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STF sinaliza que pode derrubar prisão para depositário infiel

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23 de novembro de 2006, 17h21

Muito mais do que discutir se é possível prender o devedor em alienação fiduciária – mudança que já representa um marco na doutrina do Direito, o Supremo Tribunal Federal sinalizou que pode também declarar a impossibilidade da prisão do depositário infiel. Assim, a prisão civil ficaria limitada apenas ao inadimplente de pensão alimentícia.

Hoje, as duas únicas hipóteses de prisão civil permitidas pela Constituição Federal são para o devedor de pensão alimentícia e o depositário infiel. Em 1969, o Decreto-Lei 911 equiparou o devedor em alienação fiduciária ao depositário infiel, abrindo uma nova possibilidade de prisão civil. O conceito foi defendido pelo ministro aposentado do Supremo, Moreira Alves.

Na quarta-feira (23/11), o STF começou a reexaminar a sua própria jurisprudência e a caminhar no sentido oposto. Oito ministros já votaram – todos pela inconstitucionalidade da prisão para o devedor em alienação fiduciária. O ministro Celso de Mello interrompeu o julgamento. No seu pedido de vista, explicou que pretende refletir melhor sobre o assunto, uma vez que veio à tona discussão mais ampla sobre a possibilidade de prisão para o depositário infiel.

Hierarquia em questão

A discussão que se trava no Supremo é referente à hierarquia dos acordos internacionais. O Brasil é signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o chamado Pacto de San José da Costa Rica, de 1969. O artigo 7º desse acordo estabelece: “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”.

O tratado conflita com a Constituição brasileira que permite a prisão civil também em uma segunda hipótese, a do depositário infiel. Há, portanto, um choque entre as duas normas. Resta ao Supremo decidir qual deve prevalecer.

Para o ministro Gilmar Mendes, a corrente majoritária considera os tratados sobre direitos humanos infraconstitucionais, mas supralegais. Em outras palavras, os acordos internacionais seriam hierarquicamente inferiores à Constituição, mas superiores à legislação infraconstitucional.

O ministro reforça a sua tese com base no parágrafo 3º, do artigo 5º, inserido pela Emenda Constitucional 45. O dispositivo diz: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que foram aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Corrobora essa tese também, de acordo com a visão do ministro, o fenômeno da globalização, que provocou “a abertura cada vez maior do Estado a ordens jurídicas supranacionais de proteção de direitos humanos”.

Admitida essa tese, a possibilidade de prisão para o depositário infiel cairia num vazio. O Pacto de San José da Costa Rica não admite prisão civil nestes casos. Ele não teria força para revogar a Constituição, mas teria poder suficiente para revogar a artigo 652 do novo Código Civil, que regulamenta a prisão. Sem regulamentação, a prisão não poderia ser admitida, mas se transformaria em previsão constitucional morta.

A discussão ainda não teve fim. Por enquanto, a decisão do STF deve valer apenas para declarar inconstitucional a equiparação entre devedor em alienação fiduciária e o depositário infiel e, conseqüentemente, a terceira hipótese de prisão civil. Ainda faltam os votos de três ministros: Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Eros Grau. Se não houver nenhuma reviravolta, o Supremo derrubará um entendimento de anos. No mais, também abrirá um precedente para que a prisão do depositário infiel seja questionada.

Leia o voto do ministro Gilmar Mendes

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 466.343-1 SÃO PAULO

RELATOR: MINISTRO CEZAR PELUSO

RECORRENTE(S): BANCO BRADESCO S/A

ADVOGADO(A/S): VERA LÚCIA B. DE ALBUQUERQUE E

RECORRIDO(A/S): LUCIANO CARDOSO SANTOS

VOTO-VOGAL

O EXMO. SR. MINISTRO GILMAR MENDES: O recurso extraordinário foi interposto pelo Banco Bradesco S.A., com fundamento no art. 102, III, “a”, da Constituição, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, negando provimento ao recurso de apelação n° 791031-0/7, consignou entendimento no sentido da inconstitucionalidade da prisão civil do devedor fiduciante em contrato de alienação fiduciária em garantia, em face do que dispõe o art. 5º, inciso LXVII, da Constituição.


Após o voto do Ministro Cezar Peluso, negando provimento ao recurso, passo a analisar o tema.

I – Prisão civil do depositário infiel em face dos tratados internacionais de direitos humanos

Se não existem maiores controvérsias sobre a legitimidade constitucional da prisão civil do devedor de alimentos, assim não ocorre em relação à prisão do depositário infiel. As legislações mais avançadas em matéria de direitos humanos proíbem expressamente qualquer tipo de prisão civil decorrente do descumprimento de obrigações contratuais, excepcionando apenas o caso do alimentante inadimplente.

O art. 7o (n° 7), da Convenção Americana sobre Direitos Humanos — Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, dispõe desta forma:

“Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.”

Com a ratificação pelo Brasil desta convenção, assim como do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos[1], sem qualquer reserva, ambos no ano de 1992, iniciou-se um amplo debate sobre a possibilidade de revogação, por tais diplomas internacionais, da parte final do inciso LXVII do art. 5o da Constituição brasileira de 1988, especificamente, da expressão “depositário infiel”, e, por conseqüência, de toda a legislação infraconstitucional que nele possui fundamento direto ou indireto.

Dispensada qualquer análise pormenorizada da irreconciliável polêmica entre as teorias monista (Kelsen)[2] e dualista (Triepel)[3] sobre a relação entre o Direito Internacional e o Direito Interno dos Estados — a qual, pelo menos no tocante ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos, tem-se tornado ociosa e supérflua –, é certo que qualquer discussão nesse âmbito pressupõe o exame da relação hierárquico-normativa entre os tratados internacionais e a Constituição.

Desde a promulgação da Constituição de 1988, surgiram diversas interpretações que consagraram um tratamento diferenciado aos tratados relativos a direitos humanos, em razão do disposto no § 2o do art. 5o, o qual afirma que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Essa disposição constitucional deu ensejo a uma instigante discussão doutrinária e jurisprudencial – também observada no direito comparado[4] – sobre o status normativo dos tratados e

convenções internacionais de direitos humanos, a qual pode ser sistematizada em quatro correntes principais, a saber:

a) a vertente que reconhece a natureza supraconstitucional dos tratados e convenções em matéria de direitos humanos[5];

b) o posicionamento que atribui caráter constitucional a esses diplomas internacionais[6];

c) a tendência que reconhece o status de lei ordinária a esse tipo de documento internacional[7];

d) por fim, a interpretação que atribui caráter supralegal aos tratados e convenções sobre direitos humanos[8].

A primeira vertente professa que os tratados de direitos humanos possuiriam status supraconstitucional. No direito comparado, Bidart Campos defende essa tese em trechos dignos de nota:


“Si para nuestro tema atendemos al derecho internacional de los derechos humanos (tratados, pactos, convenciones, etc., con un plexo global, o con normativa sobre un fragmento o parcialidad) decimos que en tal supuesto el derecho internacional contractual está por encima de la Constitución. Si lo que queremos es optimizar los derechos humanos, y si conciliarlo con tal propósito interpretamos que las vertientes del constitucionalismo moderno y del social se han enrolado – cada una en su situación histórica — en líneas de derecho interno inspiradas en un ideal análogo, que ahora se ve acompañado internacionalmente, nada tenemos que objetar (de lege ferenda) a la ubicación prioritaria del derecho internacional de los derechos humanos respecto de la Constitución. Es cosa que cada Estado ha de decir por sí, pero si esa decisión conduce a erigir a los tratados sobre derechos humanos en instancia prelatoria respecto de la Constitución, el principio de su supremacía — aun debilitado – no queda escarnecido en su télesis, porque es sabido que desde que lo plasmó el constitucionalismo clásico se ha enderezado — en común con todo el plexo de derechos y garantías — a resguardar a la persona humana en su convivencia política.”[9]

Entre nós, Celso de Albuquerque Mello[10] é um exemplar defensor da preponderância dos tratados internacionais de direitos humanos em relação às normas constitucionais, que não teriam, no seu entender, poderes revogatórios em relação às normas internacionais. Em outros termos, nem mesmo emenda constitucional teria o condão de suprimir a normativa internacional subscrita pelo Estado em tema de direitos humanos.

É de ser considerada, no entanto, a dificuldade de adequação dessa tese à realidade de Estados que, como o Brasil, estão fundados em sistemas regidos pelo princípio da supremacia formal e material da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico. Entendimento diverso anularia a própria possibilidade do controle da constitucionalidade desses diplomas internacionais.

Como deixou enfatizado o Supremo Tribunal Federal ao analisar o problema,“assim como não o afirma em relação às leis, a Constituição não precisou dizer-se sobreposta aos tratados: a hierarquia está ínsita em preceitos inequívocos seus, como os que submetem a aprovação e a promulgação das convenções ao processo legislativo ditado pela Constituição (…) e aquele que, em conseqüência, explicitamente admite o controle da constitucionalidade dos tratados (CF, art. 102, III, b)[11].

Os poderes públicos brasileiros não estão menos submetidos à Constituição quando atuam nas relações internacionais em exercício do treaty-making power. Os tratados e convenções devem ser celebrados em consonância não só com o procedimento formal descrito na Constituição[12], mas com respeito ao seu conteúdo material, especialmente em tema de direitos e garantias fundamentais.

O argumento de que existe uma confluência de valores supremos protegidos nos âmbitos interno e internacional em matéria de direitos humanos não resolve o problema. A sempre possível ampliação inadequada dos sentidos possíveis da expressão “direitos humanos” poderia abrir uma via perigosa para uma produção normativa alheia ao controle de sua compatibilidade com a ordem constitucional interna. O risco de normatizações camufladas seria permanente.

A equiparação entre tratado e Constituição, portanto, esbarraria já na própria competência atribuída ao Supremo Tribunal Federal para exercer o controle da regularidade formal e do conteúdo material

desses diplomas internacionais em face da ordem constitucional nacional.

Ressalte-se, porém, que, na medida em que esse tipo de controle possa ser exercido, não se podem olvidar as possíveis repercussões de uma declaração de inconstitucionalidade no âmbito do Direito Internacional.


A experiência de diversos ordenamentos jurídicos, es­pecialmente os europeus, demonstra que as Cortes Constitucionais costumam ser bastante cautelosas quanto à questão da apreciação da constitucionalidade de tratados inter­nacionais. Assim, mesmo em momentos delicados — como os famosos casos Maastricht na Alemanha[13] e na Espanha[14] — os Tribunais evitam declarar a inconstitucionalidade de atos normativos internacionais.

Como afirmou o Tribunal Constitucional da Espanha no caso Maastricht:

“Aunque aquella supremacía quede en todo caso asegurada por la posibilidad de impugnar (arts. 27.2 c, 31 y 32.1 LOTC) o cuestionar (art. 35 LOTC) la constitucionalidad de los tratados una vez que formen parte del ordenamiento interno, es evidente la perturbación que, para la política exterior y las relaciones internacionales del Estado, implicaría la eventual declaración de inconstitucionalidad de una norma pactada.”

É nesse contexto que se impõe a necessidade de utilização de uma espécie de controle prévio, o qual poderia impedir ou desaconselhar a ratificação do tratado de maneira a oferecer ao Poder Executivo possibilidades de renegociação ou aceitação com reservas.

Essa idéia, apesar de todos os óbices do sistema brasileiro, já apresenta os elementos suficientes para a sua exeqüibilidade. Uma vez que o Decreto Legislativo que aprova o instrumento internacional é passível de impugnação pela via da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), ou ainda, da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), esse controle de caráter preventivo é possível no Brasil.

Assim, em face de todos os inconvenientes resultantes da eventual supremacia dos tratados na ordem constitucional, há quem defenda o segundo posicionamento, o qual sustenta que os tratados de direitos humanos possuiriam estatura constitucional.

