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CNJ deve liberar tribunais para decidir sobre aulas de juízes

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27 de novembro de 2006, 6h00

No lugar de estabelecer uma regra geral para coibir o acúmulo das funções de juiz e professor, o Conselho Nacional de Justiça deve facultar a cada tribunal analisar seus casos. A minuta da resolução sobre o assunto deve ser apresentada na próxima reunião dos conselheiros, marcada para terça-feira (28/11).

O texto, elaborado por uma comissão de três conselheiros designados para analisar a problemática, deve seguir os moldes de uma liminar concedida pelo ministro Nelson Jobim (já aposentado) e ratificada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. A corte foi provocada pela Associação dos Juízes Federais (Ajufe), que se levantou contra resolução do Conselho de Justiça Federal.

O CJF interpretou que a Constituição Federal permite aos juízes o exercício de uma única atividade de magistério, em escola particular ou privada. A interpretação foi tirada do artigo 95, parágrafo único, inciso I da Constituição, que diz: “aos juízes é vedado exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função salvo uma de magistério”.

O Supremo Tribunal Federal entendeu diferente. Para os ministros, a expressão “uma” da Constituição não quer dizer “única”, como disse o CJF. Ou seja, não há proibição constitucional para que os juízes lecionem em mais de uma instituição.

Em seu voto, o ministro Nelson Jobim considerou que não importa a quantidade de instituições em que o juiz lecione, mas o número de horas que gasta com a atividade. “Poderá ocorrer que o exercício de um único cargo ou função de magistério público demande 40 horas semanais. Poderá ocorrer que o exercício de mais de uma função no magistério não importe em lesão ao bem privilegiado pela Constituição Federal — o exercício da magistratura.”

O entendimento assim foi resumido pelo ministro Gilmar Mendes: “o que importa é saber se a atividade de magistério está, no caso concreto, inviabilizando o ofício judicante”. E, quem deve ficar responsável por analisar se a atividade de professor prejudica a função de juiz deve ser a Corregedoria de cada tribunal, a quem cada juiz deverá comunicar quanto tempo gasta com o magistério.

Estas diretrizes deverão nortear a resolução do Conselho Nacional de Justiça. E agradar, pelo menos, metade da magistratura. De acordo com pesquisa coordenada pela cientista política Maria Tereza Sadek, mais de 50% dos juízes lecionam em alguma instituição.

Veja o voto que deve embasar a resolução do CNJ

V O T O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR):

Eis o teor da Resolução questionada:

“RESOLUÇÃO No 336, DE 16 DE OUTUBRO DE 2003

Dispõe sobre o acúmulo do exercício da magistratura com o exercício do magistério no âmbito da Justiça Federal de primeiro e segundo graus.

O PRESIDENTE DO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, usando de suas atribuições legais, tendo em vista o constante no Processo no 2003161039 e

CONSIDERANDO a vedação constitucional do juiz, ainda que em disponibilidade, acumular o mister jurisdicional com o exercício de outro cargo ou função, salvo uma de magistério (art. 95, parágrafo único, inciso I);

CONSIDERANDO ainda que, nada obstante a sua clareza, a norma constitucional vedatória tem ensejado interpretações controvertidas, não apenas quanto à natureza pública ou privada do magistério, mas, também, quanto ao limite quantitativo da acumulação; e

CONSIDERANDO, afinal, que o exercício do magistério pelo magistrado deve compatibilizar-se com o estatuído no art. 26, II, ‘a’, da Lei Complementar no 35, de 14 de março de 1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) e, no caso do juiz federal, no art. 32 da Lei no 5.010, de 30 de maio de 1966, resolve:

Art. 1o Ao magistrado da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, ainda que em disponibilidade, é defeso o exercício de outro cargo ou função, ressalvado(a) um(a) único(a) de magistério, público ou particular.

Art. 2o Somente será permitido o exercício da docência ao magistrado se houver compatibilidade de horário com o do trabalho judicante.

Art. 3o Não se incluem na vedação referida nos artigos anteriores as funções exercidas em curso ou escola de aperfeiçoamento da própria magistratura mantidos pelo Poder Judiciário ou reconhecidos pelo Conselho da Justiça Federal.

