Limites da competência

PGR contesta resolução do CNJ sobre férias forenses

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26 de novembro de 2006, 18h42

Está nas mãos da ministra Cármen Lúcia a Ação Direta de Inconstitucionalidade que contesta as férias coletivas no Judiciário. A ação, proposta pelo procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza, questiona resolução do Conselho Nacional de Justiça.

A resolução contestada derruba outra norma do próprio CNJ, que confirmava a determinação de extinguir as férias coletivas da Emenda Constitucional 45 – a Reforma do Judiciário.

De acordo com a ação do Antonio Fernando, o CNJ avançou os limites de sua competência ao editar a Resolução 24 em outubro deste ano. “O uso das funções e atribuições do CNJ para subverter a opção política tomada avança os limites delineados no artigo 103-B, parágrafo 4º, da Constituição, conferindo-lhe exegese demasiadamente larga, a ponto de tornar o comportamento do conselho afrontoso à Lei Fundamental”, afirma no pedido ao Supremo Tribunal Federal.

Conforme determina a EC 45, compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, além de outras atribuições conferidas pelo Estatuto da Magistratura, onde não está elencada competência para tal proposta, onde caberia apenas medida legislativa.

Na ação, Antônio Fernando de Souza também questiona Ato Regimental 5 do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que disciplina férias dos juízes relativas a 2007 baseado na nova resolução do CNJ.

“A Resolução 24 (do CNJ) deu sinal aos órgãos do Poder Judiciário de que as férias coletivas estariam restauradas. Produto dessa corrente, editou-se o Ato Regimental 5, de 10 de novembro de 2006, pelo TJ-DF, que restabeleceu a prática das férias, a serem obrigatoriamente gozadas pelos magistrados nos meses de janeiro e julho”, observa o procurador.

O procurador-geral da República pede a declaração de inconstitucionalidade do Ato Regimental do Tribunal. Argumenta que se a mudança legislativa imprimida pela EC 45 se mostrou falha e ineficiente, ela deve ser reformada em ambiente propício, ou seja, pelo próprio Poder Legislativo.

Como o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, vários tribunais do país já regulamentaram férias coletivas para seus juízes e desembargadores, em janeiro e julho, respaldados na nova resolução do CNJ.

Leia a ADI 3.823

EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, com fundamento no artigo 103, VI, da Constituição da República, vem, perante o Supremo Tribunal Federal, ajuizar AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido de medida cautelar, em face do Ato Regimental n.º 5, de 10 de novembro de 2006, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, e da Resolução n.º 24, de 24 de outubro de 2006, editada pelo Conselho Nacional de Justiça, que dispõem sobre as férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau.

As regulamentações impugnadas possuem a seguinte redação:

“ATO REGIMENTAL N.º 5, DE 10 DE NOVEMBRO DE 2006

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS, no uso de suas atribuições legais, Considerando que o Conselho Nacional de Justiça, pela Resolução 24, de 24 de outubro de 2006, revogou o artigo 2º da Resolução 3, de 16 de agosto de 2005, que, na interpretação então dada pelo Conselho ao artigo 93, XII, da Constituição Federal, extinguira as férias coletivas dos membros do Tribunal e dos juízes a ele vinculados; Considerando que, até a entrada em vigor do Estatuto da Magistratura, previsto no artigo 93 da Constituição Federal, encontra-se em vigor o § 1º do artigo 66 da Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 202-3/Bahia, julgada em 5 de setembro de 1996; Considerando a necessidade de assegurar mais eficiente e pronta prestação jurisdicional.

Considerando, por fim, o decidido em sessão extraordinária realizada no dia 10 de novembro de 2006.

RESOLVE

Assim disciplinar as férias dos magistrados da Justiça do Distrito Federal relativas ao ano de 2007:

Artigo 1º. Os membros do Tribunal de Justiça e os juízes de primeiro grau gozarão as férias do ano de 2007 nos períodos de 2 a 31 de janeiro e 2 a 31 de julho de 2007.

§ 1º. Para assegurar a continuidade da atividade jurisdicional em primeiro e segundo grau, nos períodos de 20 de dezembro de 2006 a 31 de janeiro de 2007 e de 2 a 31 de julho de 2007:

a) o Presidente do Tribunal estabelecerá, em ato próprio, a escala dos membros do Conselho da Magistratura que, individualmente, despacharão e decidirão os pedidos liminares e as medidas que reclamem urgência, inclusive as de que cuidam os artigos 173 e 174 do Código de Processo Civil, as relativas aos processos criminais com réus presos ou ameaçados de prisão e as atinentes a crianças e adolescentes, praticando os atos processuais necessários;


b) o Corregedor da Justiça do Distrito Federal estabelecerá, em ato próprio, a escala e a localização dos juízes de direito que despacharão e decidirão os pedidos liminares e as medidas que reclamem urgência, inclusive as de que cuidam os artigos 173 e 174 do Código de Processo Civil, as relativas aos processos criminais com réus presos ou ameaçados de prisão, as atinentes a crianças e adolescentes e as referentes ao sistema dos juizados especiais, praticando os atos processuais necessários, inclusive realização de audiências.