Essa tese entende o § 2o do art. 5o da Constituição como uma cláusula aberta de recepção de outros direitos enunciados em tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil. Ao possibilitar a incorporação de novos direitos por meio de tratados, a Constituição estaria a atribuir a esses diplomas internacionais a hierarquia de norma constitucional. E o § 1o do art. 5o asseguraria a tais normas a aplicabilidade imediata nos planos nacional e internacional, a partir do ato de ratificação, dispensando qualquer intermediação legislativa.

A hierarquia constitucional seria assegurada somente aos tratados de proteção dos direitos humanos, tendo em vista seu caráter especial em relação aos tratados internacionais comuns, os quais possuiriam apenas estatura infraconstitucional.

Para essa tese, eventuais conflitos entre o tratado e a Constituição deveriam ser resolvidos pela aplicação da norma mais favorável à vítima, titular do direito, tarefa hermenêutica da qual estariam incumbidos os tribunais nacionais e outros órgãos de aplicação do direito[15]. Dessa forma, o Direito Interno e o Direito Internacional estariam em constante interação na realização do propósito convergente e comum de proteção dos direitos e interesses do ser humano[16].

No Brasil, defendem essa tese Antônio Augusto Cançado Trindade[17] e Flávia Piovesan[18], os quais entendem que os §§ 1o e 2o do artigo 5o da Constituição caracterizar-se-iam, respectivamente, como garantes da aplicabilidade direta e do caráter constitucional dos tratados de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. Cançado Trindade, que propôs à Assembléia Nacional Constituinte, em 1987, a inclusão do atual § 2º ao art. 5º no texto constitucional que estava sendo construído, assim expressa seu pensamento:


“O propósito do disposto nos parágrafos 2 e 1 do artigo 5 da Constituição não é outro que o de assegurar a aplicabilidade direta pelo Poder Judiciário nacional da normativa internacional de proteção, alçada a nível constitucional (…).

Desde a promulgação da atual Constituição, a normativa dos tratados de direitos humanos em que o Brasil é parte tem efetivamente nível constitucional e entendimento em contrário requer demonstração. A tese da equiparação dos tratados de direitos humanos à legislação infraconstitucional – tal como ainda seguida por alguns setores em nossa prática judiciária – não só representa um apego sem reflexão a uma tese anacrônica, já abandonada em alguns países, mas também contraria o disposto no artigo (5) 2 da Constituição Federal Brasileira”[19].

A hierarquia constitucional dos tratados de proteção dos direitos humanos é prevista, por exemplo, pela Constituição da Argentina, que delimita o rol de diplomas internacionais possuidores desse status normativo diferenciado em relação aos demais tratados de caráter comum[20]. Da mesma forma, a Constituição da Venezuela, a qual, além da hierarquia constitucional, estabelece a aplicabilidade imediata e direta dos tratados na ordem interna e fixa a regra hermenêutica da norma mais favorável ao indivíduo, tal como defendido por essa corrente doutrinária[21].

Apesar da interessante argumentação proposta por essa tese, parece que a discussão em torno do status constitucional dos tratados de direitos humanos foi, de certa forma, esvaziada pela promulgação da Emenda Constitucional no 45/2004, a Reforma do Judiciário (oriunda do Projeto de Emenda Constitucional no 29/2000), a qual trouxe como um de seus estandartes a incorporação do § 3o ao art. 5o, com a seguinte disciplina: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”

Em termos práticos, trata-se de uma declaração eloqüente de que os tratados já ratificados pelo Brasil, anteriormente à mudança constitucional, e não submetidos ao processo legislativo especial de aprovação no Congresso Nacional, não podem ser comparados às normas constitucionais.

Não se pode negar, por outro lado, que a reforma também acabou por ressaltar o caráter especial dos tratados de direitos humanos em relação aos demais tratados de reciprocidade entre os Estados pactuantes, conferindo-lhes lugar privilegiado no ordenamento jurídico.

Em outros termos, solucionando a questão para o futuro – em que os tratados de direitos humanos, para ingressarem no ordenamento jurídico na qualidade de emendas constitucionais, terão que ser aprovados em quorum especial nas duas Casas do Congresso Nacional –, a mudança constitucional ao menos acena para a insuficiência da tese da legalidade ordinária dos tratados e convenções internacionais já ratificados pelo Brasil, a qual tem sido preconizada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal desde o remoto julgamento do RE n° 80.004/SE, de relatoria do Ministro Xavier de Albuquerque (julgado em 1.6.1977; DJ 29.12.1977) e encontra respaldo em um largo repertório de casos julgados após o advento da Constituição de 1988[22].

Após a reforma, ficou ainda mais difícil defender a terceira das teses acima enunciadas, que prega a idéia de que os tratados de direitos humanos, como quaisquer outros instrumentos convencionais de caráter internacional, poderiam ser concebidos como equi­valentes às leis ordinárias. Para esta tese, tais acordos não possuiriam a devida legitimidade para confrontar, nem para complementar o preceituado pela Constituição Federal em matéria de direitos fundamentais.


O Supremo Tribunal Federal, como anunciado, passou a adotar essa tese no julgamento do RE n° 80.004/SE, Rel. p/ o acórdão Min. Cunha Peixoto (julgado em 1.6.1977). Na ocasião, os Ministros integrantes do Tribunal discutiram amplamente o tema das relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno. O Relator, Ministro Xavier de Albuquerque, calcado na jurisprudência anterior, votou no sentido do primado dos tratados e convenções internacionais em relação à legislação infraconstitucional.

A maioria, porém, após voto-vista do Min. Cunha Peixoto, entendeu que ato normativo internacional – no caso, a Convenção de Genebra, Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias – poderia ser modificado por lei nacional posterior, ficando consignado que os conflitos entre duas disposições normativas, uma de direito interno e outra de direito internacional, devem ser resolvidos pela mesma regra geral destinada a solucionar antinomias normativas num mesmo grau hierárquico: lex posterior derrogat legi priori.

Na verdade, o entendimento que prevaleceu foi o exposto no brilhante voto do Ministro Leitão de Abreu, que bem equacionou a questão, da seguinte maneira:

“(…) Como autorização dessa natureza, segundo entendo, não figura em nosso direito positivo, pois que a Constituição não atribui ao judiciário competência, seja para negar aplicação a leis que contradigam tratado internacional, seja para anular, no mesmo caso, tais leis, a conseqüência, que me parece inevitável, é que os tribunais estão obrigados, na falta de título jurídico para proceder de outro modo, a aplicar as leis incriminadas de incompatibilidade com tratado. Não se diga que isso equivale a admitir que a lei posterior ao tratado e com ele incompatível reveste eficácia revogatória deste, aplicando-se, assim, para dirimir o conflito, o princípio ‘lex posterior revogat priori’. A orientação, que defendo, não chega a esse resultado, pois, fiel à regra de que o tratado possui forma de revogação própria, nega que este seja, em sentido próprio, revogado pela lei. Conquanto não revogado pela lei que o contradiga, a incidência das normas jurídicas constantes do tratado é obstada pela aplicação, que os tribunais são obrigados a fazer, das normas legais com aqueles conflitantes. Logo, a lei posterior, em tal caso, não revoga, em sentido técnico, o tratado, senão que lhe afasta a aplicação. A diferença está em que, se a lei revogasse o tratado, este não voltaria a aplicar-se, na parte revogada, pela revogação pura e simples da lei dita revogatória. Mas como, a meu juízo, a lei não o revoga, mas simplesmente afasta, enquanto em vigor, as normas do tratado com ela incompatíveis, voltará ele a aplicar-se, se revogada a lei que impediu a aplicação das prescrições nele consubstanciadas.” [23]

Sob a égide da Constituição de 1988, exatamente em 22 de novembro de 1995, o Plenário do STF voltou a discutir a matéria no HC n° 72.131/RJ, Red. p/ o acórdão Ministro Moreira Alves, porém agora tendo como foco o problema específico da prisão civil do devedor como depositário infiel na alienação fiduciária em garantia. Na ocasião, reafirmou-se o entendimento de que os diplomas normativos de caráter internacional adentram o ordenamento jurídico interno no patamar da legislação ordinária e eventuais conflitos normativos resolvem-se pela regra lex posterior derrogat legi priori.

Preconizaram esse entendimento também os votos vencidos dos Ministros Marco Aurélio, Francisco Rezek e Carlos Velloso. Deixou-se assentado, não obstante, seguindo-se o entendimento esposado no voto do Ministro Moreira Alves, que o art. 7º (7) do Pacto de San José da Costa Rica, por ser norma geral, não revoga a legislação ordinária de caráter especial, como o Decreto-Lei n° 911/69, que equipara o devedor-fiduciante ao depositário infiel para fins de prisão civil.

Posteriormente, no importante julgamento da medida cautelar na ADI n° 1.480-3/DF, Rel. Min. Celso de Mello (em 4.9.1997), o Tribunal voltou a afirmar que entre os tratados internacionais e as leis internas brasileiras existe mera relação de paridade normativa, entendendo-se as “leis internas” no sentido de simples leis ordinárias e não de leis complementares.


A tese da legalidade ordinária dos tratados internacionais foi reafirmada em julgados posteriores (RE n° 206.482-3/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgado em 27.5.1998, DJ 5.9.2003; HC n° 81.319-4/GO, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 24.4.2002, DJ 19.8.2005)[24] e mantém-se firme na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

É preciso ponderar, no entanto, se, no contexto atual, em que se pode observar a abertura cada vez maior do Estado constitucional a ordens jurídicas supranacionais de proteção de direitos humanos, essa jurisprudência não teria se tornado completamente defasada.

Não se pode perder de vista que, hoje, vivemos em um “Estado Constitucional Cooperativo”, identificado pelo Professor Peter Häberle como aquele que não mais se apresenta como um Estado Constitucional voltado para si mesmo, mas que se disponibiliza como referência para os outros Estados Constitucionais membros de uma comunidade, e no qual ganha relevo o papel dos direitos humanos e fundamentais[25].

Para Häberle, ainda que, numa perspectiva internacional, muitas vezes a cooperação entre os Estados ocupe o lugar de mera coordenação e de simples ordenamento para a coexistência pacífica (ou seja, de mera delimitação dos âmbitos das soberanias nacionais), no campo do direito constitucional nacional, tal fenômeno, por si só, pode induzir ao menos a tendências que apontem para um enfraquecimento dos limites entre o interno e o externo, gerando uma concepção que faz prevalecer o direito comunitário sobre o direito interno[26].

Nesse contexto, mesmo conscientes de que os motivos que conduzem à concepção de um Estado Constitucional Cooperativo são complexos, é preciso reconhecer os aspectos sociológico-econômico e ideal-moral[27] como os mais evidentes. E no que se refere ao aspecto ideal-moral, não se pode deixar de considerar a proteção aos direitos humanos como a fórmula mais concreta de que dispõe o sistema constitucional, a exigir dos atores da vida sócio-política do Estado uma contribuição positiva para a máxima eficácia das normas das Constituições modernas que protegem a cooperação internacional amistosa como princípio vetor das relações entre os Estados Nacionais[28] e a proteção dos direitos humanos como corolário da própria garantia da dignidade da pessoa humana.

Na realidade européia, é importante mencionar a abertura institucional a ordens supranacionais consagrada em diversos textos constitucionais (cf. v.g. Preâmbulo da Lei Fundamental de Bonn e art. 24, (I); o art. 11 da Constituição italiana[29]; os arts. 8°[30] e 16[31] da Constituição portuguesa; e, por fim, os arts. 9° (2) e 96 (1) da Constituição espanhola[32]; dentre outros)[33].

Ressalte-se, nesse sentido, que há disposições da Constituição de 1988 que remetem o intérprete para realidades normativas relativamente diferenciadas em face da concepção tradicional do direito internacional público. Refiro-me, especificamente, a quatro disposições que sinalizam para uma maior abertura constitucional ao direito internacional e, na visão de alguns, ao direito supranacional.

