A advocacia e o crime

OAB Nacional quer julgar advogados envolvidos com crime

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29 de novembro de 2006, 18h55

Os advogados envolvidos com o crime organizado poderão ser punidos administrativamente com mais rigor e de maneira mais rápida. É o que prevê o Projeto de Lei 266/06, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado nesta quarta-feira (28/11).

A proposta é transferir para o Conselho Federal da OAB o poder de suspender preventivamente, processar e julgar administrativamente os advogados acusados de faltas de repercussão nacional, que manchem a imagem da advocacia, ou de delitos interestaduais. Atualmente, esse julgamento é feito pelas seccionais. O texto segue, agora, para análise do plenário do Senado.

Nas justificativas, os argumentos são de que, devido à grande quantidade de processos disciplinares e os trâmites burocráticos, a agilidade acaba não sendo o ponto forte das seccionais. “Nas seccionais com elevado número de inscritos, dificilmente um processo disciplinar será julgado em menos de três anos.”

Para o Conselho Federal, o projeto é uma resposta “às exigências da cidadania, à confiança histórica depositada na OAB e ao prestígio da instituição”. O anteprojeto foi elaborado pela Ordem dos Advogados numa clara tentativa de limpar a imagem da advocacia, tão manchada depois de que advogados foram acusados de colaborar com o crime organizado.

“Diante do quadro atual, até no seio da OAB há quem admita existir expressiva parcela de advogados que descumprem deveres profissionais para comungar com a delinqüência”, diz a justificativa do projeto, apresentado ao Senado pelo senador Álvaro Dias (PTB-RR). Na CCJ, o relator foi o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR).

Para o presidente da OAB nacional, Roberto Busato, a alteração, que deve ser feita no Estatuto da Advocacia, é fundamental para punir “aqueles delinqüentes que se travestem de advogados”.

Veja o projeto

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 266, DE 2006

Altera e acrescenta artigos à Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no que diz respeito ao processo disciplinar.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º O art. 54 da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso:

“Art. 54. …………………………………………

IX-A – julgar processos ético-disciplinares, nos termos dos artigos 70-A e 70-B.”

Art. 2º O art. 70 da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 70. O poder de punir disciplinarmente os inscritos na OAB compete, exclusivamente, ao Conselho Seccional em cuja base territorial tenha ocorrido a infração.

……………………………………………………..

§ 3º O Tribunal de Ética e Disciplina do Conselho seccional competente para punir disciplinarmente pode, preventivamente, suspender o acusado, em caso de repercussão prejudicial à dignidade da advocacia, depois de ouvi-lo em sessão especial.

§ 4º O acusado será notificado para comparecer à sessão especial de que trata o § 3º deste artigo, podendo apresentar oralmente a sua defesa.

§ 5º Em caso de não atendimento à notificação, poderá o Tribunal aplicar diretamente a suspensão preventiva.

§ 6º A suspensão preventiva será imediatamente comunicada ao Conselho Seccional onde o advogado tenha inscrição principal e suplementar, para constar dos respectivos assentamentos.

§ 7º O processo disciplinar de que trata este artigo deve ser concluído no prazo máximo de noventa dias (NR).”

Art. 3º A Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 70-A e 70-B:

“Art. 70-A. Ao Conselho Federal compete processar e julgar, originariamente, as faltas perante ele cometidas, ou imputadas a membro de sua Diretoria, a Conselheiro Federal ou a Presidente de Conselho Seccional.

Art. 70-B. O Conselho Federal, de ofício ou mediante solicitação de qualquer Conselho Seccional, poderá instaurar, com competência decisória, processos disciplinares relativos à infração que tenha repercussão sobre a dignidade da advocacia e que ultrapasse a base territorial do Conselho Seccional em que praticada.

§ 1º Nos casos previstos neste artigo, o Conselho Federal poderá suspender preventivamente o advogado, até a decisão final, observando-se, no que couber, o disposto nos §§ 2º, 4º 5º e 6º do art. 70.

§ 2º A instauração do processo disciplinar pelo Conselho Federal obstará iniciativa análoga do Conselho Seccional da base territorial de ocorrência da infração, e implicará o deslocamento de competência para aquele Conselho, se já instaurado”.

