Sucessão barrada

Nova Varig não herda dívidas trabalhistas, entende juiz

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25 de novembro de 2006, 6h01

Ao contrário do que defendem as associações de juízes trabalhistas, o juiz Edilton Meireles, da 34ª Vara do Trabalho de Salvador, decidiu que não há sucessão trabalhista na recuperação judicial da Varig.

A sucessão das dívidas trabalhistas se tornou alvo de entendimentos contraditórios depois de publicada a nova Lei de Falências, Lei 11.101/05. O artigo 141, inciso II, diz: “Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive de empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata esse artigo, o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho”. Antes, a sucessão era inevitável.

Hoje, por enquanto, não há jurisprudência sobre os casos em que há e os que não há sucessão das dívidas trabalhistas. A nova regra ainda é muito. Para o juiz Edilton Meireles, no caso da Varig, a nova proprietária não herda as dívidas com ex-funcionários. Ele entende que a lei criou um contexto que garante ao novo comprador da empresa em recuperação judicial a não sucessão dos débitos.

A decisão do juiz Edilton Meireles não leva em conta posicionamento do Superior Tribunal de Justiça. No dia 10 de novembro, o ministro Ari Pargendler proibiu, liminarmente, a Justiça do Trabalho de processar ações de ex-funcionários da Varig. A liminar foi pedida pela empresa, que quer que seja declarada a competência da Justiça Estadual do Rio de Janeiro.

Vale lembrar que o juiz Luiz Roberto Ayoub, da 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, responsável pelo processo de recuperação judicial da Varig, também defende a não sucessão dos débitos trabalhistas.

Veja a decisão

Aos vinte e quatro dias do mês de novembro de dois mil e seis, às 11:35 horas, estando aberta a sessão de audiência da 34ª Vara do Trabalho de Salvador, na presença do Exmº Sr. Dr. Juiz do Trabalho EDILTON MEIRELES, por sua ordem, foram apregoados os litigantes: VALÉRIA SELDA DE CASTRO E SILVA, reclamante, e VARIG – VIAÇÃO AÉREA RIO GRANDENSE S/A (EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL), VEM MANUTENÇÃO E ENGENHARIA S/A E VARIG LOGÍSTICA S/A, reclamadas. PARTES AUSENTES. Em seguida, pelo Juiz do Trabalho foi prolatada a seguinte decisão:

VALÉRIA SELDA DE CASTRO E SILVA reclama contra as empresas VARIG – VIAÇÃO AÉREA RIO GRANDENSE S/A (EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL), VEM MANUTENÇÃO E ENGENHARIA S/A E VARIG LOGÍSTICA S/A alegando e requerendo o que consta da inicial. As reclamadas contestaram e juntaram alguns documentos. Sobre estes a reclamante se manifestou.

Valor da alçada fixado em quantia superior ao dobro do salário mínimo.

Razões finais aduzidas.

Tentativas de conciliação sem êxito.

É O RELATÓRIO.

JUSTIÇA GRATUITA.

Em face da condição econômica da reclamante, é-lhe assegurada o benefício da justiça gratuita, com fundamento no § 3º do art. 790 da CLT c/c a Lei 1.060/50.

Vale lembrar, ainda, que em face da declaração do reclamante, devemos presumir seu estado de miserabilidade ou, pelo menos, que não tem condições de arcar com as despesas processuais (art. 4º, § 1º, da Lei 1.060/50).

Diga-se, ainda, que para gozar do benefício da Justiça Gratuita basta a declaração de pobreza do interessado ou de seu procurador, a teor do que dispõe o art. 1º da Lei n. 7.115/83. Frise-se, outrossim, que o § 3º do art. 790 da CLT, com redação dada pela Lei n. 10.537/02, não exclui a possibilidade dessa declaração ser produzida através de procurador. Aplica-se, in casu, portanto, a regra geral de que qualquer pessoa pode atuar ou se manifestar através de procurador constituído legalmente.