A primeira cláusula consta do parágrafo único do art. 4º, que estabelece que a “República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.


Em comentário a este artigo, o saudoso Professor Celso Bastos ensinava que tal dispositivo constitucional representa uma clara opção do constituinte pela integração do Brasil em organismos supranacionais[34].

A segunda cláusula é aquela constante do § 2º do art. 5º, ao estabelecer que os direitos e garantias expressos na Constituição brasileira “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

A terceira e quarta cláusulas foram acrescentadas pela Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004, constantes dos §§ 3º e 4º do art. 5º, que rezam, respectivamente, que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”, e “o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.”

Lembre-se, também, que vários países latino-americanos já avançaram no sentido de sua inserção em contextos supranacionais, reservando aos tratados internacionais de direitos humanos lugar especial no ordenamento jurídico, algumas vezes concedendo-lhes valor normativo constitucional.

Assim, Paraguai (art. 9o da Constituição)[35] e Argentina (art. 75 inc. 24)[36], provavelmente influenciados pela institucionalização da União Européia, inseriram conceitos de supranacionalidade em suas Constituições. A Constituição uruguaia, por sua vez, promulgada em fevereiro de 1967, inseriu novo inciso em seu artigo 6o, em 1994, porém mais tímido que seus vizinhos argentinos e paraguaios, ao prever que "A República procurará a integração social e econômica dos Estados latino-americanos, especialmente no que se refere à defesa comum de seus produtos e matérias primas. Assim mesmo, propenderá a efetiva complementação de seus serviços públicos."

Esses dados revelam uma tendência contemporânea do constitucionalismo mundial de prestigiar as normas internacionais destinadas à proteção do ser humano. Por conseguinte, a partir desse universo jurídico voltado aos direitos e garantias fundamentais, as constituições não apenas apresentam maiores possibilidades de concretização de sua eficácia normativa, como também somente podem ser concebidas em uma abordagem que aproxime o Direito Internacional do Direito Constitucional.

No continente americano, o regime de responsabilidade do Estado pela violação de tratados internacionais vem apresentando uma considerável evolução desde a criação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também denominada Pacto de San José da Costa Rica, adotada por conferência interamericana especializada sobre direitos humanos, em 21 de novembro de 1969.

Entretanto, na prática, a mudança da forma pela qual tais direitos são tratados pelo Estado brasileiro ainda ocorre de maneira lenta e gradual. E um dos fatores primordiais desse fato está no modo como se tem concebido o processo de incorporação de tratados internacionais de direitos humanos na ordem jurídica interna.

Tudo indica, portanto, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sem sombra de dúvidas, tem de ser revisitada criticamente.

O anacronismo da tese da legalidade ordinária dos tratados de direitos humanos, mesmo antes da reforma constitucional levada a efeito pela Emenda Constitucional n° 45/2004, está bem demonstrado em trechos da obra de Cançado Trindade, que cito a seguir:


A disposição do artigo 5º(2) da Constituição Brasileira vigente, de 1988, segundo a qual os direitos e garantias nesta expressos não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que o Brasil é parte, representa, a meu ver, um grande avanço para a proteção dos direitos humanos em nosso país. Por meio deste dispositivo constitucional, os direitos consagrados em tratados de direitos humanos em que o Brasil seja parte incorporam-se ipso jure ao elenco dos direitos constitucionalmente consagrados. Ade­mais, por força do artigo 5º(1) da Constituição, têm aplicação ime­diata. A intangibilidade dos direitos e garantias individuais é determinada pela própria Constituição Federal, que inclusive proíbe expressamente até mesmo qualquer emenda tendente a aboli-los (artigo 60(4)(IV)). A especificidade e o caráter especial dos trata­dos de direitos humanos encontram-se, assim, devidamente reco­nhecidos pela Constituição Brasileira vigente.

Se, para os tratados internacionais em geral, tem-se exigido a intermediação pelo Poder Legislativo de ato com força de lei de modo a outorgar a suas disposições vigência ou obrigatoriedade no plano do ordenamento jurídico interno, distintamente, no to­cante aos tratados de direitos humanos em que o Brasil é parte, os direitos fundamentais neles garantidos passam, consoante os parágrafos 2 e 1 do artigo 5° da Constituição Brasileira de 1988, pela primeira vez entre nós a integrar o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados e direta e imediatamente exigíveis no plano de nosso ordenamento jurídico interno. Por conseguinte, mostra-se inteiramente infundada, no tocante em particular aos tratados de direitos humanos, a tese clássica – ainda seguida em nossa prática constitucional – da paridade entre os tratados internacionais e a legislação infraconstitucional.

Foi esta a motivação que me levou a propor à Assembléia Nacional Constituinte, na condição de então Consultor jurídico do Itamaraty, na audiência pública de 29 de abril de 1987 da Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais, a inserção em nossa Constituição Federal – como veio a ocorrer no ano seguinte – da cláusula que hoje é o artigo 5º(2). Minha esperança, na época, era no sentido de que esta disposição constitucional fosse consagrada concomitantemente com a pronta adesão do Brasil aos dois Pactos de Direitos Humanos das Nações Unidas e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o que só se concretizou em 1992.

É esta a interpretação correta do artigo 5º(2) da Constituição Brasileira vigente, que abre um campo amplo e fértil para avanços nesta área, ainda lamentavelmente e em grande parte desperdiçado. Com efeito, não é razoável dar aos tratados de proteção de direitos do ser humano (a começar pelo direito fundamental à vida) o mesmo tratamento dispensado, por exemplo, a um acordo comercial de exportação de laranjas ou sapatos, ou a um acordo de isenção de vistos para turistas estrangeiros. À hierarquia de valores, deve corresponder uma hierarquia de normas, nos planos tanto nacional quanto internacional, a ser interpretadas e aplicadas mediante critérios apropriados. Os tratados de direitos humanos têm um caráter especial, e devem ser tidos como tais. Se maiores avanços não se têm logrado até o presente neste domínio de pro­teção, não tem sido em razão de obstáculos jurídicos – que na verdade não existem -, mas antes da falta de compreensão da matéria e da vontade de dar real efetividade àqueles tratados no plano do direito interno.”[37]

Importante deixar claro, também, que a tese da legalidade ordinária, na medida em que permite ao Estado brasileiro, ao fim e ao cabo, o descumprimento unilateral de um acordo internacional, vai de encontro aos princípios internacionais fixados pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, a qual, em seu art. 27, determina que nenhum Estado pactuante “pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”.


Por conseguinte, parece mais consistente a interpretação que atribui a característica de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos. Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade.

Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana.

Essa tese foi aventada, em sessão de 29 de março de 2000, no julgamento do RHC n° 79.785-RJ, pelo voto do Eminente Relator, Min. Sepúlveda Pertence, que acenou com a possibilidade da consideração dos tratados sobre direitos humanos como documentos supralegais. O Ministro Pertence manifestou seu pensamento da seguinte forma:

“Certo, com o alinhar-me ao consenso em torno da estatura infraconstitucional, na ordem positiva brasileira, dos tratados a ela incorporados, não assumo compromisso de logo – como creio ter deixado expresso no voto proferido na ADInMc 1.480 – com o entendimento, então majoritário – que, também em relação às convenções internacionais de proteção de direitos fundamentais – preserva a jurisprudência que a todos equipara hierarquicamente às leis”.

Na ordem interna, direitos e garantias fundamentais o são, com grande freqüência, precisamente porque – alçados ao texto constitucional – se erigem em limitações positivas ou negativas ao conteúdo das leis futuras, assim como à recepção das anteriores à Constituição (…).

Se assim é, à primeira vista, parificar às leis ordinárias os tratados a que alude o art. 5o, § 2o, da Constituição, seria esvaziar de muito do seu sentido útil a inovação, que, malgrado os termos equívocos do seu enunciado, traduziu uma abertura significativa ao movimento de internacionalização dos direitos humanos.” [RHC no 79.785-RJ, Pleno, por maioria, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 22.11.2002, vencidos os ministros Marco Aurélio e Carlos Velloso (o então Min. Presidente)].

Na experiência do direito comparado, é válido mencionar que essa mesma qualificação é expressamente consagrada na Constituição da Alemanha que, em seu art. 25, dispõe que “as normas gerais do Direito Internacional Público constituem parte integrante do direito federal. Elas prevalecem sobre as leis e produzem diretamente direitos e deveres para os habitantes do território nacional”.

Anoto, ainda, que o mesmo tratamento hierárquico-normativo é dado aos tratados e convenções internacionais pela Constituição da França de 1958 (art. 55)[38] e pela Constituição da Grécia de 1975 (art. 28)[39].

Também o Reino Unido vem dando mostras de uma verdadeira revisão de conceitos. O Parlamento já não mais se mostra um soberano absoluto. O “European Communities Act”, de 1972, atribuiu ao direito comunitário hierarquia superior em face de leis formais aprovadas pelo Parlamento. Essa orientação tornou-se realidade no caso Factortame Ltd. v. Secretary of State for Transport (N.2) [1991] [40].


No Direito Tributário, ressalto a vigência do princípio da prevalência do direito internacional sobre o direito interno infraconstitucional, previsto pelo art. 98 do Código Tributário Nacional[41]. Há, aqui, uma visível incongruência, pois admite-se o caráter especial e superior (hierarquicamente) dos tratados sobre matéria tributária em relação à legislação infraconstitucional[42], mas quando se trata de tratados sobre direitos humanos, reconhece-se a possibilidade de que seus efeitos sejam suspensos por simples lei ordinária[43].

É preciso lembrar, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, por longo tempo, adotou a tese do primado do direito internacional sobre o direito interno infraconstitucional. Cito, a título exemplificativo, os julgamentos das Apelações Cíveis n° 9.587, de 1951, Rel. Min. Orosimbo Nonato, e 7.872, de 1943, Rel. Min. Philadelpho Azevedo.

No julgamento da Apelação Cível n° 7.872/RS (11.10.1943), o Ministro Philadelpho Azevedo assim equacionou o problema:

“(…) Tarefa interessante é, porém, a de situar esses atos (tratados internacionais) em face do direito interno, especialmente do nosso, ainda que sem o deslinde do problema filosófico da primazia do direito internacional sobre o interno, pretendido pela chamada escola de Viena e por outros repelido (Nuovo Digesto Italiano – Trattati e convenzioni internazionali – vol. 12 pgs. 382 – Gustavo Santiso Galvez – El caso de Belice – Guatemala 1941 fls. 182 e segs.) ou o exame das teorias, p. ex. de ANZILOTTI e TRIEPEL – dualistas, fazendo girar o direito interno e o internacional em órbitas excêntricas, e monistas, desdobradas por sua vez em nacionalistas e internacionalistas, segundo Verdross e Kelsen, eis que sempre teria de prevalecer o pacta sund servanda a título de axioma ou categoria. (…)

(…) Chegamos, assim, ao ponto nevrálgico da questão – a atuação do tratado, como lei interna, no sistema de aplicação do direito no tempo, segundo o equilíbrio de normas, em regra afetadas as mais antigas pelas mais recentes. O Ministro Carlos Maximiliano chegou a considerar o ato internacional de aplicação genérica no espaço, alcançando até súditos de países a ele estranhos, quando tiver a categoria do Código, com o conhecido pelo nome Bustamante (voto in Direito, vol. 8, pgs. 329). Haveria talvez aí um exagero, interessando, antes, examinar, em suas devidas proporções, o problema do tratado no tempo, sendo claro que ele, em princípio, altera as leis anteriores, afastando sua incidência, nos casos especialmente regulados. A dificuldade está, porém, no efeito inverso, último aspecto a que desejávamos atingir – o tratado é revogado por lei ordinárias posteriores, ao menos nas hipóteses em que o seria uma outra lei? A equiparação absoluta entre a lei e o tratado conduziria à resposta afirmativa, mas evidente o desacerto de solução tão simplista, ante o caráter convencional do tratado, qualquer que seja a categoria atribuída às regras de direito internacional.