Art. 4º, Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.

Justificação

Tendo em vista o teor do Processo no 42, de 2006, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no qual é proposta, ao Conselho Pleno da Entidade, a reforma do art. 70 do Estatuto da Advocacia, com vistas ao aperfeiçoamento dos instrumentos normativos concernentes à competência ético-disciplinar, vislumbramos a oportunidade da presente medida, que estabelece a possibilidade de suspensão preventiva do advogado cuja falta atente contra a dignidade da Advocacia.


A proposta tem em mira, sobretudo, evitar a contaminação da Advocacia pela insegurança criada pelo “crime organizado”, que promove a percepção de que a guerra travada entre as instituições e a criminalidade tem reduzido o poder do Estado, já havendo atingido a categoria dos advogados.

Tal percepção social é danosa à imagem da profissão, historicamente honrada. Com efeito, diante do quadro atual, até no seio da OAB há quem admita existir expressiva parcela de advogados que descumprem deveres profissionais para comungar com a delinqüência.

Os desvios de conduta têm sido reprimidos com o rigor e a celeridade possíveis, sem, contudo, sacrificar o devido processo legal e o respeito à presunção da inocência. Todavia, o volume de processos dessa natureza, aliado à dificuldade de controle das práticas inaceitáveis, comprometem a eficácia das medidas punitivas.

De fato, a mensagem que chega à sociedade é de que a OAB atua com leniência ante a patologia profissional, o que acarreta comprometimento do prestígio da Advocacia e o desgaste da Instituição, tão presente na história do País, por sua atuação intransigente contra a ofensa ao Estado de Direito.

Diante dessas constatações, vê-se que o art. 70 do Estatuto da Advocacia, nada obstante ter inovado a ordem jurídica, ao atribuir competência aos Conselhos Seccionais para processar e julgar os inscritos na Ordem, nos casos de infração disciplinar (salvo se cometida perante o Conselho Federal), já não mais permite o controle rígido dos desvios profissionais.

A regra geral de competência, formulada no caput do art. 70, tem clara motivação: independentemente do local da inscrição principal, e na base territorial da ocorrência da infração que suas repercussões negativas mais se fazem imediatamente sensíveis. Em outras palavras, onde dói primeiro o sentido da legalidade infringida é que se deve exercer o direito-dever de investigar e punir.

Os tempos atuais, infelizmente, semearam modalidades infracionais que ultrapassam a sensibilidade estritamente territorial. Há registros recentes de advogados com inscrição em São Paulo, que compraram cópias de depoimentos sigilosos, prestados em Brasília, perante Comissão Parlamentar de Inquérito do Congresso Nacional, para repassá-los a facção criminosa, no interior de São Paulo.

Há advogados que fazem entrar celulares em presídios de um Estado para que ordens de realização de operações criminosas sejam cumpridas em outros Estados, seja no Ceará, no Rio de Janeiro, no Paraná ou em Mato Grosso do Sul.

Esses são apenas exemplos extraídos dos noticiários. No entanto, há, hoje, quem não tenha ou não conheça quem tenha sofrido com o golpe da compra de cartões, comandado de dentro dos presídios? O certo é que, com a nacionalização do crime organizado, as ordens para a prática de delitos, gravemente ameaçadores à paz e à segurança públicas, partem de dois ou três centros diretivos, e são expedidas a vários centros operacionais, distribuídos pelo País. E, de alguma forma, em várias dessas ações se constata a presença de maus advogados, no planejamento e na consecução de operações criminosas.

A tudo isso, importa agregar o explosivo fator corrosivo da confiabilidade pública na OAB, que o decurso do tempo — que vai da instauração do processo disciplinar até o trânsito em julgado da última decisão — agrava. Nas Seccionais com elevado número de inscritos, dificilmente um processo disciplinar será julgado em menos de três anos, no percurso que vai do Tribunal de Ética Disciplinar ao Conselho Pleno. E, então, abrem-se os prazos para recursos ao Conselho Federal, com trâmite pela Segunda Câmara e pelo Órgão Especial, ocasionando leniência.

Para salvaguardar o bom nome da Advocacia e o conceito da OAB, é conveniente outorgar, à Entidade,meios expeditos de ação, que efetivamente propiciem resposta aos anseios da coletividade.