Art. 4o Qualquer exercício de docência deverá ser comunicado pelo magistrado ao Corregedor Geral do respectivo Tribunal Regional Federal, no início da cada período letivo, ocasião em que informará o nome da entidade de ensino e os horários das aulas que ministrará; se a docência for exercida por magistrado de segundo grau a comunicação deverá ser feita ao Presidente do Conselho da Justiça Federal.

Art. 5o Ciente de eventual exercício do magistério em desconformidade com a presente Resolução, o Corregedor-Geral comunicá-la-á, com prévio parecer, ao Tribunal para deliberar como de direito.

Art. 6o Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.”


Em decisão monocrática de 30 de janeiro de 2004 (DJ de 9 de fevereiro de 2004), o então Ministro Vice-Presidente em exercício na Presidência, Nelson Jobim, deferiu a medida liminar ad referendum do Tribunal Pleno, nos seguintes termos:

“DESPACHO :

(…)

2. A DECISÃO.

(1) COMPETÊNCIA DO CONSELHO.

A CF atribui competência de supervisão administrativa da Justiça Federal de 1º e 2º grau (CF, art. 105, parágrafo único).

Ora, a supervisão administrativa abrange a questão, tipicamente administrativa, da compatibilização entre a função da magistratura e da docência por parte de magistrados.

Para juízo cautelar, afasto a alegação de incompetência do CONSELHO para dispor sobre a questão.

(2) CF, ART. 95, PARÁGRAFO ÚNICO, I.

Este é o texto constitucional que serve de parâmetro de controle:

‘Art. 95. ………………..

………………………..

Parágrafo Único. Aos juízes é vedado:

I – exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;

………………………..’

Possui ele duas normas.

Uma, primária e proibitiva:

= impedir o exercício de outro cargo ou função.

Outra, secundária e permissiva:

= permitir o exercício do magistério.

(2) RESOLUÇÃO, ART. 1º.

A RESOLUÇÃO, aludindo expressamente à LOMAN – com redação de 1979 -, ressalvou

‘… um(a) único(a) [cargo ou função] de magistério, …’ (art. 1º).

Plausível é a interpretação da regra de 1988 de que o primeiro e principal objetivo é o impedir o exercício, por parte do magistrado, de outra atividade que não de magistério.

Mas, a CF vai mais além.

Ao usar, na ressalva, a expressão ‘uma de magistério’, tem a CF, por objetivo, impedir que a cumulação autorizada prejudique, em termos de horas destinadas ao magistério, o exercício da magistratura.

Daí a restrição à unidade (‘uma de magistério’).

A CF, ao que parece, não impõe o exercício de uma única atividade de magistério.

O que impõe é o exercício de atividade do magistério compatível com a atividade de magistrado.

A fixação ou a imposição de que haja apenas uma ‘única’ função de magistério — preconizada na RESOLUÇÃO —, ao que tudo indica, não atende o objetivo constitucional.

A questão está no tempo que o magistrado utiliza para o exercício do magistério vis a vis ao tempo que restaria para as funções judicantes.

Poderá o magistrado ter mais de uma atividade de magistério — considerando diferentes períodos letivos, etc. — sem ofensa ao texto constitucional.

Impor uma única e só função ou cargo de magistério não atende, necessariamente, ao objetivo constitucional.

Poderá ocorrer que o exercício de um único cargo ou função no magistério público demande 40 horas semanais.

Quarenta horas semanais importam em oito horas diárias para uma semana de cinco dias.

Ou, ainda, que um magistrado-docente, titular de um único cargo em universidade federal – professor adjunto – ministre aulas na graduação, no mestrado e no doutorado!

Nestas hipóteses, mesmo sendo um único cargo, ter-se-ia a burla da regra constitucional.

Poderá ocorrer e, certamente, ocorre que o exercício de mais de uma função no magistério não importe em lesão ao bem privilegiado pela CF – o exercício da magistratura.

A questão é a compatibilização de horários, que se resolve caso a caso.

A CF, evidentemente, privilegia o tempo da magistratura que não pode ser submetido ao tempo da função secundária – o magistério.

Assim, em juízo preliminar, entendo deva ser suspensa a expressão ‘único(a)’ constante do art. 1º.

(3) RESOLUÇÃO, art. 2º.

Creio que a regra fundamental da RESOLUÇÃO está no seu art. 2º.