§ 2º. Os membros do Conselho da Magistratura e juízes de direito escalados na forma do § 1º deste artigo gozarão os períodos de férias trabalhados em datas diversas, a serem concedidas pelo Vice-Presidente do Tribunal.

§ 3º. Os membros do Tribunal e os juízes de direito com férias individuais já deferidas para períodos diversos dos estabelecidos no caput do artigo 1º poderão mantê-las, para tanto fazendo comunicação escrita ao Vice-Presidente do Tribunal até o dia 30 de novembro de 2006. Na falta tempestiva desta comunicação, entrarão de férias conforme o caput do artigo 1º.

Artigo 2º. Nos períodos de 20 de dezembro de 2006 a 31 de janeiro de 2007 e de 2 a 31 de julho de 2007, excetuadas disposições legais em contrário, ficam suspensos os prazos processuais.

Artigo 3º. Este ato regimental entra em vigor na data de sua publicação, ficando suspensas, durante sua vigência, as normas, resoluções e atos regimentais que com ele conflitem, inclusive a Resolução nº 6, de 06 de setembro de 2005.

RESOLUÇÃO Nº 24, DE 24 DE OUTUBRO DE 2006.

A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições conferidas pela Constituição Federal, especialmente o que dispõe o inciso I, § 4°, de seu artigo 103-B, e tendo em vista o decidido na Sessão do dia 24 de outubro de 2006; considerando a manifestação do Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça no sentido de que a suspensão das férias coletivas, exigência da Resolução n° 03/2005, tem causado graves prejuízos à prestação jurisdicional nos juízos e tribunais de segundo grau, comprometendo os princípios da celeridade e da eficiência; Considerando as preocupações manifestadas pelo Fórum Permanente de Corregedores-Gerais da Justiça Federal, no sentido de que a extinção das férias coletivas implica no desmantelamento não apenas das Turmas de Julgamento, como também das Seções Especializadas e do próprio Órgão Especial, ficando praticamente impossível concluir o julgamento dos feitos já iniciados, porque sempre mais de um membro do Colegiado estão de férias, o que gera dificuldade para manter a continuidade da jurisprudência em determinada matéria, por força da sucessiva composição diferenciada; Considerando as informações prestadas por diversos presidentes de Tribunais Regionais Federais no sentido de que a suspensão das férias coletivas tem causado forte comprometimento orçamentário para a Justiça Federal, decorrente do pagamento de diárias, passagens e diferenças remuneratórias de substituição de juízes de primeiro grau convocados, além de acarretar perda de produtividade nos julgamentos de primeiro grau; Considerando, ainda, a manifestação da Ordem dos Advogados do Brasil, no sentido de que é do interesse da categoria que seja encontrada uma solução capaz de atender não só à sociedade, como àqueles que estão sendo prejudicados pelo critério vigente, que reclama satisfatória revisão;

RESOLVE

Artigo 1º. Revogar o art. 2º da Resolução n.º 3, de 16 de agosto de 2005.

Art. 2º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.”

Atendendo a apelos do Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça, do Fórum Permanente de Corregedores-Gerais da Justiça Federal, dos presidentes dos Tribunais Regionais Federais e, finalmente, da Ordem dos Advogados do Brasil, em sessão do dia 24 de outubro de 2006 o Conselho Nacional de Justiça resolveu revogar o art. 2º de sua Resolução n.º 3, de 16 de agosto de 2005 .

A deliberação do CNJ tomou em consideração argumentações contrárias aos prognósticos legislativos, fincados como justificativa da EC 45/2004. Acolheram-se as detecções dos órgãos representativos, tomando-se como dado concreto a observação de que o ato de suspender as férias forenses – adotado apenas em janeiro e julho de 2006 – não teria beneficiado a prestação jurisdicional (causando, de outro lado, tumulto jurisprudencial e aumento de despesas com convocações).

Em resposta, o CNJ cassou, pela Resolução 24, a norma que, singelamente, reproduzia os exatos e precisos termos do inciso XII do art. 93, da Constituição da República, ao cientificar os tribunais de sua plena e imediata eficácia.

Nesse passo, o ato do Conselho Nacional deu ensejo a interpretações equivocadas, admitindo leituras que viram nessa manifestação o afastamento do que vem previsto no dispositivo constitucional.


Em suma, a Resolução 24 deu sinal aos órgãos do Poder Judiciário de que as férias coletivas estariam restauradas. Produto dessa corrente, editou-se o Ato Regimental n.º 5, de 10 de novembro de 2006, pelo TJ-DFT, que restabeleceu a prática das férias, a serem obrigatoriamente gozadas pelos magistrados nos meses de janeiro e julho. O férias desenhadas desse modo ganham feições coletivas, ensejando expressa suspensão dos prazos processuais de 20 de dezembro de 2006 a 31 de janeiro de 2007 (art. 2º do Ato Regimental n.º 5).

A norma procedimental ditada no dispositivo constitucional (art. 93, XII), que vaticina ser “a atividade jurisdicional (…) ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau…”, teve sua eficácia nítida e frontalmente esvaziada pela mencionada Resolução 24, do CNJ, e, em seqüência, pelo Ato Regimental n.º 5, do TJ-DFT.