É sob essa perspectiva que acolhemos as razões contidas na provocação propositiva, gerada no seio da OAB, para submeter aos ilustres Pares nova redação ao art. 70 do Estatuto da Advocacia, de modo a pautar-se, esse dispositivo da lei, por novos critérios de competência, capazes de coibir práticas inaceitáveis e possibilitar punições severas, em tempo razoável.

As modificações propostas se restringem aos delitos de natureza ético-disciplinar de repercussão nacional ou que desbordem das fronteiras dos Estados, de maneira a reforçar o postulado federativo, reservando a competência punitiva originária para a instância maior, que é o Conselho Federal.

As alterações não significam censura ao ritmo da atividade punitiva no âmbito dos Conselhos Seccionais, que se exerce no tempo próprio e possível – com as inevitáveis exceções. Antes, constituem uma resposta às exigências da cidadania, à confiança histórica depositada na 0MB e ao prestígio da Instituição.


Contamos, pois, com o apoio dos nobres Pares para a rápida aprovação desta proposição.

Sala das Sessões, 4 de outubro de 2006. – Senador

Alvaro Dias.

LEGISLAÇÃO CITADA

LEI Nº 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994

Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

O Presidente da República, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

TÍTULO I

Da Advocacia

CAPÍTULO I

Da Atividade de Advocacia

Art. 1º São atividades privativas de advocacia:

I – a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais;

II – as atividades deconsultoria, assessoria edireçãojuridicas.

§ 1º Não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus em qualquer instância ou tribunal.

………………………………………………………..

Art. 54. Compete ao Conselho Federal:

I – dar cumprimento efetivo às finalidades da OAB;

II – representar, em juízo ou fora dele, os interesses coletivos ou individuais dos advogados;

III – velar pela dignidade, independência, prerrogativas e valorização da advocacia;

IV – representar, com exclusividade, os advogados brasileiros nos órgãos e eventos internacionais da advocacia;

V – editar e alterar o Regulamento Geral, o Código de Ética e Disciplina, e os Provimentos que julgar necessários;

VI – adotar medidas para assegurar o regular funcionamento dos Conselhos Seccionais;

VII – intervir nos Conselhos Seccionais, onde e quando constatar grave violação desta lei ou do regulamento geral;

VIII – cassar ou modificar, de ofício ou mediante representação, qualquer ato, de órgão ou autoridade da OAB, contrário a esta lei, ao regulamento geral, ao Código de Ética e Disciplina, e aos Provimentos, ouvida a autoridade ou o órgão em causa;

IX – julgar, em grau de recurso, as questões decididas pelos Conselhos Seccionais, nos casos previstos neste estatuto e no regulamento geral;

X – dispor sobre a identificação dos inscritos na OAB e sobre os respectivos símbolos privativos;

XI – apreciar o relatório anual e deliberar sobre o balanço e as contas de sua diretoria;

XII – homologar ou mandar suprir relatório anual, o balanço e as contas dos Conselhos Seccionais.

…………………………………………..

CAPÍTULO II

Do Processo Disciplinar

Art. 70. O poder de punir disciplinarmente os inscritos na OAB compete exclusivamente ao Conselho Seccional em cuja base territorial tenha ocorrido a infração, salvo se a falta for cometida perante o Conselho Federal.

§ 1º Cabe ao Tribunal de Ética e Disciplina, do Conselho Seccional competente, julgar os processos disciplinares, instruídos pelas Subseções ou por relatores do próprio conselho.

§ 2º A decisão condenatória irrecorrivel deve ser imediatamente comunicada ao Conselho Seccional onde o representado tenha inscrição principal, para constar dos respectivos assentamentos.

§ 3º O Tribunal de Ética e Disciplina do Conselho onde o acusado tenha inscrição principal pode suspendê-lo preventivamente, em caso de repercussão prejudicial à dignidade da advocacia, depois de ouvi-lo em sessão especial para a qual deve ser notificado a comparecer, salvo se não atender à notificação. Neste caso, o processo disciplinar deve ser concluído no prazo máximo de noventa dias.

………………………..

(À Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – decisão terminativa.)

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