Outrossim, a assistência judiciária, reservada ao sindicato profissional, no âmbito da Justiça do Trabalho, gerador do direito aos honorários advocatícios, não se confunde com o benefício de justiça gratuita.

A Lei n. 5.584/70, a par de estabelecer a possibilidade de assistência judiciária pelo sindicato, não exclui a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita na hipótese regulada pela Lei n. 1.060/50.

Assim, qualquer pessoa pode ser destinatária dos benefícios previstos na Lei n. 1.060/50, independentemente de estar ou não assistido pelo sindicato. A diferença é que quando a assistência judiciária é prestada pelo sindicato este faz jus a receber os honorários advocatícios de sucumbência.

Não fosse isso, o § 3o do art. 790 da CLT, estabelece, claramente, essa distinção, ao prever a possibilidade de qualquer juiz ou órgão julgador conceder, até de ofício, os benefícios da gratuidade, em qualquer instância.

PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA MATERIAL.


A terceira reclamada alega a incompetência desse Juízo para apreciar a presente demanda trabalhista, apontando a 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro como competente em face da ação de recuperação judicial ajuizada pela primeira reclamada.

Sem razão a terceira reclamada, já que, constitucionalmente, compete à Justiça do Trabalho o processamento das demandas trabalhistas.

Não fosse isso, a Lei n. 11.101/05, em seu art. 6º, § 2º, esclarece que as demandadas trabalhistas se processam perante a Justiça do Trabalho.

Rejeito, assim, essa preliminar.

PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA.

A segunda e terceira reclamadas alegam suas ilegitimidades passivas “ad causam”, requerendo a extinção do feito sem julgamento do mérito.

Essa preliminar, entretanto, deve ser rejeitada, já que somente a reclamada tem legitimidade para defender os seus interesses diante do alegado na exordial.

A falta de relação de emprego entre essas partes e mesmo a falta de responsabilidade pelo pagamento dos débitos trabalhistas reclamados, entretanto, são matérias relativas ao mérito e que serão tratadas adiante.

Rejeitamos, pois, essa preliminar.

PRELIMINAR DE INÉPCIA.

A primeira reclamada alega a inépcia parcial da inicial, em relação a alguns pedidos, já que não indica as causas petendi em relação a estes.

Conquanto sintética a inicial, no que se refere a causa de pedir de alguns pedidos, esta não se caracteriza pela inépcia, já que de sua leitura decorre lógica conclusão, extraindo-se, de seu conjunto, os motivos e fundamentos dos pedidos.

Rejeitamos, assim, esta preliminar.

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. SEGUNDA RECLAMADA. LIMITE TEMPORAL.

A segunda reclamada admitiu, por sua vez, que, de fato, pertencia ao grupo econômico capitaneado pela primeira reclamada.

Comprovou, por outro lado, que, em 09/11/2005 (fls. 249), a primeira reclamada (VARIG) transferiu o controle acionário da mesma (VEM) para a empresa Aero-LB Participações Ltda, deixando, assim, nesta data, de fazer parte daquele agrupamento empresarial.

Sendo assim, considerando o disposto no § 2º do art. 2º da CLT, tem-se que a segunda reclamada responde solidariamente apenas pelos débitos contraídos pela primeira reclamada até 08/11/2005.

SUCESSÃO. TERCEIRA RECLAMADA. INEXISTÊNCIA.

A reclamante alega, ainda, que a terceira reclamada sucedeu a primeira reclamada, daí porque responderia solidariamente pelos débitos reclamados.

Para decidir a este respeito, devemos levar em considerar a legislação vigente à época em que teria ocorrido o fato gerador da pseudo sucessão.

A Lei n. 11.101/05, em seu art. 60, caput, e parágrafo único, é claro ao estabelecer que, “se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei” e que “o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta Lei”.

Tal regra modificou, por inteiro, o panorama jurídico que até então existia em relação à sucessão de empresas para efeito de incidência da legislação trabalhista. Isso porque, com base em outros princípios – o da recuperação do empreendimento – se quis criar condições jurídicas para que os arrematantes das bens ou das unidades produtivas das empresas em recuperação judicial tivessem condições de adquirir os mesmos sem ter que arcar com as dívidas do alienante.

