositura de ação penal pública, promoverá o arquivamento dos autos ou das peças de informação, fazendo-o fundamentadamente.

Parágrafo único. A promoção de arquivamento será apresentada ao juízo competente, nos moldes do art.28 do CPP, ou ao órgão superior interno responsável por sua apreciação, nos termos da legislação vigente.

Art. 16 – Se houver notícia de outras provas novas, poderá o membro do Ministério Público requerer o desarquivamento dos autos, providenciando-se a comunicação a que se refere o artigo 5º desta Resolução.

Capítulo VI

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS

Art. 17 – No procedimento investigatório criminal serão observados os direitos e garantias individuais consagrados na Constituição da República Federativa do Brasil. aplicando-se, no que couber, as normas do Código de Processo Penal e a legislação especial pertinente.

Art. 18 – Os órgãos do Ministério Público deverão promover a adequação dos procedimentos de investigação em curso aos termos da presente Resolução, no prazo de 90 (noventa) dias a partir de sua entrada em vigor.

Art. 19 – Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 02 de outubro de 2006.

ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA

PRESIDENTE

(Texto atualizado com a versão definitiva da resolução)

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