Em país em que ao Judiciário se veda apreciar a legitimidade de atos do legislativo ou do executivo se poderia preferir tal solução, deixando ao Governo a responsabilidade de ser haver com as potências contratantes que reclamarem contra a indevida e unilateral revogação de um pacto por lei posterior; nunca, porém, na grande maioria das nações em que o sistema constitucional reserva aquele poder, com ou sem limitações.

Na América, em geral, tem assim força vinculatória a regra de que um país não pode modificar o tratado, sem o acordo dos demais contratantes; proclama-o até o art. 10 da Convenção sobre Tratados, assinada na 6ª Conferência Americana de Havana, e entre nós promulgada pelo Decreto 18.956, de 22 de outubro de 1929, embora não o havendo feito, até 1938, o Uruguai, também seu signatário.


Esse era, aliás, o princípio já codificado por Epitácio Pessoa que estendia ainda a vinculação ao que, perante a equidade, os costumes e os princípios de direito internacional, pudesse ser considerado como tendo estado na intenção dos pactuantes (Código, art. 208); nenhuma das partes se exoneraria e assim isoladamente (art. 210) podendo apenas fazer denúncia, segundo o combinado ou de acordo com a cláusula rebus sic stantibus subentendia, aliás, na ausência de prazo determinado.

Clóvis Beviláqua também não se afastou desses princípios universais e eternos, acentuando quão fielmente devem ser executados os tratados, não alteráveis unilateralmente e interpretados segundo a equidade, a boa fé e o próprio sistema dos mesmos (D.T. Público, vol. 2, pgs. 31 e 32).

Igualmente Hildebrando Acioli, em seu precioso Tratado de Direito Internacional, acentua os mesmos postulados, ainda quando o tratado se incorpora à lei interna e enseja a formação de direitos subjetivos (vol. 2, § 1.309).

É certo que, em caso de dúvida, qualquer limitação de soberania deva ser interpretada restritamente (Acioli, p. cit. § 1.341 nº 13), o que levou Bas Devant, Gastón Jeze e Nicolas Politis a subscreverem parecer favorável à Tchecoslováquia, quanto à desapropriação de latifúndios, ainda que pertencentes a alemães, que invocavam o Tratado de Versalhes (les traités de paix, ont-ils limité la competence lègislative de certains ètats? Paris, 1.927); em contrário, a Alemanha teve de revogar, em homenagem àquele pacto, o art. 61 da Constituição de Weimar que conferia à Áustria o direito de se representar no Reichstag. Sem embargo, a Convenção de Havana já aludida, assentou que os tratados continuarão a produzir seus efeitos, ainda quando se modifique a constituição interna do Estado, salvo caso de impossibilidade, em que serão eles adaptados às novas condições (art. 11).

Mas não precisaríamos chegar ao exame desse grave problema da possibilidade, para o Estado, de modificar certa orientação internacional, por exigências da ordem pública, a despeito de prévia limitação contratual.

Urge apreciar apenas o caso de modificações indiretas, isto é, trazidas normalmente na órbita interna, sem o propósito específico de alterar a convenção, ou estender a mudança para efeitos externos.

Seria exatamente o caso que ora tentamos focalizar de lei ordinária posterior em certo conflito com o Tratado.

Diz, por exemplo, Oscar Tenório: ‘uma lei posterior não revoga o tratado por ser este especial’ (op. cit. pgs. 45).

Corrobora-o Acioli:‘os tratados revogam as leis anteriores mas posteriores não prevalecem sobre eles, porque teriam de o respeitar’ (op. cit. vol 1 § 30)’.

Um caso desses de subsistência de tratado até sua denúncia, a despeito da promulgação, no interregno, de certa lei sobre o mesmo assunto encontra-se no acórdão unânime do Supremo Tribunal Federal de 7 de janeiro de 1.914 (Coelho Rodrigues – Extradição, vol. 3, nº 78); no parecer sobre a carta rogatória nº 89, o atual Procurador-Geral da República também acentuou que contra o acordo internacional não podiam prevalecer nem o regimento desta Corte, nem quaisquer normas de direito interno, salvo as consagradas na Constituição (Rev. de Jurisprudência Brasileira, vol. 52, pgs. 17).


Por isso a técnica exata e sincera foi a que adotou a lei de extradição de 1.911, mandando no art. 12 que fossem denunciados todos os tratados vigentes para que ela pudesse vigorar genérica e irrestritivamente, mas antes dessa denúncia, os Tratados não seriam alcançados pela lei, como reconheceu, acabamos de ver, o Supremo Tribunal em 1.914.

Essa é a solução geralmente seguida, como se pode ver, do artigo de Ramon Soloziano, publicado na Revista de Derecho Internacional de Habana e transcrito na Rev. de Direito, vol. 128, pg. 3; afora a opinião de Hyde e de alguns julgados contrários, o escritor aponta o sentido da mais expressa corrente, não só prestigiada por decisões americanas, como de tribunais alemães e franceses, e, sobretudo, de vários países do novo continente; também Natálio Chediak, de Cuba, escreveu longo trabalho sobre ‘Aplicación de las convenciones internacionales por el derecho nacional – Habana 1.937 – em que chega às mesmas conclusões, e o apresentou ao 2º Congresso de Direito Comparado, recordando a propósito o art. 65 da Constituição espanhola de 1.931, in verbis:

‘No podrá dictarse Ley alguna en contradicción con Convenios internacionales, si no hubieran sido previamente denunciados conforme al procedimiento en ellos establecidos’.

O mesmo se nota nos países europeus, onde também prevalece a regra de imodificabilidade unilateral dos tratados (Paul Fauchille – Droit Internacional Public – 8ª ed. Paris – 1.926 – t. 1º, III, § 858).”

Anos depois, baseando-se nesse julgado, o Ministro Orosimbo Nonato, relator da Apelação Cível n° 9.587/DF (21.8.1951), teceu em seu voto vencedor as seguintes considerações:

“Já sustentei, ao proferir voto nos embargos na apelação cível 9.583, de 22 de junho de 1950, que os tratados constituem leis especiais e por isso não ficam sujeitos às leis gerais de cada país, porque, em regra, visam justamente à exclusão dessas mesmas leis.”

Após citar o voto do Ministro Philadelpho Azevedo no julgado anterior, o Ministro Orosimbo Nonato assim concluiu:

Sem dúvida que o tratado revoga as leis que lhe são anteriores, mas não pode ser revogado pelas leis posteriores, se estas não se referirem expressamente a essa revogação ou se não denunciarem o tratado. A meu ver, por isso, uma simples lei que dispõe sobre imposto de consumo não tem força para alterar os termos de um tratado internacional.”

Assim, a premente necessidade de se dar efetividade à proteção dos direitos humanos nos planos interno e internacional torna imperiosa uma mudança de posição quanto ao papel dos tratados internacionais sobre direitos na ordem jurídica nacional.

É necessário assumir uma postura jurisdicional mais adequada às realidades emergentes em âmbitos supranacionais, voltadas primordialmente à proteção do ser humano.

Como enfatiza Cançado Trindade, “a tendência constitucional contemporânea de dispensar um tratamento especial aos tratados de direitos humanos é, pois, sintomática de uma escala de valores na qual o ser humano passa a ocupar posição central”[44].


Portanto, diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante.

Nesse sentido, é possível concluir que, diante da supremacia da Constituição sobre os atos normativos internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (art. 5º, inciso LXVII) não foi revogada pela ratificação do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria, incluídos o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e o Decreto-Lei n° 911, de 1º de outubro de 1969.

Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada. É o que ocorre, por exemplo, com o art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002), que reproduz disposição idêntica ao art. 1.287 do Código Civil de 1916.

Enfim, desde a ratificação pelo Brasil, no ano de 1992, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), não há base legal para aplicação da parte final do art. 5º, inciso LXVII, da Constituição, ou seja, para a prisão civil do depositário infiel.

De qualquer forma, o legislador constitucional não fica impedido de submeter o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica, além de outros tratados de direitos humanos, ao procedimento especial de aprovação previsto no art. 5º, § 3º, da Constituição, tal como definido pela EC n° 45/2004, conferindo-lhes status de emenda constitucional.

II – Prisão civil do devedor-fiduciante em face do princípio da proporcionalidade

Se, desde o ano de 1992, com a ratificação, pelo Brasil, de tratados de direitos humanos proibitivos da prisão civil por dívida – excetuado apenas o caso do devedor alimentante – não há mais base legal para a prisão civil do depositário infiel na alienação fiduciária em garantia, não se pode descartar a hipótese de que mesmo antes desse fato normativo essa possibilidade de prisão civil já contrariava a ordem constitucional, posterior ou anterior à Constituição de 1988.

É possível antever que a contrariedade à Constituição já estaria configurada pela violação ao princípio da proporcionalidade, a qual ocorreria, no caso, por dois motivos principais:

a) o ordenamento jurídico prevê outros meios processuais-executórios postos à disposição do credor-fiduciário para a garantia do crédito, de forma que a prisão civil, como medida extrema de coerção do devedor inadimplente, não passaria no exame da proporcionalidade como proibição de excesso (Übermassverbot), em sua tríplice configuração: adequação (Geeingnetheit), necessidade (Erforderlichkeit) e proporcionalidade em sentido estrito;


b) o Decreto-Lei n° 911/69, ao instituir uma ficção jurídica, equiparando o devedor-fiduciante ao depositário, para todos os efeitos previstos nas leis civis e penais, estaria a criar uma figura atípica de depósito, transbordando os limites do conteúdo semântico da expressão “depositário infiel” insculpida no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição e, dessa forma, desfigurando o instituto do depósito em sua conformação constitucional, o que perfaria a violação ao princípio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen Gesetzes).

Passemos a analisar essas duas teses.

II.1 – A violação ao princípio da proporcionalidade como proibição de excesso (Übermassverbot)

A alienação fiduciária em garantia, tal como definida pelo art. 66 da Lei n° 4.278/65 (Lei do Mercado de Capitais), com a redação determinada pelo Decreto-Lei n° 911/69, “transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal”.

Segundo os ensinamentos de Orlando Gomes, “a alienação fiduciária em garantia é o negócio jurídico pela qual o devedor, para garantir o pagamento da dívida, transmite ao credor a propriedade de um bem, retendo-lhe a posse direta, sob a condição resolutiva de saldá-la”[45].

Nas lições de Caio Mário, a alienação fiduciária, “criando ‘direito real de garantia’, implica a transferência, pelo devedor ao credor, da propriedade e posse indireta do bem, mantida a posse direta com o alienante. É, portanto, um negócio jurídico de alienação, subordinado a uma condição resolutiva. Efetuada a liquidação do débito garantido, a coisa alienada retorna automaticamente ao domínio pleno do devedor, independentemente de nova declaração de vontade. Na sua essência, a alienação fiduciária em garantia abrange dupla declaração de vontade: uma de alienação, pela qual a coisa passa ao domínio do adquirente fiduciário (correspondente à mancipatio ou a in iure cessio de sua fonte romana); outra de retorno da coisa ao domínio livre do devedor alienante (correspondente factum fiduciae). A conditio está ínsita no próprio contrato, qualificando a lei de ‘resolúvel’ a propriedade. A solução da obligatio será o implemento pleno iure da condição. O contrato é bilateral, oneroso e formal. Exige instrumento escrito que se completa pela inscrição no Registro de Títulos e Documentos”[46].