Para que essa isenção de responsabilidade do arrematante prevaleça é certo que a alienação dos bens e das unidades produtivas não pode incorrer em fraude contra terceiros. Daí porque a isenção de responsabilidade somente ocorre se a alienação ocorrer pelas vias judiciais, em ação de recuperação judicial, após um complexo procedimento de aprovação do plano de recuperação judicial, com participação de todos os credores, na forma prevista na Lei n. 11.101/05.

Ou seja, o legislador acautelou os credores com todas as garantias contra as alienações fraudulentas de bens e das unidades produtivas das empresas em recuperação judicial e, partindo dessa premissa, assegurou aos arrematantes desses bens a garantia de isenção de responsabilidade pelas dívidas anteriores da empresa em recuperação judicial.

Em sendo assim, tem-se que a terceira reclamada não é sucessora nos débitos da primeira reclamada. Logo, a ação deve ser julgada improcedente contra a mesma.

PRESCRIÇÃO.

Considerando a data do ajuizamento da reclamação, devemos reconhecer a prescrição dos créditos exigíveis anteriormente a 05/09/2001.


Cumpre ressalvar, entretanto, que a prescrição das diferenças do FGTS, incidentes sobre as verbas pagas ao longo da relação de emprego, é a trintenária (Enunciado n. 362 do TST).

Assim, o pedido de diferenças do FGTS, acrescido de 40%, incidentes sobre as verbas salariais pagas ao longo da relação de emprego não foi tragado pela prescrição.

NOVAÇÃO E EXECUÇÃO.

As questões relacionadas à novação e da execução da dívida porventura reconhecida nesta sentença serão oportunamente decididas, em processo de execução.

VALE TRANSPORTE. VALE ALIMENTAÇÃO E SALÁRIOS RETIDOS.

A primeira reclamada, em sua defesa, reconheceu a procedência dos pedidos das alíneas “c”, “e” e “f” da inicial.

Procedem, assim, os pedidos respectivos.

SEGURO DESEMPREGO.

A reclamante requereu desistência do pedido de pagamento do seguro desemprego, já devidamente homologado (fls. 132).

REAJUSTE SALARIAL.

A primeira reclamada admitiu, ainda, que deixou de conceder os reajustes salariais previstos nas normas coletivas indicadas na inicial.

A primeira reclamada busca respaldar seu ato no art. 503 da CLT.

A redução salarial, no entanto, desde outubro de 1988, somente pode ocorrer mediante negociação coletiva (art. 7º, inciso VI, da CF/88). E a demandada não fez prova dessa negociação coletiva.

Procede, assim, também este outro pedido (alínea “g”).

HORAS EXTRAS.

Afastada a preliminar de inépcia do pedido, cabe-nos apreciar, ainda, a pretensão de pagamento de 132 horas extras.

A reclamante pede o pagamento de 132 horas extras. Já a empregadora nega a prestação desse labor extraordinário, juntando aos autos os respectivos controles de ponto.

Já da análise dos controles de ponto, verifica-se que a reclamante não laborou em jornada extraordinária, gozando regularmente de folgas.

Improcede, assim, este pedido.

PARCELAS RESCISÓRIAS. MULTA.

Como a empregadora não fez prova do pagamento de qualquer das parcelas rescisórias, impõe-se a condenação nos pedidos respectivos, inclusive no pagamento de quantia equivalente ao FGTS, acrescida de 40%, já que não há prova de que os depósitos a esse título tenham sido efetuados.

Ainda, por via de conseqüência, deve a reclamada ser apenada com a multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT, em quantia equivalente ao último salário-base do reclamante.

MULTA PROCESSUAL. ART. 467 DA CLT.

Como a empregadora reclamada não efetuou o pagamento das verbas rescisórias devidas na primeira audiência, impõe-se, ainda, a condenação na multa processual prevista no art. 467 da CLT.

