Desconto indevido

Cobrança previdenciária de 5% é inconstitucional, decide juíza

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27 de novembro de 2006, 10h19

É inconstitucional a Lei Complementar 943/03, que institui a contribuição previdenciária correspondente a 5% sobre os vencimentos ou salários, vantagens pessoais e outras de qualquer natureza de todos os servidores públicos para custeio de aposentadoria e de reforma dos militares do estado de São Paulo. O entendimento é da juíza Alexandra Fuchs de Araújo, da 7ª Vara da Fazenda Pública.

Agora, o estado deve ressarcir os policiais estaduais que ajuizaram a ação com os valores descontados indevidamente de contribuição previdenciária, desde 2003, além da suspensão dos descontos em definitivo da alíquota de 5%. Cabe recurso.

No processo, os policiais alegaram que a cobrança é inconstitucional. Segundo eles, a contribuição social é uma espécie tributária que não se confunde com imposto ou taxa e com arrecadação vinculada à determinada contraprestação do estado, no caso a seguridade social.

A seguridade social, por sua vez, pressupõe ausência de lucro e pluralidade de receitas. Os policiais argumentaram, também, violação ao princípio da irredutibilidade de vencimentos, com expropriação dos vencimentos, através da cobrança indevida.

A Fazenda, em sua defesa, alegou que a contribuição previdenciária é uma espécie tributária prevista pela Constituição Federal. Por esse motivo, deve estar inserida em um sistema de seguridade social. A juíza não acolheu o argumento.

Ela destacou que o percentual estabelecido não tem fundamento em nenhum estudo técnico orçamentário. Para a juíza, a lei é inconstitucional porque é um imposto vinculado e não contribuição previdenciária. Ela ressaltou que a medida está suportada em um sistema previdenciário criado por lei.

O estado também deverá pagar aos policiais estaduais os valores descontados em razão da edição da lei. Deverá incidir sobre as parcelas vencidas correção monetária, desde a data em que cada uma delas não deveria ter sido descontada, e juros de mora de 6% ao ano, contados da data da citação da Fazenda.

Os policiais foram representados pelo advogado Fernando Fabiani Capano, sócio do escritório Gregori, Capano Advogados Associados.

Leia integra da determinação

Processo 583.53.2006.109319-4

VISTOS.

PEDRO YOSHIDA e OUTROS, qualificados nos autos, ajuizaram a presente ação ordinária em face da FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO pelos seguintes motivos:

Na data de 24/06/2003 foi publicada a Lei Complementar 943/03, que institui, em seu artigo 4º, contribuição previdenciária correspondente a 5% sobre os vencimentos ou salários, vantagens pessoais e demais vantagens de qualquer natureza, incorporadas ou incorporáveis, de todos os servidores públicos dos três poderes, para custeio de aposentadoria dos servidores públicos e de reforma dos militares do Estado de São Paulo.

Entendem os autores que esta cobrança é inconstitucional, pois por se tratar de contribuição social, é uma espécie tributária que não se confunde com imposto ou taxa, e com arrecadação vinculada a determinada contraprestação do Estado, no caso a seguridade social.

Já a seguridade social pressupõe ausência de lucro e pluralidade de receitas.

A Lei 943/03 não criou nenhum sistema previdenciário, apenas criando a contribuição previdenciária sem o necessário sistema previdenciário, previsto no art. 49 § 12 da Constituição Federal, violando, deste modo, o art. 150, caput e inciso I da Carta Magna, pois o princípio da legalidade não foi cumprido; bem como o art. 195, que prevê o custeio da seguridade social por toda a sociedade, e não apenas pelo beneficiário; também o art. 201, não preservado o equilíbrio financeiro e atuarial, na medida em que a alíquota da contribuição foi fixada em 5% apenas para equiparar as contribuições do setor público com as do setor privado, sem que se atentasse para as necessidades do custeio e para a existência da Lei 180/78; também, por força de interpretação do art. 195, § 5 da CF, não se pode aumentar a fonte de custeio sem a respectiva majoração do benefício.

Houve violação ao princípio da irredutibilidade de vencimentos, com expropriação dos vencimentos, através da exação indevida.

O art. 7º da Lei Complementar 943/03 determina que os recursos provenientes desta arrecadação serão consignados no orçamento do Estado, porém tal dispositivo viola o art. 167, XI da CF e o art. 19, inciso VI da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Estas receitas não poderiam reverter ao Tesouro do Estado, até porque não é ele, e sim o IPESP, o responsável pelo pagamento de pensões e aposentadorias, no sistema a ser criado em observância à Constituição. Houve desrespeito ao princípio da equidade de participação no custeio, atendendo ao disposto no art. 194, parágrafo único, inciso V da CF.


Requerem portanto a declaração de inconstitucionalidade da alíquota estabelecida pela Lei Complementar n. 943/2003, condenando o Estado ao ressarcimento dos valores descontados indevidamente e determinando a cessação dos descontos em definitivo da alíquota de 5%, pagando-se ainda os valores em atraso em razão da edição da Lei. A Fazenda do Estado contestou a fls. 48/53.

Houve réplica.

É o relatório.

