Compra do dossiê

Ricardo Berzoini apresenta defesa no TSE contra investigação

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2 de outubro de 2006, 17h35

Processar alguém com base em notícias veiculadas pela imprensa é brincar com o Judiciário, com a segurança jurídica e com a legalidade. Esse é um dos argumentos apresentados ao Tribunal Superior Eleitoral pela defesa de Ricardo Berzoini, presidente nacional do PT, em relação à representação ajuizada pelo PSDB. Berzoini é acusado de envolvimento na compra do dossiê que liga o novo governador de São Paulo, o tucano José Serra, de ter participação na máfia dos sanguessugas.

Na ação, também foram citados o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, o ex-assessor presidencial Freud Godoy e os filiados ao PT, Gedimar Passos e Valdebran Padilha. Todos os citados são acusados de envolvimento na compra e venda do dossiê produzido pelo empresário Luiz Vedoin. Eles também são acusados de abuso de poder político e econômico para beneficiar a campanha de Lula à reeleição.

O principal argumento usado pelos advogados de Berzoini, do escritório Maimoni Advogados Associados, é que a representação não descreve e nem traz provas sobre o ilícito praticado por ele. “Na hipótese dos autos, busca a coligação representante, de modo temerário, descrever uma série de fatos supostamente delituosos, citando, para isso, apenas matérias jornalísticas e sem indicar exatamente onde residiria a materialidade e autoria e, muito menos, a culpabilidade, por mínima que seja, do representado.”

Além disso, a defesa sustenta que a decisão deixou de verificar os requisitos formais para se aceitar um pedido de investigação. Por isso, pede que a representação seja declara inepta. “O resultado, como não poderia deixar de ser, é impreciso, vago, indeterminado, omisso e ambíguo, o que impossibilita a defesa do representado e faz incidir a inépcia da inicial”, alfinetam os advogados.

Leia a defesa

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO CORREGEDOR-GERAL ELEITORAL DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL.

Representação nº 1176

RICARDO JOSÉ RIBEIRO BERZOINI, brasileiro, casado, bancário, atualmente no exercício de mandato de deputado federal, portador do RG n.º 124.702.685-SSP/SP com endereço em Brasília-DF, na Câmara dos Deputados, Anexo IV, Gabinete n.º 344, fone (61) 3215-5344, por seu advogado, infra-assinado, nos Autos da Representação em epígrafe, movida pela Coligação Por Um Brasil Decente (PSDB/PFL), vem, tempestivamente, perante Vossa Excelência, nos termos do art. 22, I, “a”, da Lei Complementar n.º 64/90, apresentar DEFESA pelas razões de fato e de direito a seguir expostas:

I — PRELIMINARMENTE — INÉPCIA DA INICIAL

Na hipótese dos Autos, busca a Coligação Representante, de modo temerário, descrever uma série de fatos supostamente delituosos, citando, para isso, apenas matérias jornalísticas e sem indicar exatamente onde residiria a materialidade e autoria e, muito menos, a culpabilidade, por mínima que seja, do Representado.

O resultado, como não poderia deixar de ser, é impreciso, vago, indeterminado, omisso e ambíguo, o que impossibilita a defesa do Representado e faz incidir a inépcia da inicial.

Deixou a Representação de apontar as provas, indícios e circunstâncias que levaram a Coligação a representar contra o Representado.

O artigo 22 da LC 64/90, diz que a representação deve conter fatos, provas, indícios e circunstâncias, deixando claro que tais requisitos são cumulativos e que devem, obrigatoriamente, estarem todos presentes na petição inaugural da Representação.

No caso da representação não obedecer aos requisitos cumulativos determinados pelo caput do artigo 22 da LC 64/90, deve ser aplicada a alínea “c”, do inciso I, do citado artigo, verbis:

“I — o Corregedor, que terá as mesmas atribuições do Relator em processos judiciais, ao despachar a inicial, adotará as seguintes providências:

c) indeferirá desde logo a inicial, quando não for caso de representação ou lhe faltar algum requisito desta lei complementar;” (g.n.)

