Manicômio judiciário

A repercussão geral contra a jurisprudência defensiva

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24 de novembro de 2006, 6h00

Será que a prestação do serviço jurisdicional se realiza com a decisão de primeiro grau e a possibilidade de revisão da sentença? Ou será que é necessário o envio de qualquer processo para os Tribunais Superiores (STF, STJ, TST, TSE, STM)? Eu entendo que basta a decisão de primeiro grau e sua revisão por órgão colegiado para que a prestação jurisdicional (aquela prevista no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal), esteja plenamente satisfeita.

Gostaria de saber o motivo pelo qual os Tribunais Superiores devem reiterar, até as suas últimas forças, decisões já conhecidas e desgastadas no embate jurídico? Não seria mais razoável o Tribunal Superior (qualquer que seja) escolher o caso que entenda oportuno analisar, que tenha verdadeira repercussão geral na sociedade?

Neste sentido foi criada a “transcendência do Recurso de Revista” que alterou, em setembro de 2001, a redação da CLT, introduzindo o artigo 896-A, da CLT: “Art. 896-A. O Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de revista, examinará previamente se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica.”

Este dispositivo continua livre, leve e solto no nosso sistema jurídico. É certo que existe uma ADI 2.527, proposta pela OAB, mas o processo não foi julgado até a presente data. E olha que foi proposta em 14 de setembro de 2001.

Este mesmo instituto, com outro nome, foi introduzido pela Emenda Constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004: “a repercussão geral das questões constitucionais” (artigo 102, parágrafo 3º, CF: “No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.”)

O contexto dessa alteração é, sem dúvida, criar um mecanismo de filtragem dos recursos a serem apreciados.

Para regulamentar este artigo constitucional está em trâmite o Projeto de Lei 6.648/06, já aprovada pelas Comissões de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Se o PL 6.648/06 for sancionado pelo Presidente da República, os ministros do Supremo Tribunal Federal poderão escolher as matérias que irão julgar.

A medida deverá livrar o STF de uma montanha de processos, uma vez que afasta o julgamento de interesse restrito às partes. O projeto prevê que, quando houver vários recursos com fundamento na mesma controvérsia, caberá ao tribunal de origem selecionar um ou mais que sejam representativos e encaminhá-los ao STF. Os demais ficam suspensos até o pronunciamento final do Supremo.

Negada a existência de repercussão geral, os recursos suspensos serão considerados não admitidos. Se o Supremo julgar o mérito do Recurso Extraordinário, os órgãos responsáveis pelas decisões questionadas poderão declará-las prejudicadas.

O mesmo regramento poderia (deveria) ser utilizado no STJ, TST, TSE e STM. Afinal, se até questão de ordem pública não é examinada pelos Tribunais Superiores por falta do requisito do “prequestionamento” (por exemplo, REsp 814.885/SE, DJ 19.05.2006), não obstante ser possível a decisão “de ofício” em qualquer instância ou grau de jurisdição (artigo 267, parágrafo 3º, CPC), entendo, a contrário sensu, que a Jurisdição (com J maiúsculo) está satisfatoriamente prestada com a decisão monocrática e a sua revisão por órgão colegiado.

Nada mais, o resto é questão de ordem nacional, sob pena de vivermos um verdadeiro “manicômio judiciário”, e a criação de uma “jurisprudência defensiva” (com obstáculos intransponíveis para a admissibilidade do Recurso nos Tribunais Superiores), como já disse, certa vez, o Ministro Gilmar Mendes, do STF.

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