Em outros termos, a alienação fiduciária é contrato em que figuram o devedor-fiduciante, que aliena a coisa em garantia, mas permanece com sua posse direta; e o credor-fiduciário, que adquire a propriedade resolúvel do bem, mantido em sua posse indireta.

O instituto tem dupla finalidade: a) propiciar às instituições financeiras (fiduciário) garantia especial, com todos os meios processuais a ela inerentes, para a satisfação do crédito; b) conceder ao consumidor (fiduciante) melhores condições para a aquisição de bens duráveis[47].


Na condição de sujeitos ativo e passivo da relação contratual, fiduciante e fiduciário possuem obrigações recíprocas. Se o fiduciante paga a dívida, o que importa em implemento da condição resolutiva, o fiduciário perde a condição de proprietário e é obrigado a restituir o domínio do bem alienado em garantia. Por outro lado, se o fiduciante se torna inadimplente, cabe ao fiduciário — possuidor de todos os direitos e pretensões que lhe correspondem pela condição de proprietário, ainda que não-pleno, do bem – optar por um dos seguintes meios para garantia do crédito[48]:

a) se o devedor entrega o bem, pode o credor-fiduciário aliená-lo a terceiros (venda extrajudicial) e aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes da cobrança, entregando ao devedor o saldo porventura apurado, se houver (§ 4º do art. 1º do Decreto-Lei n° 911/69;

b) pode também o credor ajuizar ação de busca e apreensão para a retomada da posse direta do bem (art. 3º do Decreto-Lei n° 911/69);

c) se o bem alienado não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, poderá o credor requerer a conversão do processo de busca e apreensão em ação de depósito, na forma prevista no Capítulo II, do Título I, do Livro IV, do Código de Processo Civil (art. 4º do Decreto-Lei n° 911/69);

d) pode o credor, ainda, optar pelo ajuizamento de ação de execução (art. 5º do Decreto-Lei n° 911/69).

Segundo Moreira Alves, o Decreto-Lei n° 911/69, ao aludir a esses meios, não privou o credor de se valer de outros, como a ação de reivindicação de posse ou a ação de reintegração de posse[49]

Em suma, o credor é livre para escolher quaisquer desses meios, como acentuam Orlando Gomes[50] e Moreira Alves[51].

Assim, como esclarece Waldirio Bulgarelli, o credor-fiduciário, no caso, as instituições financeiras, “a seu alvedrio e a seu talante escolhem a que melhor couber na oportunidade, para sempre se ressarcir, jamais perdendo, do que resulta que, neste país, a atividade do crédito – ao contrário do que ocorre no resto do mundo – passa a ser uma atividade em que não há risco para o banqueiro.”[52].

Não bastassem essas garantias creditórias postas à disposição do fiduciário, o Decreto-Lei n° 911/69, em seu art. 1º, que altera o art. 66 da Lei n° 4.728/65 (Lei do Mercado de Capitais) equipara o devedor-fiduciante ao depositário, “com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal”, dando ensejo à interpretação, hoje vigente no Supremo Tribunal Federal[53], segundo a qual o fiduciante inadimplente torna-se “depositário infiel” e, por força do art. 5º, inciso LXVII, da Constituição, está sujeito à prisão civil.


Novamente seguindo as palavras de Waldirio Bulgarelli:

“Ao infeliz fiduciante (devedor) resta bem pouco, posto que nunca se viu tão grande aparato legal concedido em favor de alguém contra o devedor. Assim, não pode discutir os termos do contrato, posto que, embora ‘disfarçado’ em contrato-tipo, o contrato de financiamento com garantia fiduciária é efetivamente contrato de adesão, com as cláusulas redigidas pela financeira, impressas, e por ela impostas ao financiado; não é sequer, o devedor, um comprador que está em atraso, posto que, por ‘um passe de mágica’ do legislador, foi convertido em DEPOSITÁRIO (naturalmente, foi mais fácil enquadrá-lo, por um Decreto-Lei, entre os depositários, do que reformar a Constituição, admitindo mais um caso de prisão por dívidas), terá direito, se já pagou mais de 40% (quarenta por cento) do preço financiado, a requerer a purgação da mora, em três dias; terá direito ao saldo do bem vendido pela financeira depois de descontado todo o rol de despesas, taxas, custas, comissões etc., fato que dificilmente virá a ocorrer; trate, por isso, o devedor de jamais se atrasar e nunca, mas nunca, pense em não pagar sua dívida, posto que o mundo inteiro ruirá sobre si, e fique feliz se não for preso.”[54]

Diante desse quadro, não há dúvida de que a prisão civil é uma medida executória extrema de coerção do devedor-fiduciante inadimplente, que não passa no exame da proporcionalidade como proibição de excesso (Übermassverbot), em sua tríplice configuração: adequação (Geeingnetheit), necessidade (Erforderlichkeit) e proporcionalidade em sentido estrito.

Como é sabido, a doutrina identifica como típica manifestação do excesso de poder legislativo a violação ao princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso (Verhältnismässigkeitsprinzip; Übermassverbot), que se revela mediante contraditoriedade, incongruência, e irrazoabilidade ou inadequação entre meios e fins[55].

Uma lei será inconstitucional, por infringente ao princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso, diz o Bundesverfassungsgericht, "se se puder constatar, inequivocamente, a existência de outras medidas menos lesivas"[56].

Portanto, a doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade.

Essa orientação, que permitiu converter o princípio da reserva legal (Gesetzesvorbehalt) no princípio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen Gesetzes)[57], pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, mas também a adequação desses meios para consecução dos objetivos pretendidos (Geeignetheit) e a necessidade de sua utilização (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit)[58].

O subprincípio da adequação (Geeignetheit) exige que as medidas interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos. O subprincípio da necessidade (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit) significa que nenhum meio menos gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos[59]. Em outros termos, o meio não será necessário se o objetivo almejado puder ser alcançado com a adoção de medida que se revele a um só tempo adequada e menos onerosa[60].


Um juízo definitivo sobre a proporcionalidade da medida há também de resultar da rigorosa ponderação e do possível equilíbrio entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade em sentido estrito)[61].

No caso em exame, como analisado, a existência de outros meios processuais executórios postos à disposição do credor-fiduciário para a garantia eficaz do crédito torna patente a desnecessidade da prisão civil do devedor-fiduciante.

Ressalte-se, neste ponto, que, segundo nos informa Moreira Alves, o civilista alemão Regelsberger, quem primeiro chamou a atenção para a figura do negócio fiduciário (fiduziarische Geschäft), em 1880, baseado na fidúcia romana, já acentuava que a característica principal desse tipo de negócio jurídico encontrava-se na desproporção entre fim e meio, e arrematava: “Para a obtenção de determinado resultado é escolhida forma jurídica que protege mais do que é exigido para alcançar aquele resultado; para a segurança do uso é atribuída a possibilidade do abuso na compra”[62]

A restrição à liberdade individual do fiduciante, neste caso, não é justificada pela realização do direito de crédito do fiduciário. A análise da violação à proporcionalidade em sentido, nesse sentido, é realizada pela ponderação entre a liberdade individual do fiduciante e o direito de crédito do fiduciário (decorrente do direito à propriedade e do postulado da segurança jurídica).

Como ensina Alexy, “o postulado da proporcionalidade em sentido estrito pode ser formulado como uma lei de ponderação cuja fórmula[63] mais simples voltada para os direitos fundamentais diz: quanto mais intensa se revelar a intervenção em um dado direito fundamental, maiores hão de se revelar os fundamentos justificadores dessa intervenção[64].

A colisão entre liberdade do devedor e patrimônio do credor resolve-se, no caso concreto, em prol do direito fundamental daquele. A prisão civil do fiduciante só se justificaria diante da realização de outros valores ou bens constitucionais que necessitem de maior proteção tendo em vista as circunstâncias da situação concreta, como, por exemplo, o valor da assistência familiar no caso da prisão do alimentante inadimplente. Não, porém, nas hipóteses em que vise à mera recomposição patrimonial do credor-fiduciante.

Tem-se, aqui, o primado da liberdade individual.

Nesse sentido, não se pode deixar de lembrar que o Decreto-Lei n° 911/69 foi editado em pleno regime de exceção, com base no Ato Institucional n° 5, de 1968, período de nossa história que, como muitos ainda podem recordar, foi marcado pelo total menosprezo às liberdades individuais.

II.2 – A violação ao princípio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen Gesetzes)

Ademais, é de se enfatizar que essa ponderação entre liberdade individual do devedor e direitos patrimoniais do credor traz as balizas para se aferir a violação ao princípio da reserva legal. Como explicado, o princípio da reserva legal (Gesetzesvorbehalt) pode ser traduzido como princípio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen Gesetzes)[65].


Na ordem constitucional pretérita, a previsão da regra geral da proibição da prisão civil por dívida e suas exceções continha uma reserva legal simples. A Constituição de 1967 (art. 153, § 17) e a Emenda Constitucional n° 1 de 1969 (art. 153, § 17) desta forma estatuíam: “Não haverá prisão civil por dívida, multa ou custas, salvo o caso do depositário infiel ou do responsável pelo inadimplemento de obrigação alimentar, na forma da lei” .

Como é sabido, a norma constitucional que submete determinados direitos à reserva de lei restritiva contém, a um só tempo, (a) uma norma de garantia, que reconhece e garante determinado âmbito de proteção e (b) uma norma de autorização de restrições, que permite ao legislador estabelecer limites ao âmbito de proteção constitucionalmente assegurado[66].

A Constituição de 1988, modificando o texto anterior, retirou a previsão dessa reserva legal (“na forma da lei”). Contudo, não por isso proibiu o legislador de dar conformação ao direito fundamental enunciado nesse dispositivo ou mesmo de restringi-lo. Também não permitiu, por outro lado, ao legislador, nessa atividade de conformação e restrição, ultrapassar os limites do âmbito de proteção normativo.

É certo que no caso de direitos fundamentais sem reserva legal expressa, não prevê a Constituição, explicitamente, a possibilidade de intervenção legislativa. Também nesses direitos vislumbra-se o perigo de conflitos em razão de abusos perpetrados por eventuais titulares de direitos fundamentais. Todavia, no caso dos direitos fundamentais sem reserva legal expressa, não pode o legislador, em princípio, ir além dos limites definidos no próprio âmbito de proteção[67].

A doutrina do direito comparado parece unânime no sentido de que nem tudo o que se encontra protegido, em tese, pelo âmbito de proteção dos direitos fundamentais sem reserva legal expressa — entre nós, a liberdade religiosa, a inviolabilidade de domicílio, a inviolabilidade da correspondência escrita –, colhe efetiva proteção dos direitos fundamentais[68].

A Corte Constitucional alemã, chamada a se pronunciar sobre o tema no caso relacionado com as recusas à prestação de serviço militar, assim se manifestou:

“Apenas a colisão entre direitos de terceiros e outros valores jurídicos com hierarquia constitucional podem excepcionalmente, em consideração à unidade da Constituição e à sua ordem de valores, legitimar o estabelecimento de restrições a direitos não submetidos a uma expressa reserva legal”[69].

A possibilidade de uma colisão legitimaria, assim, o estabelecimento de restrição a um direito não submetido a uma reserva legal expressa.

A propósito, anota Gavara de Cara que, nesses casos, o legislador pode justificar sua intervenção com fundamento nos direitos de terceiros ou em outros princípios de hierarquia constitucional[70].

Entre nós, a atividade legislativa, nessas hipóteses, estaria facilitada pela cláusula de reserva legal subsidiária contida no art. 5º, II, da Constituição.


Assim, a análise da legitimidade constitucional da atividade legislativa de conformação ou restrição pressupõe a identificação do âmbito de proteção do di­reito fundamental ou do seu núcleo. Este processo não pode ser fixado em regras gerais, exigindo, para cada direito fundamental, determinado procedimento.