Assim, sobre as verbas rescisórias incide a multa equivalente a 50% de seus valores.

Deve ser esclarecido, todavia, que esta multa incide somente sobre as vantagens que deveriam ter sido satisfeitas quando do rompimento contratual (na homologação da rescisão contratual), daí porque rescisórias.

Desse modo, essa multa incide sobre o aviso prévio, as férias indenizadas, acrescidas de 1/3, o 13o salário proporcional, o saldo de salário (do mês da rescisão), sobre a quantia equivalente ao FGTS e sobre a multa correspondente a 40% do FGTS.

BLOQUEIO DE PARCELAS INCONTROVERSAS.

O pedido de bloqueio das parcelas incontroversas não encontra amparo na lei, nesta fase processual.

Ademais, em face da ação de recuperação judicial, descabe essa medida cautelar.

MULTAS NORMATIVAS.

Em decorrência do descumprimento das normas coletivas — não pagamento das horas extras, por exemplo — deve a empregadora ser apenada com as multas estabelecidas nos instrumentos normativos acostados aos autos com a inicial, respeitando-se seus prazos de vigência e seus valores.

Ressalte-se que estas multas devem ser aplicadas uma única vez por cada ano de vigência dos respectivos instrumentos normativos, tendo por época própria o mês anterior à data-base ou, ainda, o da despedida, se for o caso.

Acrescente-se que essa multa é devida mesmo quando a cláusula normativa é mera repetição do texto de lei (OJ n. 239 da SDI-I do C. TST).

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. NÃO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS.

A reclamante pede, ainda, que as reclamadas sejam condenadas no pagamento de uma indenização por danos morais e por danos materiais em face da retenção injusta dos salários (não pagamento dos salários).

DANOS MATERIAIS

A reclamante não fez prova de que tenha sofrido qualquer perda patrimonial ou deixado de obter lucros (cessantes) em decorrência desse ato da primeira reclamada.

De qualquer modo, dispõe a lei que, nas obrigações de pagamento em dinheiro, estas devem ser pagas com atualização monetária, juros, custas e honorários advocatícios (art. 404 do CPC).


Além disso, estabelece a lei que o juiz poderá conceder indenização complementar sempre que constatar que os juros de mora não cobrem o prejuízo do credor em não havendo pena convencional (parágrafo único do art. 404 do CPC).

Tal preceito, por sua vez, tem ampla aplicação na relação de emprego. Isso porque a principal obrigação do empregador é pagar salário. O inadimplemento dessa obrigação, ao certo, gera danos ao trabalhador. Esse dano, por sua vez, pode ser superior aos juros de mora, que são a remuneração do capital (isto é, os lucros cessantes do pagamento não efetuado). Logo, poderá o juiz trabalhista, doravante, conceder uma indenização suplementar sempre que provado que os juros não cobrem os prejuízos havidos, inexistindo pena convencional.

Exemplo que pode ser lembrado é do empregado que, por não ter recebido seu salário, deixa de pagar seu débito para com terceiro, gerando a aplicação de multa contratual ou incidência de juros em valores superiores aqueles correspondentes aos juros de mora trabalhista. Neste caso, poderá o empregado exigir do empregador o pagamento de indenização suplementar (não somente os juros de mora) de modo a se ressarcir da multa contratual ou juros pagos ao seu credor (terceiro credor do empregado), pois o trabalhador teria deixado de pagar seu débito por não ter recebido o salário.

Assim, a título de indenização complementar, impõe-se a condenação das reclamadas na quantia de R$..3.000,00, com época própria em 31/07/2006.

DANOS MORAIS.

Outrossim, sem dúvida, o simples descumprimento contratual, ao lado dos eventuais danos materiais, faz surgir o dano moral. Não que a reclamante eventualmente tenha ficado com seu crédito abalado pela falta de pagamento dos salários, já que aqui estamos diante de provável dano material, mas, sim, pelo simples fato do contrato não ter sido respeitado pelo contratante, o que, por si só, é gerador do dano moral. Dano moral este refletido na frustração do credor em não ter recebido o que de direito lhe era devido. Dano moral que surge da violação de direito contratual firmado de boa-fé e que reflete na estima da pessoa, que se vê tratada de forma indigna, ultrajante e desonrosa ao deixar de ser pago os salários.