Decido

A ação é procedente.

A Lei complementar Estadual 943/2003, através de seu artigo primeiro, estabeleceu que Art. 1º. Fica instituída contribuição previdenciária mensal destinada ao custeio de aposentadoria e reforma, nos termos desta lei complementar.

Contribuição previdenciária, como se sabe, é uma espécie tributária prevista pela Constituição Federal. Sendo contribuição previdenciária, obviamente deve estar inserida em um sistema de seguridade social.

Dispõe a Lei Suprema: Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro;

II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;

III – sobre a receita de concursos de prognósticos. Desta forma, para se falar de previdência social, há que se estipular, primeiramente, as três fontes básicas de custeio. Entretanto, a Lei Complementar 943/2003, em seu art. 1º, estipulou apenas uma fonte de custeio.

Entende a Fazenda do Estado que já existe o sistema implantado, através do IPESP. Entretanto, não se pode equiparar o IPESP a um sistema previdenciário, nos termos previstos na Constituição Federal. De fato, o IPESP foi criado pela Constituição do Estado de São Paulo de 1935 com a finalidade de responder pela aposentadoria dos servidores públicos estaduais, nos seguintes termos: Art. 93.

O Governo organizará o Instituto de Previdência dos Servidores do Estado e dos Municípios, destinado a suportar os encargos da aposentadoria e do montepio desses servidores e a prestar assistência a estes e às suas famílias, nos termos que a lei determinar.

Contudo, o IPESP nunca teve independência orçamentária, apesar de sucessivas tentativas neste sentido. Seus recursos sempre se confundiram com os do Estado, não havendo a imposição legal de independência orçamentária.

O Decreto no. 52.674/71, que dispõe sobre o regulamento de adaptação do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo ao Decreto-lei Complementar n. 7, de 6 de novembro de 1969 foi uma das tentativas de dissociar o IPESP do Estado, conferindo-lhe receitas próprias: Art. 1º.

O Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (IPESP), criado pelo artigo 93 da Constituição Estadual, de 9 de julho de 1935, é uma entidade autárquica, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, sede e foro na Capital do Estado de São Paulo, vinculada à Secretaria do Trabalho e Administração e gozo dos privilégios, regalias e isenções próprios da Fazenda Estadual. Artigo 2º.

São finalidades do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo:

I – assegurar pensão mensal aos beneficiários de seus contribuintes, nos termos da legislação própria;

II – administrar sistema de previdência de grupos profissionais diferenciados;

III – operar carteira predial para seus contribuintes. Contudo, a questão orçamentária nunca foi solucionada, e os recursos do IPESP sempre oscilaram de acordo com os interesses políticos, o que lhe impossibilitou alcançar a necessária autonomia financeira para administrar seus recursos.

De acordo com o Decreto n. 47.885/67 foi estipulado que Art. 1º.

Os servidores estaduais, civis e militares, que passarem para a inatividade, receberão seus proventos pela mesma fonte pagadora pela qual recebiam quando em atividade. Já o Decreto 52.589/70, que dispõe sobre transferência das responsabilidades orçamentária, financeira e administrativa, referentes a pagamento de aposentados e reformados alterou esta atribuição: Art. 1º.

Os encargos financeiros e administrativos referentes a pagamento de aposentados e reformados do Estado de São Paulo, de responsabilidade do Instituto de Previdência do Estado, ficam transferidos, os da Administração Direta, para a Administração Geral do Estado; e os da Indireta para as respectivas entidades aos quais estavam vinculados, quando em atividade.


Decreto 52.889/72, apenas dois anos depois, transferiu novamente a responsabilidade quanto aos encargos financeiros para o IPESP. Com a Lei Complementar 180/78 se buscou elaborar um sistema previdenciário, com diversas fontes de custeio:

Artigo 139 — As contribuições devidas na forma do artigo 137 e não recolhidas pelo contribuinte no prazo regulamentar ficarão sujeitas ao juro de 1% (um por cento) ao mês.

Artigo 140 — Os Poderes do Estado e as entidades referidas no artigo 133 contribuirão com parcela de valor igual a 6% (seis por cento) sobre a retribuição-base de seus membros, funcionários ou servidores, recolhida na forma e no prazo previstos no artigo 142.

Artigo 141 — As entidades vinculadas ao regime previdenciário do Estado, mediante convênio com o IPESP ou outra forma de filiação, contribuirão com parcela de valor igual a 6% (seis por cento) sobre a retribuição — base de seus funcionários ou servidores, recolhida na forma e no prazo previstos no artigo 142.

Artigo 142 — As contribuições consignadas em folha de pagamento e descontadas dos contribuintes na forma do artigo 137, bem como as devidas na forma dos artigos 140 e 141, deverão ser depositadas em conta própria do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo, no Banco do Estado de São Paulo S. A. ou na Caixa Econômica do Estado de São Paulo S. A., na mesma data em que forem pagas aos contribuintes quaisquer importâncias consultivas de suas retribuições — base. Parágrafo único — As contribuições não depositadas no prazo previsto neste artigo ficarão sujeitas ao juro de 1% (um por cento) ao mês.

