Filtragem de litígios

Antes de ir à Justiça, empregado deve passar por conciliação

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29 de novembro de 2006, 13h37

Empregados devem se submeter à Comissão de Conciliação Prévia quando ela existir para, pelo menos, tentar resolver um assunto pendente com a empresa. Se não concordar com a proposta, aí sim recorre ao Judiciário. O entendimento foi manifestado na Seção Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, que julgou pela primeira vez um processo que discutia a obrigatoriedade de se submeter demandas trabalhistas à conciliação prévia.

Por maioria de votos, a SDI-1 rejeitou recurso de um trabalhador contra decisão da 4ª Turma do TST, que extinguiu o processo sem julgamento do mérito. O relator do recuso, ministro Carlos Alberto Reis de Paula, afirmou que o artigo 625-D da CLT prevê expressamente que “qualquer demanda trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria”.

A reclamação trabalhista foi ajuizada por um ex-empregado da empresa Memoconta Engenharia de Automação. Contratado como consultor comercial, ele recebia por meio de RPA (Recibo de Pagamento de Autônomo), sem carteira assinada. Ao se desligar da empresa, pediu na Justiça do Trabalho o reconhecimento do vínculo de emprego e seus reflexos. Alegou não haver ainda Comissão de Conciliação Prévia no âmbito tanto da empresa quanto do sindicato da categoria.

Em sua defesa, a empresa afirmou que, no sindicato ao qual seus trabalhadores estavam vinculados – o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo –, havia o Núcleo Intersindical de Conciliação Prévia, e apresentou, como prova, várias cartas de convocação para tentativas de conciliação em demandas apresentadas por outros empregados.

A 4ª Vara do Trabalho de São Paulo reconheceu o vínculo de emprego. Sobre a conciliação prévia, entendeu que a CLT “prevê uma faculdade, e não uma obrigatoriedade” quanto ao comparecimento à comissão. “Há de ser respeitada a vontade do empregado de não querer se conciliar com a empresa, ou de recorrer diretamente ao Poder Judiciário”, afirmou a sentença. O entendimento foi mantido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, São Paulo, no julgamento do recurso ordinário.

A Memoconta recorreu então ao TST. A 4ª Turma extinguiu o processo sem julgamento do mérito. A Turma entendeu que, de acordo com a nova redação do artigo 625-D, parágrafos 2º e 3º da CLT, introduzidos pela Lei 9.958/2000 — que instituiu as Comissões de Conciliação Prévia, a submissão da demanda à comissão é obrigatória, e não facultativa.

Inconformado, o ex-empregado entrou com Recurso de Revista para a SDI-1. Sua alegação principal foi a de que a exigência da passagem pela comissão viola o artigo 5º , inciso XXXV da Constituição Federal, que garante o livre acesso ao Judiciário.

Posições no TST

O ministro Carlos Alberto, porém, confirmou o entendimento da 4ª Turma ao afirmar que a submissão do litígio à comissão “é pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, sem o qual deve-se extinguir o processo, sem julgamento do mérito, porque alçado a uma nova condição de ação”.

Ele afastou, ainda, a alegação de obstáculo ao acesso à Justiça, explicando que o que se exige é que, antes de ir a juízo apresentar sua reclamação, o empregado deve recorrer à comissão, se ela existir. “O empregado tem a liberdade de aceitar ou não a proposta que ponha fim ao conflito. Frustrada a tentativa de conciliação, abre-se-lhe o caminho de acesso ao Judiciário”, concluiu.

Na sessão que julgou os embargos, vários ministros se manifestaram a respeito do tema. O ministro Horácio de Senna Pires abriu divergência adotando entendimento semelhante ao da Vara do Trabalho e do TRT de São Paulo e foi seguido pela ministra Rosa Maria Weber.

O ministro Rider Nogueira de Brito, vice-presidente do TST no exercício da presidência, participou da comissão que elaborou o primeiro projeto apresentado ao Congresso Nacional sobre o tema.

Presidindo a SDI-1 durante o julgamento dos embargos, ele lembrou que o que motivou o projeto, e posteriormente a lei, foi o elevadíssimo número de processos trabalhistas. “A cultura de levar sempre o conflito a um juiz precisa ser mudada, para que não haja a falência do próprio sistema jurisdicional”, alertou.

“A posição que esta corte adota, nesta sessão, é absolutamente fundamental, como indicativo de como as partes devem se comportar. Espero que se sedimente esta orientação, e que trabalhadores e sindicatos saibam que não podem vir diretamente à Justiça do Trabalho, que têm que fazer a parte deles e tentar uma solução perante uma comissão”, ressaltou o ministro Rider,

O ministro João Oreste Dalazen destacou a tendência, no Direito comparado, de adoção de mecanismos alternativos à solução judicial dos litígios, sobretudo os trabalhistas, citando os exemplos da Argentina e da Espanha. “Se isso se fez necessário em outros países, em que a demanda trabalhista não é tão intensa, o que dizer do nosso país, em que recebemos quase dois milhões de novos processos trabalhistas a cada ano?”, questionou.

“É evidente a necessidade das Comissões de Conciliação Prévia como mecanismo para uma certa filtragem dos litígios. A adoção de tese contrária leva à declaração da inutilidade das comissões”, ressaltou.

Para o ministro João Batista Brito Pereira, “esse órgão de conciliação anterior é uma garantia para o empregador e para o trabalhador, uma vez que mais de 80% das reclamações trabalhistas são conciliadas. Em vez de se conciliar em juízo, concilia-se administrativamente, o que sem dúvida nenhuma é menos oneroso, menos traumático”.

E-ED-RR 1070/2002-004-02-00.0

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