Em suma, quem não se sente frustrado, “doído por dentro”, traído, humilhado e impotente quando deixa de receber aquilo que, por direito, lhe é devido, não dispondo de meio imediatos para fazer valer seu interesse violado.

Fosse o empregador o credor, ele ao certo iria descontar do salário do empregado o seu crédito. Poderia, ainda, aplicar-lhe uma “punição”; até despedi-lo. E o empregado que não recebe seu salário, que é despedido sem qualquer explicação ou justificativa, que sequer, em Juízo, tem seus direitos mais líquidos e certos satisfeitos de imediato, apesar de incontroversos, fica com a sensação de frustração.

Tal conduta patronal, portanto, merece ser, no mínimo, reprimida com a imputação de indenização por dano moral.

Diga-se, ainda, que a ofensa moral dispensa prova quanto ao dano em si. O dano é presumível em decorrência da simples ofensa.

A legislação não estabelece critérios objetivos para fixação desse valor. Contudo, a Lei n. 5.250/67, que cuida da liberdade de pensamento e de informação, traça algumas diretrizes que podem ser aplicadas por analogia ou subsidiariamente.

Desse modo, cabe lembrar que a Lei 5.250/67, em seu art. 53, estabelece que “no arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o Juiz terá em conta, notadamente:

I- a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e a repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido;

II- a intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal ou civil fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação; e

III- a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação, nos prazos previstos em lei e independente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por esse meio obtida pelo ofendido”.

Sendo assim, levando em considerações os aspectos acima mencionados, no que é aplicável ao caso em epígrafe, arbitramos a indenização por dano moral na quantia de R$..15.000,00, com época própria em 31/07/2006.

Para tanto, levamos em consideração que a reclamante é uma pessoa casada, com cerca de 40 anos atualmente, mãe de dois filhos menores (fls. 168).

Outrossim, o grau de culpa da primeira reclamada, que agiu de forma temerária, irresponsável e desumana para com a reclamante, além de sua condição econômica, são outros fatores levados em consideração, a teor do inciso II do art. 53 da Lei n. 5.250/67.


DANO MORAL. ASSÉDIO MORAL.

A reclamante pede, ainda, que seja fixada uma indenização por danos morais sofrido por assédio moral praticados pelos clientes da primeira reclamada, em decorrência da crise, com cancelamentos de vôos, etc, pela qual passou e que é de conhecimento público (fato público e notório).

Alega a reclamante que os constrangimentos sofridos poderiam ter sido evitados pela empresa.

A prova do assédio moral restou comprovado pelo depoimento das três testemunhas interrogadas, que confirmaram que elas e a reclamante eram vítimas de maus tratos e xingamentos por parte dos clientes da primeira reclamada.

Aliás, podemos afirmar que — se não fato público e notório — a experiência hominis induz à certeza de que, de fato, nos momentos de crise operacional da primeira reclamada, os seus empregados foram alvos de atos de maus tratos, ofensas, etc, por parte dos clientes revoltados com os atrasos e/ou cancelamento de seus vôos.

Cabe esclarecer que entendemos por assédio moral “toda conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho” (in Marie-France Hirigoyen, Assédio moral. A violência perversa no cotidiano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, p. 65).

A empregadora, por sua vez, incorreu em culpa em relação a estes atos de assédio moral. Isso porque ela tinha o dever de assegurar à reclamante a segurança necessária ao desenvolvimento de suas atividades.

Ora, quando empregado contrata a prestação de serviços no estabelecimento da empresa, por certo, esta deve oferecer as mínimas condições necessárias para o bom desenvolvimento da atividade laboral, inclusive a segurança contra atos ofensivos porventura praticados por terceiros (os clientes, etc).