Sem embaraço das verificações e dos resultados colhidos pela aplicação concreta da reforma do Poder Judiciário, que, nessa parte, inovaram ao extinguir as férias coletivas para as instâncias ordinárias, fato é que o inciso XII do art. 93, da Constituição da República, é resultado de processo de alteração do texto constitucional. Essa nota tem imenso significado para o nosso regime democrático. Representa que tal previsão compõe decisão política tomada pela sociedade, pelos meios, modos e procedimentos regulares.

A pretensão, tomada pelos agentes políticos habilitados, e dentro da apropriada arena pública de discussão, foi a de revigorar o modelo de Judiciário adotado no Brasil, trazendo-o para uma visão pretensamente modernizada e contemporânea. A extinção das férias coletivas, dentro do novo modelo, e compondo um sistema integrado de regras e princípios, de que é especial exemplo a garantia fixada no art. 5º, LXXVIII, da Constituição da República, tem o propósito de tornar o andamento dos feitos judiciais mais acelerado.

O prognóstico legislativo pode se mostrar falho, contudo, essa apuração há de ser feita no ambiente propício, que, a toda evidência, ao menos em termos definitivos, não será o debate ocorrido no CNJ.

Ao Conselho caberá, dentro de suas atribuições, identificar os reclamos e as inquietações vindas do Poder Judiciário e da sociedade, como órgão de controle externo que é. Poderá se portar de inúmeras e variadas maneiras, provocando, eventualmente, o reajuste da decisão política que, contudo, até formal e apropriada revisão, há de ser observada pelo CNJ, como também por todo o Poder Judiciário.

Passo em falso nesse campo tem conseqüências profundas, corroendo a eficácia da força normativa da Constituição. Em última análise, a democracia e a república são desprestigiadas pela completa subtração de decisão política tomada pela sociedade, em processo de emenda constitucional.

O acerto ou desalinho dos prognósticos legislativos não serve de parâmetro para a imediata e direta subtração do comando normativo do art. 93, XII, da Lei Maior, por parte dos agentes que estão sob seu âmbito de incidência. As impressões de desacordo devem ser submetidas aos foros adequados, e neles submeter-se à dialética do processo legislativo e de reforma constitucional.

O uso das funções e atribuições do CNJ para subverter a opção política tomada avança os limites delineados no art. 103-B, § 4º, da Constituição, conferindo-lhe exegese demasiadamente larga, a ponto de tornar o comportamento do conselho afrontoso à Lei Fundamental.

Em desfecho, e pelas razões apresentadas, é de se pleitear a declaração de inconstitucionalidade formal do integral conteúdo do Ato Regimental n.º 5º, de 10 de novembro de 2006, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, e, por compor com essa complexo normativo, da Resolução 24, de 24 de outubro de 2006, do Conselho Nacional de Justiça, por violação aos arts. 93, XII, e 103-B, § 4º, da Lei Fundamental.

Assim, demonstrada a inconstitucionalidade dos dispositivos ora impugnados, o que consubstancia o fumus boni iuris das alegações expendidas, vislumbra-se também o periculum in mora, pois os reflexos dessas decisões sobre todo o âmbito do Poder Judiciário são evidentes. Avizinha-se o encerramento do ano de 2006, e com ele a aplicação imediata da resolução do TJDFT, assim como a adoção dos termos da manifestação do CNJ por outros tribunais, a expandir o quadro de inconstitucionalidade.

A informação de que os trabalhos forenses serão, ou não, interrompidos demanda, para resguardo da segurança jurídica, imediata consolidação. Declaração de inconstitucionalidade pode, inclusive, ver-se prejudicada após o transcurso do mês de janeiro, considerando que o ato regimental do TJDFT é restrito a período previamente demarcado. Cessando sua eficácia, por decurso de tempo, o pedido de declaração de inconstitucionalidade estará irremediavelmente prejudicado, ao menos em relação ao ato do TJDFT.

A viabilidade do processo de controle concentrado, nessa específica hipótese, demanda acelerado exame do pedido de provimento cautelar, sem o qual o proveito pretendido com o ajuizamento desta ação direta poderá se perder, em detrimento da supremacia e da força normativa da Constituição.

Dessa forma, presentes os requisitos exigidos à concessão da medida cautelar, com eficácia ex nunc, nos termos previstos no art. 10 da Lei n.º 9.868/99 e no artigo 170, §§ 1º e 3º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, pleiteia a suspensão ad cautelam do Ato Regimental n.º 5º, de 10 de novembro de 2006, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, e da Resolução 24, de 24 de outubro de 2006, do Conselho Nacional de Justiça, por ofensa aos arts. 93, XII e 103-B, § 4º, da Constituição da República.

Requer, por fim, que, colhidas as informações necessárias e ouvido o Advogado-Geral da União, seja determinada a abertura de vista dos autos à Procuradoria-Geral da República para manifestação, pedindo que, ao final, sejam julgados procedentes os pedidos formulados.

Pede deferimento.

Brasília, 20 de novembro de 2006.

ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

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