Este só admite o exercício da docência

‘… se houver compatibilidade de horário com o trabalho judicante.’

Aqui não há qualquer conflito com a CF.

Pelo contrário.

A RESOLUÇÃO, neste art. 2º, instrumentaliza a regra constitucional.

A necessidade de sua edição decorre de interpretações que têm posto, de fato, o exercício da magistratura, em alguns casos, como secundária em relação ao exercício da docência.

Certo o CONSELHO.

(4) RESOLUÇÃO, arts. 4º e 5º.

A RESOLUÇÃO, nos arts. 4º e 5º, dá conseqüências ao disposto no art. 2º.

O art. 4º exige a comunicação à autoridade competente do exercício da docência, com os detalhamentos necessários.

De posse desses dados empíricos, a autoridade competente poderá apurar a compatibilidade da docência com a atividade judicante.


Com base nessa análise concreta, a autoridade poderá deliberar a respeito (art. 5º).

Viabiliza-se, com esses dispositivos, a observância da CF.

Nenhum problema constitucional.

(5) RESOLUÇÃO, art. 3º.

A RESOLUÇÃO, em uma hipótese, autoriza que a docência possa concorrer com o tempo da judicatura.

Quando se tratar de

:‘… funções exercidas em curso ou escola de aperfeiçoamento da própria magistratura mantidos pelo Poder Judiciário ou reconhecidas pelo Conselho da Justiça Federal’ (art. 3º).

A regra é compatível com a CF.

Em dois momentos a CF se refere a ‘cursos de aperfeiçoamento’.

Dispõe que, na ‘aferição do merecimento’, para efeito promoção, dever-se-á levar em conta a

‘… freqüência e aproveitamento em cursos reconhecidos de aperfeiçoamento’ (CF, art. 93, II, c)

Por outro lado, a CF determina à LOMAN a previsão de tais cursos (CF, art. 93,IV).

Neste caso, o exercício da docência está voltado ao aperfeiçoamento dos integrantes da magistratura — objetivo constitucional.

O magistrado-docente, nesta hipótese, dedica parte de seu tempo à própria magistratura.

A situação é diversa quando o exercício da docência dá-se em outros cursos que não estes.

A distinção feita entre uns e outros, pela RESOLUÇÃO, tem, para efeitos de cautelar, autorização constitucional.

Quanto ao reconhecimento de cursos, a regra constitucional é expressa.

(6) CONCLUSÃO.

Pelos motivos expostos, não vejo, nesta fase de liminar, ilegitimidade nos artigos 2º, 3º, 4º e 5º da RESOLUÇÃO.

O mesmo não se dá com a expressão ‘único(a)’ do art. 1º.

Neste ponto, é plausível a ilegitimidade.

Há o risco pela mora: o ano letivo, em vários cursos, inicia-se em fevereiro.

Defiro a liminar, ‘ad referendum’ do Plenário.

Suspendo a eficácia da expressão ‘ÚNICO(A)’ do art. 1º da RESOLUÇÃO Nº 336/2003, do CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL.

Cientifique-se.

Remetam-se os autos ao RELATOR.”

Nos limites de cognição da cautelar, estou convencido do acerto dos argumentos e da conclusão a que chegou o Ministro Jobim.

A interpretação adotada por Jobim quanto ao art. 1º é particularmente acertada. O objetivo da restrição constitucional é o de impedir o exercício da atividade de magistério que se revele incompatível com os afazeres da magistratura. O que importa, de fato, é o tempo utilizado pelo magistrado para o exercício do magistério em face do tempo reservado à atividade judicante.

Um magistrado poderia assumir, por exemplo, com uma única instituição, uma carga horária de quarenta horas-aula, enquanto outro poderia, perante duas ou três instituições diferentes, assumir atividade docente que, em sua totalidade, não exceda a vinte horas semanais.

Em tese, esse segundo magistrado teria mais tempo livre para a atividade de juiz, mas essa também sequer é uma conclusão necessária.

O que importa, em suma, é saber se a atividade de magistério está, no caso concreto, inviabilizando o ofício judicante.

Nestes termos, manifesto-me no sentido do referendo da liminar concedida, tão-somente, para suspender a vigência da expressão “único(a)”, constante da redação do art. 1o da Resolução no 336/2003 do Conselho de Justiça Federal (CJF).

É o meu voto.

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