Interesse do contribuinte

Contrato entre Rede 21 e empresa de filho de Lula é público

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28 de novembro de 2006, 16h40

A Rede 21 não conseguiu manter em sigilo o contrato entre ela e a Gamecorp, que tem no quadro de acionistas Fábio Luís Lula da Silva Filho, filho do presidente Lula. Cópias do documento foram anexadas ao processo que a empresa move contra a Editora Abril e os jornalistas Diogo Mainardi, Alexandre Oltramari e Júlio César de Barros.

Para o juiz Régis Rodrigues Bonvicino, da 1ª Vara Cível do Foro de Pinheiros, na capital paulista, uma vez anexado aos autos, “por iniciativa da parte”, o contrato torna-se público. Por isso, não pode ser alegado “segredos de comércio” para garantir o sigilo do contrato.

A Rede 21 pede à Justiça que a Abril e os jornalistas sejam obrigados a lhe pagar indenização em razão de reportagens publicadas na revista Veja, envolvendo a empresa e Fábio Luís Lula da Silva Filho, um dos acionistas da Gamecorp.

O pedido de sigilo do contrato já havia sido negado pelo juiz no dia 24 deste mês. Na segunda-feira (27/11), novo pedido foi negado sob o argumento de que o contrato entre as duas empresas não só é informação relevante para que os réus possam se defender das acusações como é de interesse público.

Para o juiz, não há intimidade a ser preservada neste caso. Por envolver o filho do presidente da República, acusações sobre o uso inadequado de verbas públicas e canais de televisão, “concessão da União”, o contribuinte tem direito a “esclarecimentos sobre os fatos”, explicou.

Veja a decisão

Despacho Proferido

CONCLUSÃO

Em 24 de novembro de 2006, faço estes autos conclusos ao MM. Juiz de Direito, Dr. RÉGIS RODRIGUES BONVICINO, POR DETERMINAÇÃO VERBAL.

Eu,………………, Nilza S.S., escrevente, subscrevi. Proc.: 06.120588-9 Vistos.

Indefiro o pedido constante do item 4 a fls. 19 da petição inicial, que requer segredo e confidencialidade em relação ao contrato firmado entre a Rede 21 Comunicações Ltda e Gamecorp S.A.

Estabelece o artigo 37, da Constituição Federal que os atos da administração pública são regidos pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência e publicidade. Publicidade quer dizer transparência.

O artigo 155, do CPC, em seu inciso I, afirma que os atos processuais são públicos exceto aqueles em que o segredo de justiça seja conveniente ao interesse público e às questões de família.

Não se alegue “segredos de comércio”, para justificar o requerido lacre do contrato: quando ele ingressa num processo judicial, por iniciativa da parte, torna-se documento público e, no caso, o papel do Juízo não é o de fiscalizá-lo (Ministério das Comunicações) mas o de submetê-lo ao crivo do contraditório, sob pena de nulidade absoluta do feito e de infração ao princípio da legalidade.

Neste caso, convém ao interesse público que o contrato seja regido pelo princípio da publicidade porque um dos contratantes é filho do Presidente da República e, em tese e sempre em tese, sem qualquer pré-julgamento por parte deste Juízo, fazem-lhe acusações de uso inadequado de verbas públicas, e tanto a Rede 21 Comunicações Ltda e todo o Grupo Bandeirantes de Mídia são regidos por normas públicas porque concessões da União (revogáveis a qualquer tempo), ou seja, pertencem ao contribuinte, eleitor e povo brasileiro.

No inciso LX, do artigo 5º, a Constituição determina que a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade e do interesse social exigirem; neste caso, o contribuinte quer esclarecimentos sobre os fatos.

Cito trecho do Código de Processo Civil Interpretado, de Antonio Carlos Marcato: “Independentemente dessas previsões, o princípio da publicidade decorreria, de qualquer modo, da noção de Estado Democrático de Direito, constante no art. 1º da constituição. Com efeito, sabendo-se que o processo é instrumento de exercício do poder estatal e que a transparência é traço característico do perfil democrático, não seria possível estabelecer-se o segredo de justiça como regra.

O poder há de ser exercido com limpidez, às claras, a fim de que se possa, em última análise, fiscalizar e controlar a atividade estatal.”

Além disso, caso este Juízo conservasse o contrato em envelope lacrado, com segredo e confidencialidade, estaria suprimindo informação relevante aos réus Editora Abril S.A., Diogo Mainardi, Alexandre Oltramari e Júlio César de Barros, cerceando suas defesas e suprimindo o princípio do contraditório, numa penada arbitrária.

O contrato é parte relevante do conflito, como verifico da leitura da petição inicial assinada pelo conhecido advogado Walter Ceneviva, que assina coluna na Folha de S. Paulo e já foi, outrora, locutor de programas na Rádio Bandeirantes, um homem que sempre defendeu a imprensa livre e a transparência, como é notório bem como milita por um Judiciário transparente e modernizado.

Não há segredo de justiça neste processo e, de acordo com o artigo 155, do CPC, qualquer pessoa pode consultá-lo no balcão do ofício. Junte-se o documento no processo, deslacrando-o, para que ele integre inclusive os documentos do ato de citação.

Publique-se com prioridade.

Intimem-se.

São Paulo, 24 de novembro de 2006.

RÉGIS RODRIGUES BONVICINO

Juiz de Direito de Entrância Final

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