Não raro, a definição do âmbito de proteção de determinado direito depende de uma interpretação sistemática, abrangente de outros direitos e disposições constitucionais[71]. Muitas vezes, a definição do âmbito de proteção somente há de ser obtida em confronto com eventual restrição a esse direito.

Não obstante, com o propósito de lograr uma sistemati­zação, pode-se afirmar que a definição do âmbito de proteção exige a análise da norma constitucional garantidora de direitos, tendo em vista:

a) a identificação dos bens jurídicos protegidos e a amplitude dessa proteção (âmbito de proteção da norma);

b) a verificação das possíveis restrições contempladas, expressamente, na Constituição (expressa restrição constitucional) e identificação das reservas legais de índole restritiva[72].

Como se vê, a discussão sobre o âmbito de proteção de determinado direito constitui ponto central da dogmática dos direitos fundamentais. Nem sempre se pode afirmar, com segurança, que determinado bem, objeto ou conduta estão protegidos ou não por um dado direito. Assim, indaga-se, em alguns sistemas jurídicos, se valores patrimoniais estariam contemplados pelo âmbito de proteção do direito de propriedade. Da mesma forma, questiona-se, entre nós, sobre a amplitude da proteção à inviolabilidade das comunicações telefônicas e, especialmente, se ela abrangeria outras formas de comunicações (comunicação mediante utilização de rádio; “pager”, etc.

Tudo isto demonstra que a identificação precisa do âmbito de proteção de determinado direito fundamental exige um renovado e constante esforço hermenêutico.

Nesse contexto, peculiar reflexão requerem aqueles direitos individuais que têm o âmbito de proteção instituído direta e expressamente pelo próprio ordenamento jurídico (âmbito de proteção estritamente normativo = rechts- oder norm- geprägter Schutzbereich)[73].

A vida, a possibili­dade de ir e vir, a manifestação de opinião e a possibilidade de reunião preexistem a qualquer disciplina jurídica.[74]

Ao contrário, é a ordem jurídica que converte o simples ter em propriedade, ins­titui o direito de herança e transforma a coabitação entre homem e mulher em casamento[75]. Tal como referido, a proteção constitucional do direito de propriedade e do direito de herança não teria, assim, qualquer sentido sem as normas legais relativas ao direito de propriedade e ao direito de sucessão[76].


Como essa categoria de direito fundamental confia ao legislador, primordialmente, o mister de definir, em essência, o próprio conteúdo do direito regulado, fala-se, nesses casos, de regulação ou de conformação (Regelung oder Ausgestaltung) em lugar de restrição (Beschränkung).

É que as normas legais relativas a esses institutos não se destinam, precipuamente, a estabelecer restrições. Elas cumprem antes relevante e indispensável função como normas de concretização ou de conformação desses direitos.

Não raro, o constituinte confere ao legislador ordinário um amplo poder de conformação, permitindo que a lei concretize ou densifique determinada faculdade fundamental. É o que se pode constatar, de forma expressa, em algumas disposições constitucionais:

(1) “a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento” (art. 5, XXVI);

(2) “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar (art. 5º, XXVII);

(3) “são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução de imagem e voz humana, inclusive nas atividades desportivas; b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas” (art. 5º, inciso XXVIII);

(4) “é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados (…): (art. 5º, XXXVIII);

(5) “são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma lei: a) o registro civil de nascimento; b) a certidão de óbito” (art. 5º, LXXVI);

(6) “são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania” (art. 5º, LXXVII).

Por isso, assinala-se na doutrina a peculiar problemá­tica que marca esses direitos com âmbito de proteção marcadamente normativo: ao mesmo tempo que dependem de concretização e conformação por parte do legislador, eles devem vincular e obrigar o Estado. Em outros termos, o poder de conformação do legislador, na espécie, não significa que ele detenha absoluto poder de disposição sobre a matéria[77]. A propósito, observam Pieroth e Schlink que uma disciplina que rompa com a tradição já não mais configura simples conformação.

Eventual supressão pode lesar tais garantias, afrontando o instituto enquanto direito constitucional objetivo e as posições juridicamente tuteladas, se suprimir as normas concretizadoras de determinado instituto[78]. Existiria, assim, para o legislador, um dever de preservar.


Correlato a esse dever de preservar imposto ao legislador pode-se identificar, também um dever de legislar, isto é, um dever de conferir conteúdo e efetividade aos direitos constitucionais com âmbito de proteção estritamente normativo[79].

No caso do inciso LXVII do art. 5º da Constituição, estamos diante de um direito fundamental com âmbito de proteção estritamente normativo. Cabe ao legislador dar conformação/limitação à garantia constitucional contra a prisão por dívida e regular as hipóteses em que poderão ocorrer suas exceções.

A inexistência de reserva legal expressa no art. 5º, inciso LXVII, porém, não concede ao legislador carta branca para definir livremente o conteúdo desse direito. Não há dúvida de que existe um núcleo ou conteúdo mínimo definido constitucionalmente e vinculante para o legislador.

Nesse sentido, deve-se ter em conta que a expressão “depositário infiel” possui um significado constitucional peculiar que não pode ser menosprezado pelo legislador. Existe um desenho constitucional específico para a figura do depósito, o que lhe empresta a forma de instituto a ser observado pela legislação que lhe dá conformação.

Essas assertivas podem ficar mais claras com a análise do significado da garantia constitucional ou do instituto da propriedade e sua conformação/limitação pelo legislador. Tal como a propriedade, o depósito também tem um significado institucional específico delimitado pela Constituição.

Sobre o direito de propriedade pode-se afirmar que eventual redução legal das faculdades a ele inerentes pode ser vista sob uma dupla perspectiva: para o futuro, cuida-se de uma nova definição do direito de propriedade; em relação ao direito fundado no passado, tem-se uma nítida restrição[80].

Embora, teoricamente, não se possa caracterizar toda e qualquer disciplina normativa desses institutos como restrição, não há como deixar de reconhecer que o legislador pode, no uso de seu poder de conformação, redesenhar determinado instituto, com sérias e, não raras vezes, gravosas conseqüências para o titular do direito.

Caberia indagar se, nesses casos, seria possível falar, propriamente, de conformação ou concretização (Ausgestaltung oder Konkretisierung) ou se se tem, efetivamente, uma restrição (Beschränkung)[81], que poderá revelar-se legítima, se adequada para garantir a função social da propriedade, ou ilegítima, se despro­porcional, desarrazoada, ou incompatível com o núcleo essencial (Wesensgehalt) desse direito[82].

A garantia constitucional da propriedade assegura uma proteção das posições privadas já configuradas, bem como dos direitos a serem eventualmente constituídos. Garante-se, outrossim, a propriedade enquanto instituto jurídico, obrigando o legislador a promulgar complexo normativo que assegure a existência, a funcionalidade, a utilidade privada desse direito[83].


Inexiste, todavia, um conceito constitucional fixo, estático, de propriedade, afigurando-se, fundamentalmente, legítimas não só as novas definições de conteúdo como a fixação de limites destinados a garantir a sua função social[84]. É que, embora não aberto, o conceito constitucional de propriedade há de ser necessariamente dinâmico[85].

Nesse passo, deve-se reconhecer que a garantia constitucional da propriedade está submetida a um processo de relativização, sendo interpretada, fundamentalmente, de acordo com parâmetros fixados pela legislação ordinária[86].

As disposições legais relativas ao conteúdo têm, portanto, inconfundível caráter constitutivo. Isso não significa, porém, que o legislador possa afastar os limites constitucionalmente estabelecidos. A definição desse conteúdo pelo legislador há de preservar o direito de propriedade enquanto garantia institucional. Ademais, as limitações impostas ou as novas conformações conferidas ao direito de propriedade hão de observar especialmente o princípio da proporcionalidade, que exige que as restrições legais sejam adequadas, necessárias e proporcionais[87].

Como acentuado pelo Bundesverfassungsgericht, a faculdade confiada ao legislador de regular o direito de propriedade obriga-o a "compatibilizar o espaço de liberdade do indivíduo no âmbito da ordem de propriedade com o interesse da comunidade"[88]. Essa necessidade de ponderação entre o interesse individual e o interesse da comunidade é, todavia, comum a todos os direitos fundamentais, não sendo uma especificidade do direito de propriedade[89].

A afirmação sobre a legitimidade ou a ilegitimidade de determinada alteração no regime de propriedade há de decorrer, pois, de uma cuidadosa ponderação (Abwägung) sobre os bens e valores em questão. Nesse sentido, afigura-se digna de registro manifestação do Bundesverfassungsgericht a propósito, verbis:

"A propriedade privada caracteriza-se, na sua dimensão jurídica, pela utilidade privada e, fundamentalmente, pela possibilidade de disposição (BVerfGE 31, 229 (240); seu uso deve servir, igualmente, ao interesse social. Pressupõe-se aqui que o objeto da propriedade tenha uma função social. (…) Compete ao legislador concretizar esse postulado também no âmbito do Direito Privado. Ele deve, portanto, considerar a liberdade individual constitucionalmente garantida e o princípio de uma ordem de propriedade socialmente justa – elementos que se encontram em relação dialética na Lei Fundamental – para o fim de, mediante adequada ponderação, consolidar relações equilibradas e justas"[90].

É notória a dificuldade para compatibilizar esses valores e interesses diferenciados. Daí enfatizar o Bundesverfassungsgericht que o poder de conformação do legislador é tanto menor quanto maior for o significado da propriedade como elemento de preservação da liberdade individual[91]. Ao contrário, "a faculdade do legislador para definir o conteúdo e impor restrições ao direito de propriedade há de ser tanto mais ampla, quanto mais intensa for a inserção do objeto do direito de propriedade no contexto social"[92].


Vê-se, pois, que o legislador dispõe de uma relativa liberdade na definição do conteúdo da propriedade e na imposição de restrições. Ele deve preservar, porém, o núcleo essencial (Wesensgehalt) do direito, constituído pela utilidade privada e, fundamentalmente, pelo poder de disposição[93]. A vinculação social da propriedade, que legitima a imposição de restrições, não pode ir ao ponto de colocá-la, única e exclusivamente, a serviço do Estado ou da comunidade[94].

Por outro lado, as considerações expendidas sobre a natureza eminentemente jurídica do âmbito de proteção do direito de propriedade estão a realçar a dificuldade de distinguir, precisamente, a concretização ou conformação do direito de propriedade da imposição de restrições ou de limitações a esse direito. Nesse sentido, convém registrar o magistério de Papier:

"Da reserva legal constante do art. 14, parágrafo 2, da Lei Fundamental resulta que "apenas a propriedade definida em lei" constitui objeto da garantia da propriedade, gozando, portanto, da proteção constitucionalmente assegurada. (…) Podem-se distinguir conceitualmente as disposições de caráter conformativo do direito de propriedade (Inhaltsbestimmungen) daquelas de índole estritamente restritiva (Schrankenbestimmungen). Essa diferenciação não tem, todavia, qualquer relevância do prisma estritamente dogmático ou objetivo. A decisão do legislador de emprestar, originariamente, um conteúdo restritivo a determinadas faculdades inerentes ao direito de propriedade ou de estabelecer restrições ao conteúdo de direito concebido, inicialmente, de forma ampla é quase obra do acaso. O legislador está obrigado a constituir a ordem jurídica da propriedade, considerando, para isso, tanto os interesses privados como as exigências de cunho social. Normalmente, o interesse individual é assegurado pelas normas de Direito Privado; a função social é garantida por disposições de Direito Público. Esses dois complexos normativos contribuem, igualmente, para a constituição do direito de propriedade, inexistindo qualquer relação de hierarquia ou de precedência entre eles"[95].