Estipula a LC 64/90, juízo de admissibilidade que leve em conta a verificação dos requisitos formais de lei, quais sejam: relato de fatos, indicação de provas, indícios e circunstâncias e o pedido de abertura de investigação.

Deve o mencionado juízo verificar se o pedido baseia-se, ainda, em fatos que digam respeito ao uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, a utilização de veículos ou meios de comunicação social em benefício de candidato ou de partido político e as transgressões relativas à origem de valores pecuniários, quando em detrimento da liberdade do voto.

Contrariamente ao disposto na lei, a Coligação Representante não faz, em momento algum, a descrição do fato delituoso que o Representado teria praticado. Sequer individualiza o ilícito praticado pelo ora Representado. Ao contrário. Em toda peça vestibular, limita-se apenas a afirmar, e em apenas duas ocasiões, que o Representado deveria estar necessariamente envolvido pelo simples e único fato de ser ele o Presidente do Partido dos Trabalhadores. In verbis:


“A gravidade e relevância da operação abortada, em parte, pela Polícia Federal, indicam o envolvimento necessário do Presidente nacional da agremiação, o terceiro representado RICARDO JOSÉ RIBEIRO BERZOINI.

(…)

Na hipótese vertente, o estrépito da campanha negativa que se pretendia conferir contra o candidato da Coligação representante — afirma-se que houve, inclusive, pagamento feito a uma revista semanal (doc. anexo) — denota o necessário envolvimento do dirigente maior do Partido. Durante a instrução, com certeza, tal aspecto será elucidado.”

A decisão interlocutória que recebeu o pedido de investigação, data venia, olvidou-se da verificação dos requisitos formais da representação relativos ao Representado. Matéria de ordem pública não preclusiva, a ausência dos requisitos da ação retira o ensejo de processamento da investigação em face do Representado e impõe a extinção da investigação do Representado.

A Ação Judicial Eleitoral — AJE é procedimento similar à queixa. Isto porque, como esta, a AJE é uma peça acusatória, iniciadora de uma ação com a exposição de fatos que constituem, em tese, ilícito, com a manifestação expressa da vontade de que se aplique a lei a quem é presumivelmente seu autor e a indicação das provas em que se alicerça a pretensão punitiva. Deve, portanto, seguir os requisitos estabelecidos no art. 41 do Código de Processo Penal.

É processo cognitivo com natureza decisória desconstitutiva e declaratória, através do qual se verificará a culpabilidade, materialidade e autoria. Assim como a queixa, é inepta a Representação que faz a descrição do fato delituoso de forma imprecisa, vaga, indeterminada, omissa ou ambígua, que impossibilite a defesa do Representado, afrontando, portanto, o direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa.

Exige-se, em Representações como a presente, que haja provas pré-constituídas, ou, pelo menos, indícios e circunstâncias concretas que anotem autoria e materialidade. Ainda mais ante o sumário procedimento da investigação, que possui dilação probatória limitada e prazo de alegações finais de apenas dois dias.

Nesse sentido, a diferença dos prazos estabelecidos na LC 64/90 para a defesa do Representado em dois momentos distintos é um ponto fundamental a demonstrar a necessidade de constituição prévia de prova.

É que fixa o art. 22 que o investigado tem cinco dias para se defender após a notificação e dois dias para a defesa após a limitada dilação probatória. Um prazo maior no início e um prazo menor ao final.

Tal característica demonstra que o investigado deve defender-se completa e principalmente depois da notificação inicial, servindo as alegações finais para manifestação complementar em razão de eventual instrução processual. Para tanto, a peça exordial deve conter todos os requisitos acusatórios, mesmo que apenas indiciários da autoria e materialidade.

Daí a conclusão do sentido e desejo da lei que, ao estabelecer procedimento sumário de investigação, exigiu do Representante a constituição prévia de prova com elementos concretos indiciários da materialidade e da autoria.