Tal obrigação, por sua vez, decorre do princípio da boa-fé objetiva.

No que se refere ao princípio da boa-fé objetiva, é preciso lembrar que, conforme doutrina, a partir da prestação pactuada surgem os deveres principais, secundários e os laterais, anexos ou instrumentais (Carlos Alberto da Mota Pinto, Cessão da posição contratual, p. 337, e Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das obrigações, p. 65-66).

Os deveres principais são aqueles encontrados no núcleo da relação obrigacional e que definem o tipo contratual (o dever de entregar a coisa e de pagar o preço na compra e venda; o dever de prestar serviço subordinado e de pagar salário, no contrato de emprego, etc).

Os deveres secundários, por sua vez, dividem-se em meramente acessórios da obrigação principal, sem autonomia em relação a esta, como na compra e venda o dever de conservar a coisa vendida até tradição, e deveres secundários com prestação autônoma, quer sejam como sucedâneos da obrigação principal (a exemplo da indenização na inexecução culposa) ou coexistente com o dever principal, sem a substituírem, como na hipótese de indenização por mora, que subsiste com a prestação originária ( João de Matos Antunes Varela, Das obrigações em geral, p. 124, nota de rodapé 1).

Já os deveres laterais, anexos ou instrumentais (também denominados deveres acessórios, acessórios de conduta, deveres de conduta, deveres de proteção ou deveres de tutela) são aqueles derivados de cláusula contratual, de dispositivo de lei ad hoc ou da incidência da boa-fé objetiva. São os deveres “de cooperação e proteção dos recíprocos interesses” das partes relacionadas (Judith Martins-Costa, op. cit., p. 439). Fernando Noronha prefere chamá-los de deveres fiduciários “porque é denominação que aponta diretamente para o fato de eles serem exigidos pelo dever de agir de acordo com a boa-fé, tendo como fundamento a confiança gerada na outra parte” (Direito das obrigações, p. 81).

Parte-se da concepção de que a relação obrigacional é “uma totalidade voltada para o adimplemento” e “esta não inclui apenas, como relação totalizante que é, o dever principal de prestar, ou um eventual dever secundário correlato, mas também deveres acessórios ou implícitos, instrumentais e independentes, ao lado da obrigação principal, todos voltados para o correto adimplemento” (Maurício Jorge Mota, A pós-eficácia das obrigações, p. 191).

Assim, “a boa-fé na execução do contrato consiste em que cada contratante deve salvaguardar o interesse do outro, incluído mais além da disciplina legal e negocial, sempre que tal salvaguarda não implique em sacrifício apreciável ao próprio interesse” (Alfredo Montoya Melgar, La buena fe en el derecho del trabajo, p. 39. Tradução livre do Autor). Em suma, “traduzem-se em deveres de cooperação com a contraparte” (Fernando Noronha, Direito das obrigações, p. 80.).


E, dentre estes deveres anexos, têm-se os de cuidado, previdência, proteção e segurança com a pessoa e o patrimônio da contraparte, inclusive contra danos morais, como aquele do empregador em oferecer condições seguras de trabalho, independentemente de norma específica neste sentido; teríamos, ainda, o dever do empregado em cuidar do patrimônio do empregador de modo a não lhe causar dano ou mesmos de cuidar de sua saúde.

Situação semelhante ocorre do fato de o empregador colocar à disposição do empregado local para guarda de outros bens, tais como roupas, bolsas, etc. Óbvio, pois, que o empregador responde pela perda ou deterioração de tais bens, que lhe são confiados, ainda que não pactuada expressamente essa responsabilidade. Ela, pois, deriva do dever lateral de proteção ao patrimônio do co-contratante.

Assim é que, tais obrigações, quando não expressa, decorrem do princípio da boa-fé objetiva. Boa-fé objetiva entendida, como a confiança depositada em outrem a partir do comportamento esperado numa relação jurídica. Parte-se do pressuposto da existência de uma relação jurídica entre, pelo menos, duas pessoas, havendo, entre elas, imposição de deveres em relação à outra, de modo a criar um estado de confiança a partir do comportamento revelado exteriormente.