Tem-se, pois, que a distinção entre disposições de caráter conformativo ou de cunho restritivo cede lugar, no âmbito do direito de propriedade, para uma outra diferenciação, indubitavelmente mais relevante. Trata-se da distinção entre as medidas de índole conformativa ou restritiva, de um lado, e aquelas providências de inequívoca natureza expropriatória, de outro. Enquanto as primeiras são dotadas de abstração, generalidade e impõem apenas restrições às posições jurídicas individuais, considera-se que as providências expropriatórias têm conteúdo concreto, individual, e importam na retirada total ou parcial do objeto da esfera de domínio privado[96].

Assinale-se, porém, que, não raras vezes, a imposição de limitação importa quase a supressão de determinada faculdade inerente ao direito de propriedade. Não obstante, a jurisprudência considera tais medidas como disposições de conteúdo meramente conformativo ou restritivo. Assim, considera-se, na jurisprudência do Bundesverfassungsgericht, que a supressão do direito de rescisão do contrato de arrendamento das pequenas propriedades há de ser entendida como providência de caráter conformativo ou restritivo[97]. Da mesma forma, a proibição de elevação dos aluguéis acima de determinado limite (30%) configuraria medida de caráter restritivo e conformativo[98].


Como se vê, essas disposições de caráter restritivo e conformativo (Inhalts-und Schrankenbestimmungen) podem reduzir de forma significativa alguns poderes ou faculdades reconhecidos originariamente ao proprietário, conferindo mesmo nova conformação a determinado instituto e, por conseguinte a determinado direito. Essa nova definição apresenta-se, inevitavelmente, em relação ao passado, como uma restrição ou limitação[99].

Ressalte-se, porém, que essa possibilidade de mudança é inerente ao caráter institucional e ao próprio conteúdo marcadamente normativo do âmbito de proteção do direito de propriedade. Por seu turno, a própria função social da propriedade impõe ao legislador um dever de atualização das disposições disciplinadoras do direito de propriedade, tornando, muitas vezes, inevitável uma mudança do próprio conteúdo[100]. Ao contrário das providências de índole expropriatória, essas medidas de conteúdo restritivo e conformativo não legitimam, em princípio, qualquer pretensão indenizatória[101].

A dimensão conformativa das alterações legislativas afetas ao direito de propriedade tem sido enfatizada pelo Supremo Tribunal Federal.

Assim, reconheceu o Supremo Tribunal a legitimidade do resgate das enfiteuses instituídas antes do advento do Código Civil e gravadas com cláusula de perpetuidade[102]. Embora a questão relativa ao direito de propriedade não tenha sido discutida expressamente, não deve subsistir dúvida de que, ao proclamar a lisura constitucional da alteração, houve por bem a Excelsa Corte reconhecer, igualmente, a inequívoca legitimidade da mudança de regime jurídico do direito de propriedade ou de outro direito real, não obstante eventuais reflexos sobre as posições individuais.

Finalmente, vale lembrar que a legitimidade de mudança do regime de direito de propriedade foi contemplada no Recurso Extraordinário no 94.020, de 4 de novembro de 1981. No referido recurso, da relatoria do eminente Ministro Moreira Alves, relativo à alegada inconstitucionalidade do art. 125 do Código de Propriedade Industrial – que sujeitava o titular de privilégio, antes regulado pela obrigação constante do art. 116, constituir e manter procurador domiciliado no Brasil, sob pena de caducidade – sustentava-se que, configurando o registro anterior um direito adquirido, não poderia a lei nova impor ao seu titular uma obrigação antes inexistente[103].

Consagrando a orientação esposada pelo eminente Ministro Relator, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que se a lei nova modificar o regime jurídico de determinado instituto – como é o da propriedade, seja ela de coisa móvel, ou imóvel ou de marca -, essa modificação se aplica de imediato[104].

Todos esses precedentes estão a corroborar a idéia de que o caráter normativo do âmbito de proteção do direito de propriedade e, por conseguinte, o conteúdo normativo de seu âmbito de proteção permitem e legitimam a alteração do regime jurídico da propriedade, a despeito dos possíveis reflexos sobre as posições jurídicas individuais.


Embora essas disposições de conteúdo conformativo possam provocar uma diminuição ou redução no patrimônio do titular do direito, não há como deixar de reconhecer que tal redução ou diminuição resulta das próprias limitações impostas pela constituinte à garantia da propriedade[105].

A pretexto de dar nova conformação ao direito de propriedade, não pode o legislador suprimir a utilidade privada do bem para o seu titular (respeito ao núcleo essencial). Por outro lado, com o propósito de disciplinar a forma de existência ou exercício do direito de propriedade, não pode o legislador tornar impossível a aquisição ou o exercício desse direito[106].

Com a figura institucional do depósito parece não ser diferente. A Constituição atribui ao legislador a tarefa de dar conformação legal à figura do depósito, mas proíbe-o de desfigurar ou redesenhar esse instituto em termos demasiado restritivos para o depositário.

Tendo em vista se tratar de exceção expressa à garantia constitucional e regra geral da proibição da prisão civil por dívida, não é permitido ao legislador ampliar indiscriminadamente as hipóteses em que poderá ocorrer a constrição da liberdade individual do depositário infiel.

Tudo indica, portanto, que a Constituição deixa um espaço restrito para que o legislador possa definir o conteúdo semântico da expressão “depositário infiel”. Entendimento contrário atribuiria ao legislador o poder de criar novas hipóteses de prisão civil por dívida, esvaziando a garantia constitucional.

Nesse sentido, parte da doutrina tem entendido que o depósito de que trata a norma do art. 5º, inciso LXVII da Constituição, restringe-se à hipótese clássica ou tradicional na qual o devedor recebe a guarda de determinado bem, incumbindo-se da obrigação contratual ou legal de restituí-lo quando o credor o requeira. Assim sendo, no contrato de alienação fiduciária não haveria um depósito no sentido estrito ou constitucional do termo, mas apenas um “depósito por equiparação” ou “depósito atípico” que não legitimaria a incidência da norma constitucional que comina a prisão civil.

Em resumo da doutrina sobre o assunto, posiciona-se Valério Mazzuoli nos seguintes termos:

“É necessário, de início, deixar bem fixado que, em se tratando de depósito, a Constituição Federal de 1988 somente permite a prisão por dívida civil no caso de infidelidade do depositário propriamente dito, ou seja, nos casos estritos de depósito, entendido este na sua conceituação clássica, genuína, isto é, naquelas hipóteses em que alguém, por força de impostação legal ou de contrato, recebe objeto móvel alheio para guardá-lo, até que o depositante o reclame, e não nos casos de depósitos atípicos instituídos por equiparação visando apenas reforçar as garantias em favor dos credores. Por isso, não cabe a prisão do alienante fiduciário por equiparação, com base na circunstância de que, no caso não ocorreria, em verdade, depósito, mas situação bastante diversa que a lei ordinária equipara a depósito, o que não poderia fazê-lo em face do texto constitucional”[107]

Na jurisprudência, é importante ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça já firmou posicionamento no sentido de que na alienação fiduciária em garantia não há um depósito no sentido estrito do termo, tendo o Decreto-Lei n° 911/69 criado uma figura atípica de “depósito por equiparação”, de forma que o devedor-fiduciante que descumpre a obrigação pactuada e não entrega a coisa ao credor-fiduciário não se equipara ao depositário infiel para os fins previstos no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição, e, portanto, não pode ser submetido à prisão civil[108]. Entende o STJ que “reconhecer à lei ordinária a possibilidade de equiparar outras situações, substancialmente diversas, à do depositário infiel, para o fim de tornar aplicável a prisão civil, equivale a esvaziar a garantia constitucional”[109]. Em suma, a expressão “depositário infiel” abrange tão-somente os “depósitos clássicos”, previstos no Código Civil, “sem possíveis ampliações que ponham em risco a liberdade dos devedores em geral”[110].


Outro não foi o entendimento adotado pelos votos vencidos dos Ministros Marco Aurélio, Francisco Rezek, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence no julgamento do HC n° 72.131/RJ, de 22.11.1995. Retiro do voto do Ministro Sepúlveda Pertence a seguinte passagem:

“É manifesto que a Constituição excetuou, da proibição de prisão por dívida, a prisão do inadimplente de obrigação alimentar e a do depositário infiel. A extensão dessa norma de exceção, não o contesto, pode sofrer mutações ditadas pelo legislador ordinário e ate por Tratado. Mas, também me parece, ninguém discordará, em tese, de que, ao concretizar os seus termos – isto é, os conceitos de obrigação alimentar ou de depositário infiel – o legislador não pode, mediante ficções ou equiparações, ampliar arbitrariamente o texto constitucional, além da opção constituinte nele traduzida. E esta há de ser aferida à base da Constituição e de suas inspirações. Não, à base da lei. Em outras palavras, a admissibilidade, segundo a Constituição, da prisão por dívida de alimentos e da prisão do depositário infiel não é cheque em branco passado ao legislador ordinário. Assim como não lhe é lícito, até com uma aparente base constitucional no art. 100, autorizar a prisão do governante que atrase a satisfação de débitos de natureza alimentar da Fazenda Pública, não creio que possa estender, além da marca que há de ser buscada dentro da própria Constituição, o âmbito conceitual do depósito.”

Destarte, ao definir os contornos legais do contrato de alienação fiduciária, o legislador empregou uma série de ficções jurídicas.

A primeira delas é a figura da propriedade fiduciária, pela qual o credor-fiduciário mantém apenas a posse indireta do bem, ficando a posse direta e, portanto, o usufruto da coisa, com o devedor-fiduciante. Na verdade, o credor não é proprietário em termos absolutos enquanto o devedor se encontre com a posse direta do bem; nem quando, na hipótese de inadimplência, o bem lhe seja entregue pelo devedor ou seja recuperado por meio de busca e apreensão, pois, nesse caso, deverá vendê-lo[111] a terceiros e, assim, ficar apenas com o montante correspondente a seu crédito e demais despesas, devolvendo a quantia restante ao devedor (§§ 4º e 6º do art. 66 da Lei n° 4.728/65, com a redação dada pelo Decreto-lei n° 911/69).

A outra ficção jurídica utilizada foi a equiparação do devedor-fiduciante ao depositário. Como ensina Orlando Gomes, “o devedor-fiduciante não é, a rigor, depositário, pois não recebe a coisa para guardar, nem o credor-fiduciário a entrega para esse fim, reclamando-a quando não mais lhe interesse a custódia alheia. A lei o equipara (artificialmente)[112] ao depositário para lhe impor os encargos e responsabilidades inerentes ao exercício dessa função”[113].

Na alienação fiduciária, o credor, que não é proprietário em termos absolutos – e possui apenas a propriedade fiduciária[114], limitada pelo seu escopo de garantia real –, não pode exigir a restituição do bem. Enquanto o devedor estiver em dia com suas obrigações contratuais, não pode o credor reivindicar a posse direta da coisa alienada.

Além disso, na alienação fiduciária o depósito visa à garantia do crédito e não do bem em si, como no caso do depósito em sentido estrito, de forma que, como analisado anteriormente, o inadimplemento do devedor cria para o credor um amplo leque de possibilidades para a restituição do valor do bem, e não o bem propriamente dito. Tanto é assim que, segundo o § 4º do art. 1º do Decreto-Lei n° 911/69, se o devedor inadimplente entrega o bem, deve o credor-fiduciário aliená-lo a terceiros e aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes da cobrança, entregando ao devedor o saldo porventura apurado, se houver.


Em verdade, como bem definiu o Superior Tribunal de Justiça, “o instituto da alienação fiduciária é uma verdadeira aberratio legis: o credor-fiduciário não é proprietário; o devedor-fiduciante não é depositário; o desaparecimento involuntário do bem fiduciado não segue a milenar regra da res perit domino suo[115].