A justificar o trancamento de ações penais, o Supremo Tribunal Federal têm entendido ilegal e abusivo a continuidade da persecução penal quando ausentes os elementos indiciários demonstrativos da autoria e da prova da materialidade (STF, HC 84.776, HC 80.964, HC 81.517 e HC 82.393). Veja-se o seguinte aresto:

“O processo penal do tipo acusatório repele, por ofensivas à garantia da plenitude de defesa, quaisquer imputações que se demonstrem vagas, indeterminadas, omissas ou ambíguas. Existe, na perspectiva dos princípios constitucionais que regem o processo penal, entre a obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa e juridicamente apta e o direito individual de que dispõe o acusado à ampla defesa. A imputação penal omissa ou deficiente, além de constituir transgressão do dever jurídico que se impõe ao Estado, qualifica-se como causa de nulidade absoluta.” (STF – HC 70763/DF – 1ª Turma – Rel. Min. CELSO DE MELLO – DJ 23/09/1994) (g.n.)

É inepta, ainda, a Representação que, em se tratando de concurso de agentes, deixa de especificar, de individualizar a conduta, em tese, ilícita, de cada um dos Representados. FERNANDO CAPEZ , explica que “a peça acusatória não pode, a pretexto de ser genérica, omitir os mais elementares requisitos que demonstrem estar presentes as indispensáveis condições para a causa petendi. A atenuação do rigorismo do art. 41 do Código de Processo Penal não implica admitir-se denúncia que nem de longe demonstre a ação ou omissão praticada pelos agentes, o nexo de causalidade com o resultado danoso ou qualquer elemento indiciário de culpabilidade (nesse sentido, STJ – HC 3335-3 — 1ª Turma — Rel. Min. CID FLAQUER SCARTZZINI — DJ 07/10/1995)” (g.n.)


Desta forma, ante as razões expostas, requer seja acolhida a preliminar de inépcia da inicial para que seja julgada extinta a presente representação sem julgamento do mérito em relação ao Representado.

II — MÉRITO

Embora esta Representação tramite conforme Lei e Justiça próprias e especiais, é de suma importância saber se os fatos que estão sendo averiguados pela Justiça Comum são puníveis como crimes em sentido estrito.

A Representação tenta envolver o Representado na prática de um suposto ilícito penal, ao fazer ilações desprovidas de qualquer prova, indício e circunstância.

Segundo narra a Representante, com apoio em matérias de vários jornais, foram presas na Capital Paulista duas pessoas com quantia em dinheiro, sendo que uma delas seria filiada ao PT.

Não se sabe até o momento, mesmo porque a notificação da presente representação não veio acompanhada de cópia do inquérito policial, qual seria o motivo da prisão das pessoas relacionadas na Inicial ou por qual ilícito estariam sendo investigados.

A imprensa brasileira explorou amplamente uma suposta compra de um “dossiê”, impingindo como crime tal atitude. Entretanto, no ordenamento jurídico brasileiro não há a conduta típica descrita nas matérias jornalísticas que serviram de apoio a esta temerária Representação. Por outro lado, além de ausentes os requisitos para a investigação, os fatos imputados ao Representado são absolutamente inverídicos.

Não é verdade que tenha o Representado conhecimento prévio dos fatos narrados na exordial. O Representado não é o autor dos supostas condutas inquinadas erroneamente de ilícitas. Não emanou dele nenhuma ordem ou comando e não teve ele participação, sequer indireta, com os fatos mal narrados pela peça acusatória.

Como se verifica, conforme dito acima, a Representação limita-se apenas a fazer ilações sobre a participação do Representado a partir de uma premissa jurídica não aplicável ao caso, a da responsabilidade objetiva, apenas por ser o Representado o presidente de um Partido.Ora, o tipo da responsabilidade aplicável, neste caso, é a subjetiva, exigindo a verificação do grau da culpabilidade.

A potencialidade ou virtualidade lesiva das eventuais condutas do Representado deveriam ser verificadas por fatos concretos, casuisticamente, de modo a se avaliar objetivamente seu grau de culpabilidade e autoria.