Artigo 143 — Compete ao Instituto de Previdência do Estado de São Paulo fiscalizar a arrecadação e o recolhimento de qualquer importância que lhe seja devida e verificar as folhas de pagamento dos funcionários ou servidores do Estado e das entidades vinculadas ao regime previdenciário, ficando os responsáveis obrigados a prestar os esclarecimentos e as informações que lhes forem solicitados.

Contudo, até hoje, como se pode facilmente verificar da leitura da lei orçamentária, os repasses previstos para serem executados pelo Estado não foram implantados, além de a contribuição estabelecida para os servidores, pela Lei Complementar 180/78, se destinar especificamente para o custeio de pensões de dependentes.

Na verdade, até hoje há apenas recursos vinculados do Estado ao custeio das pensões e aposentadorias dos servidores. Esta vinculação de recursos não importa num sistema previdenciário. Primeiro porque a Constituição, estabeleceu, em sua origem, um regime não contributivo para o servidor público.

Apenas com a nova redação do art. 40, dada pela Emenda 20/98, pode se falar em obrigatoriedade de contribuição, por parte do servidor, porém dentro de um sistema previdenciário a ser implantado.

Um sistema previdenciário implica em diversas fontes de custeio, levando em conta critérios, conforme comando constitucional, que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial (art. 201, “caput”).

Da forma como foi instituída a nova “contribuição”, o que se constata é que o Estado apenas acrescentou uma receita vinculada em seu orçamento, o que não se equipara a um sistema previdenciário.

Tanto que, no art. 7º da Lei 943, se estipula que Art. 7º. Os recursos provenientes da contribuição instituída por esta lei complementar serão destinados, exclusivamente, para compor o custeio dos proventos das aposentadorias dos servidores públicos e das reformas dos militares do Estado, consignados em rubrica própria do orçamento.

O percentual estabelecido não tem fundamento em nenhum estudo técnico orçamentário.

Segundo o próprio projeto da lei Complementar em questão, “A luz dessa diretriz, a proposta legislativa que ora submeto a essa Casa de Leis institui contribuição previdenciária mensal destinada ao custeio de aposentadoria dos servidores públicos e de reforma dos militares do Estado, em percentual de 6% sobre a remuneração, alíquota que se ajusta aos objetivos essenciais da medida”.

Pergunto: e quais os demais recursos deste sistema? Qual a norma de transição? A que fundo se destina, se o IPESP é responsável apenas pelo pagamento das pensões dos beneficiários? A lei Complementar foi promulgada sob o pretexto de regulamentar o art. 40, 2 15 da Constituição Federal.

Contudo, como leciona Gastão Alves de Toledo, “Está evidente, portanto, que o regime jurídico instituído pelos preceitos mencionados compreende situações específicas, sem embargo de que a ‘regras gerais’, reltivas à estrutura interna dos fundos, seus requisitos funcionais e mecanismo operacional, devam estar submetidas àquelas defluentes do art. 202.

Em outras palavras, este preceito será regulado por lei complementar que disciplinára a estrutura básica dos fundos de pensão.

Mas aqueles destinados a atender ao setor público terão, além da configuração geral de todos os fundos, peculiaridades que as respectivas normas lhe atribuírem, conforme se depreende do disposto nos §§ 14, 15 e 16 do art. 40, e bem assim, nos §§ 3º, 4º, 5º e 6º do art. 202.” (in: Revista Tributária e de Finanças Públicas, 30/177).

Flagrante a inconstitucionalidade da lei complementar apontada, uma vez que institui, na verdade, um imposto vinculado, e não contribuição previdenciária, na medida em que não está suportado em um sistema previdenciário criado por lei.

Não é caso de redução de vencimentos, pois não há alteração do valor bruto dos salários. Também não há confisco, pois não há avanço sobre a propriedade privada.

Houve entretanto desrespeito ao princípio da equidade de participação no custeio, pois o “sistema previdenciário” criado não menciona nem prevê qualquer outra fonte de custeio.

ANTE O EXPOSTO e o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE, com fundamento no artigo 269 do Código de Processo Civil, e declaro a inconstitucionalidade da Lei Complementar 943/2003, condenando o Estado ao ressarcimento dos valores descontados indevidamente e determinando a cessação dos descontos em definitivo da alíquota de 5%, pagando-se ainda os valores descontados em razão da edição da Lei, incidindo sobre as parcelas vencidas correção monetária — desde a data em que cada uma delas não deveria ter sido descontada — e juros de mora de 6% ao ano contados desde a citação, observada a prescrição qüinqüenal.

Por oportuno, registro que a correção monetária deverá ser calculada pelos índices da tabela oficial do E. TJSP, vigente na fase de execução do julgado, na forma dos arts. 614-II e 730 do CPC.

Para fins de execução, declaro que o crédito tem natureza alimentar, em razão de que o seu valor, mais correção monetária e encargos, deverá ser objeto de precatório alimentar.

Pela sucumbência experimentada, condeno o réu no pagamento das custas e dos honorários advocatícios, os quais fixo na quantia certa e individual de 10% do valor da condenação.

P.R.I.

Alexandra Fuchs de Araújo

Juíza de Direito

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