O empregador, por sua vez, que descumpre essas obrigações decorrentes da boa-fé objetiva, viola um dos deveres derivados do próprio contrato. Logo, responde pelo descumprimento contratual. E na modalidade de responsabilidade contratual, a culpa é presumida, até porque ninguém viola a obrigação contratual sem violar o direito. Cabia, assim, à empresa, comprovar que não agiu com culpa, de modo a se isentar de qualquer responsabilidade.

De todo narrado, portanto, chega-se a fácil conclusão de que a empresa faltou com a boa-fé objetiva, violando a confiança depositada pela reclamante a partir do comportamento esperado numa relação jurídica.

Desse modo, impõe a fixação de outra indenização por danos morais, em face do assédio moral da qual a reclamante foi vítima.

Assim, considerando os mesmos argumentos já mencionados acima para fixação dessa espécie de indenização por danos morais, arbitramos essa reparação na quantia de R$ 20.000,00, com época própria na data de despedida da autora.

IMPOSTO DE RENDA E CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA.

Sobre o crédito da reclamante incide o imposto de renda, inclusive sobre os juros de mora, ainda que de forma destacada.

A contribuição previdenciária, por sua vez, é devida pelas partes litigantes, incidindo sobre as horas extras, adicionais, repouso semanal e 13º salário.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

Inicialmente, cabe destacar que a reclamante não fez prova de que esta sendo assistida pelo sindicato de sua categoria profissional. Assim, de acordo com a jurisprudência predominante, somente é cabível a condenação em honorários advocatícios, na Justiça do Trabalho, quando preenchidos os requisitos da Lei n. 5.584/70, se a demanda envolve empregado e empregador (ou ex’s).

O art. 133 da CF/88 e a Lei 8.906/94 (Estatuto dos Advogados) não revogaram, pois, o disposto no art. 791 da CLT, mantendo-se o jus postulandi das partes, conforme entendimento da Corte Constitucional – o STF – e o Colendo TST (Súmula n. 329, DOU de 21/12/93), daí porque nada ser devido a título de honorários advocatícios.

CONCLUSÃO:

Isso posto, julgo IMPROCEDENTE a reclamação proposta contra a terceira reclamada, e julgo PROCEDENTE EM PARTE a reclamação para condenar as duas primeiras reclamadas, sendo que segunda de forma subsidiária pelos débitos contraídos até 08/11/2005, com juros e correção monetária, nos pedidos das alíneas “c”, “e”, “f”, “g”, “i”, “k”, ”l”, “m”, “n” e “o” da inicial, tudo conforme parâmetros, limites e restrições estabelecidos nos fundamentos acima.

Ficam as partes responsáveis pelos recolhimentos das contribuições previdenciárias e do imposto de renda, inclusive sobre os juros de mora, sendo que nestes de forma destacada.

Fica advertida a primeira demandada que deverá pagar seu débito líquido (indenizações por danos materiais e morais), no prazo de 8 (oito) dias, sob pena de ser acrescida da multa de 10% (dez por cento), na forma prevista no art. 475-J do CPC, considerando, ainda, o disposto no § 1º do art. 832 da CLT.

Custas pelas duas primeiras reclamadas na quantia de R$ 1.400,00 calculadas sobre o valor da causa fixado em R$ 70.000,00.

Liquide-se por cálculos as parcelas ilíquidas, observando-se a variação salarial e a prescrição qüinqüenal, abatendo-se as parcelas pagas aqueles títulos, respeitando-se os prazos de vigência das normas coletivas trazidas à colação, bem como os limites e restrições estabelecidos nos fundamentos acima, observando-se, ainda, o entendimento revelado pela Súmula n. 381 do TST.

Notifiquem-se as partes.

E, nada mais havendo para constar, foi lavrada a presente ata que, depois de lida e achada no conforme, vai assinada na forma da lei.

JUIZ DO TRABALHO

DIRETOR(A) DA SECRETARIA

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