E, nesse sentido, das ilações ou das reportagens colacionadas não há sequer indício ou circunstância de que o Representado tenha realizado ou participado de qualquer ilicitude.

Desta forma, pela ausência de requisitos legais a ensejar a investigação, pela ausência de válidos e concretos elementos de prova da prática das condutas e também pelos inconsistentes indícios ou provas, a Representação não rompe o princípio da presunção da inocência e do adágio segundo o qual “a prova cabe a quem alega”, conforme disposto no art. 333 do CPC. Nesse sentido, traz-se à colação a decisão proferida pelo TSE no Respe 17965 (Rel. Min. NELSON JOBIM – DJ 29/03/2001), onde ficou assente não se admitir a presunção da responsabilidade. Destarte, para a Representante permanece o ônus de provar o que alegou.

No caso em concreto, há total ausência de provas que demonstrariam a tipicidade da conduta do Representado. O Representado está sendo injustificadamente arrolado na presente Reclamação, posto que em nada contribuiu ou teve participação nos episódios narrados na inicial. Há que se verificar ainda o requisito de potencialidade do fato ao ponto de influenciar no resultado eleitoral. O candidato à Presidente pelo Partido dos Trabalhadores sempre esteve à frente nas pesquisas eleitorais. Desta forma, não é crível a influência positiva do evento no resultado das eleições, posto que em nada os fatos narrados na Representação ajudariam o candidato à presidência do PT.

III — DA APLICAÇÃO DO ART. 25 DA LC 64/90

Processar alguém com base em notícias veiculadas pela imprensa é brincar com o Judiciário, com a segurança jurídica e com a legalidade. É atribuir inconsequentemente a pecha de anormalidade no pleito eleitoral, em detrimento das instituições, dos partidos políticos e da própria democracia.

Não se pode admitir, por conta da disputa eleitoral, que seja maculada a honra de pessoas, de partidos e instituições sem qualquer prova, indício e circunstância. Em realidade, a presente Representação foi apresentada única e exclusivamente em decorrência da disputa eleitoral com o intuito de tumultuar o pleito que se avizinha. Tal atitude deve de pronto ser repelida.

A Justiça não pode ser utilizada como instrumento de ameaça ou achaque, porque os fins não justificam os meios. A urdidura leviana e eleitoreira que culminou na presente Representação contra o Representado está tipificada art. 25 da LC 64/90, o qual requer a aplicação em face dos seus responsáveis, eis que assevera:

“Art. 25. Constitui crime eleitoral a argüição de inelegibilidade, ou a impugnação de registro de candidato feito por interferência do poder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade, deduzida de forma temerária ou de manifesta má-fé:

Pena: detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois)anos, e multa de 20 (vinte) a 50 (cinqüenta) vezes o valor do Bônus do Tesouro Nacional (BTN) e, no caso de sua extinção, de título público que o substitua.”

IV — DOS PEDIDOS

Por todo o exposto, requer:

a) seja julgada inepta a petição inicial, sem julgamento do mérito, com o conseqüente arquivamento da presente Representação;

b) caso não seja esse o entendimento de V. Exa., no mérito requer a improcedência da Representação em face do Representado, eis que ausente qualquer indício de materialidade ou autoria;

c) sejam os responsáveis pela Representação apenados com base no art. 25 da LC 64/90;

d) sejam produzidas todas as provas em direito admitidas;

e) seja aberto novo prazo para defesa, posto que a notificação do Representado não veio acompanhada de todos os documentos que estão instruindo a Representação, em especial após a juntada de cópia do inquérito policial, conforme requerido pela Representante.

Brasília, 30 de setembro de 2006.

ALEXANDRE BRANDÃO HENRIQUES MAIMONI

OAB/DF 16.022

ALVARO BRANDÃO HENRIQUES MAIMONI

OAB/DF 18.391

ALBERTO BRANDÃO HENRIQUES MAIMONI

OAB/DF 21.144

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