Enfim, para sintetizar todo esse raciocínio, cito trechos do voto do Ministro Carlos Velloso no julgamento do RE n° 206.482/SP (DJ 5.9.2003):

(…) Temos, então, na alienação fiduciária em garantia, mais de uma ficção: a ficção que leva à falsa propriedade do credor-fiduciário, a ficção do contrato de depósito, em que o devedor é equiparado ao depositário, certo que o credor tem, apenas, a posse indireta do bem, posse indireta que não passa, também, de outra ficção. E a partir dessas ficções, fica o comprador-devedor, na alienação fiduciária, sujeito à prisão civil. Mas o que deve ficar esclarecido é que a Constituição autoriza a prisão civil apenas do depositário infiel, ou seja, daquele que, recebendo do proprietário um certo bem para guardar, se obriga a guardá-lo e a devolvê-lo quando o proprietário pedir a sua devolução (Cód. Civil, arts. 1265 e segs., art. 1287). A Constituição, no art. 5º, LXVII, não autoriza a prisão civil de quem não é depositário e, porque não é depositário, na sua exata compreensão jurídica, não pode ser depositário infiel; noutras palavras, a Constituição autoriza a prisão civil — art. 5º, LXVII — apenas do depositário infiel, vale dizer, daquele que se tornou depositário mediante contrato de depósito, não de devedor que se torna depositário em razão de uma equiparação baseada numa mera ficção legal. Se isso fosse possível, amanhã, mediante outras equiparações, fortes em outras ficções legais, poderíamos ter uma prisão excepcional — CF, art. 5º, LXVII — transformada em regra, fraudando-se, assim, a Constituição. Mas o que deve ser acentuado é que a prisão civil do devedor-fiduciante, mediante a equiparação mencionada, não é tolerada pela Constituição, art. 5º, LXVII.”

E adiante prossegue Velloso:

“Ora, a Constituição vigente, reconhecidamente uma Constituição liberal, que estabelece uma série de garantias à liberdade, não tolera, certamente, equiparações com base em ficções, para o fim de incluir na autorização constitucional, a prisão. O que deve ser entendido é que a prisão civil somente cabe relativamente ao verdadeiro depositário infiel, não sendo toleradas equiparações que têm por finalidade resolver, com a prisão, uma obrigação civil. As normas infraconstitucionais interpretam-se no rumo da Constituição. No caso, permitir a prisão do alienante fiduciário, equiparado ao depositário infiel, é interpretar a Constituição no rumo da norma infraconstitucional. A Constituição, que deixa expresso que o Estado Democrático de Direito tem como fundamento, dentre outros, o princípio da dignidade da pessoa humana, — art. 1º, III –, não pode tolerar que, em seu nome, seja autorizada a prisão do comprador de um bem móvel, que se tornou inadimplente. Não vale, é bom fazer o registro, a afirmativa no sentido de que a prisão, tratando-se de alienação fiduciária em garantia, do devedor-alienante, vem sendo autorizada pelo Supremo Tribunal. É que, após a promulgação da CF/88, a questão somente foi posta por ocasião do julgamento do HC 72.131-RJ, e vários foram os votos pela ilegitimidade constitucional dessa prisão. A prisão, portanto, do devedor-alienante, no contrato de alienação fiduciária em garantia, com base no D.L. 911/69, viola a Constituição, o art. 5º, LXVII.”


Ante o exposto, não há dúvida de que a prisão civil do devedor-fiduciante viola o princípio da reserva legal proporcional, inconstitucionalidade esta que, portanto, fulmina a norma em referência desde a sua concepção, sob a égide da Constituição de 1967/69.

III – Conclusão

Em conclusão, entendo que, desde a ratificação, pelo Brasil, sem qualquer reserva, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos — Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002).

A prisão civil do devedor-fiduciante no âmbito do contrato de alienação fiduciária em garantia viola o princípio da proporcionalidade, visto que:

a) o ordenamento jurídico prevê outros meios processuais-executórios postos à disposição do credor-fiduciário para a garantia do crédito, de forma que a prisão civil, como medida extrema de coerção do devedor inadimplente, não passa no exame da proporcionalidade como proibição de excesso (Übermassverbot), em sua tríplice configuração: adequação (Geeingnetheit), necessidade (Erforderlichkeit) e proporcionalidade em sentido estrito; e

b) o Decreto-Lei 911/69, ao instituir uma ficção jurídica, equiparando o devedor-fiduciante ao depositário, para todos os efeitos previstos nas leis civis e penais, criou uma figura atípica de depósito, transbordando os limites do conteúdo semântico da expressão “depositário infiel” insculpida no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição e, dessa forma, desfigurando o instituto do depósito em sua conformação constitucional, o que perfaz a violação ao princípio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen Gesetzes).

Lembro, mais uma vez, que o Decreto-Lei n° 911/69 foi editado sob a égide do regime ditatorial instituído pelo Ato Institucional n° 5, de 1968. Assinam o decreto as três autoridades militares que estavam no comando do país na época. Certamente — e nesse ponto não tenho qualquer dúvida — , tal ato normativo não passaria sob o crivo do Congresso Nacional no contexto atual do Estado constitucional, em que são assegurados direitos e garantias fundamentais a todos os cidadãos.

Deixo acentuado, também, que a evolução jurisprudencial sempre foi uma marca de qualquer jurisdição de perfil constitucional. A afirmação da mutação constitucional não implica o reconhecimento, por parte da Corte, de erro ou equívoco interpretativo do texto constitucional em julgados pretéritos. Ela reconhece e reafirma, ao contrário, a necessidade da contínua e paulatina adaptação dos sentidos possíveis da letra da Constituição aos câmbios observados numa sociedade que, como a atual, está marcada pela complexidade e pelo pluralismo.

A prisão civil do depositário infiel não mais se compatibiliza com os valores supremos assegurados pelo Estado Constitucional, que não está mais voltado apenas para si mesmo, mas compartilha com as demais entidades soberanas, em contextos internacionais e supranacionais, o dever de efetiva proteção dos direitos humanos.


Tenho certeza de que o espírito desta Corte, hoje, mais do que nunca, está preparado para essa atualização jurisprudencial.

Com essas considerações, Senhora Presidente, nego provimento ao recurso.


[1] Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966), adotado pela Resolução n° 2.200 A (XXI) da Assembléia-Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966 e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, que, em seu art. 11, assim dispõe: “Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual”.

[2] KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes; 1998, p. 515 e ss.

[3] TRIEPEL, Karl Heinrich. As relações entre o Direito Interno e o Direito Internacional. Trad. de Amílcar de Castro. Belo Horizonte; 1964.

[4] Cfr.: BIDART CAMPOS, Gérman J. Teoría General de los Derechos Humanos. Buenos Aires: Astrea; 1991, p. 357.

[5] Cfr.: Mello, Celso Duvivier de Albuquerque. O §2° do art. 5° da Constituição Federal. In: Torres, Ricardo Logo (Org.). Teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, pp. 25-26.

[6] Cfr.: Cançado Trindade, Antônio Augusto. Memorial em prol de uma nova mentalidade quanto à proteção dos direitos humanos nos planos internacional e nacional. Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, Brasília, n° 113-118, 1998. pp. 88-89; e Piovesan, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996. p. 83.

[7] Cfr.: RE 80.004/SE, Rel. Min. Xavier de Albuquerque, DJ 29.12.1977.

[8] Artigo 25 da Constituição da Alemanha; art. 55 da Constituição da França; art. 28 da Constituição da Grécia.

[9] BIDART CAMPOS, Gérman J.. Teoría General de los Derechos Humanos. Buenos Aires: Astrea; 1991, 353.

[10]Cfr.: Mello, Celso D. de Albuquerque. O §2° do art. 5° da Constituição Federal. In: TORRES, Ricardo Logo (Org.). Teoria dos direitos fundamentais. 2a Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, pp. 25.


[11] RHC n° 79.785/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 22.11.2002.

[12] A aplicabilidade dos preceitos internacionais somente é possível a partir do momento em que cumpridos os requisitos solenes para a sua devida integração à ordem jurídico-constitucional, a saber: i) celebração da convenção internacional; ii) aprovação pelo Parlamento; e iii) a ratificação pelo Chefe de Estado – a qual se conclui com a expedição de Decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes:

a) a promulgação do tratado internacional;

b) a publicação oficial de seu texto; e

c) a executoriedade do ato internacional, que, somente a partir desse momento, passa a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno.

[13] BVerfGE 89, 155 (175); cf. também Schwarze, Jürgen. In: Badura, Peter/ Dreier, Horst, Festschrift 50 Jahre Bundesverfassungsgericht, Vol. I, p. 224 (229).

[14] Declaração do Tribunal Constitucional da Espanha de 1º de julho de 1992, caso Maastricht. In: LÓPEZ GUERRA, Luis. Las sentencias básicas del Tribunal Constitucional. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales; 2000, p. 603.

[15] Cfr.: PIOVESAN, Flávia. A Constituição Brasileira de 1988 e os Tratados Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos. In: Temas de Direitos Humanos. 2a Ed. São Paulo: Max Limonad; 2003, pp. 44-56.

[16] Cfr.: CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. A interação entre o Direito Internacional e o Direito Interno na proteção dos direitos humanos. In: Arquivos do Ministério da Justiça, Ano 46, n° 12, jul/dez. 1993.

[17] CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor; 2003.


[18] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 5ª Ed. São Paulo: Max Limonad; 2002.

[19] Cfr.: CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Memorial em prol de uma nova mentalidade quanto à proteção dos direitos humanos nos planos internacional e nacional. Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, Brasília, 113-118, 1998, pp. 88-89.

[20] Art. 75 (22) da Constituição da Argentina: “La Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre; la Declaración Universal de Derechos Humanos; la Convención Americana sobre Derechos Humanos; el Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales; el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y su Protocolo Facultativo; la Convención sobre la Prevención y la Sanción del Delito de Genocidio; la Convención Internacional sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminacion Racial; la Convención sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación contra la Mujer; la Convención contra la Tortura y otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes; la Convención sobre los Derechos del Niño: en las condiciones de su vigencia, tienen jerarquía constitucional, no derogan artículo alguno de la primera parte de esta Constitución y deben entenderse complementarios de los derechos y garantías por ella reconocidos”.

[21] Constituição da Venezuela de 2000, art. 23: “Los tratados, pactos y convenciones relativos a derechos humanos, suscritos y ratificados por Venezuela, tienen jerarquía constitucional y prevalecen en el orden interno, en la medida en que contengan normas sobre su goce y ejercicio más favorables a las establecidas por esta Constitución y en las leyes de la República, y son de aplicación inmediata y directa por los tribunales y demás órganos del Poder Público”.

[22] HC n° 72.131/RJ. Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 1.8.2003; ADI-MC n° 1.480/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 18.5.2001. HC n° 81.139/GO, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.8.2005; HC n° 79.870/SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 20.10.2000; HC n° 77.053/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa; DJ 4.9.1998; RE n° 206.482/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 5.9.2003; RHC n° 80.035/SC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 17.8.2001.

[23] Tanto foi assim que o Tribunal, posteriormente, no julgamento do RE n° 95.002/PR, Rel. Min. Soares Muñoz, DJ 13.11.1981, voltou a aplicar a Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias.

[24] HC n 77.053-1/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgado em 23.6.1998, DJ 4.9.1998; HC n° 79.870-5/SP, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 16.5.2000, DJ 20.10.2000; RE n° 282.644-8/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. p/ o acórdão Min. Nelson Jobim, julgado em 13.2.2001, DJ 20.9.2002.

[25] HÄBERLE, Peter. El estado constitucional. Trad. de Hector Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2003. p. 75-77.

[26] HÄBERLE, Peter. El estado constitucional. Trad. de Hector Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2003. p. 74.

[27] HÄBERLE, Peter. El estado constitucional. Trad. de Hector Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2003. p. 68.

[28] HÄBERLE, Peter. El estado constitucional. Tradução de Hector Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2003. p. 67.

[29] O art. 11 da Constituição italiana preceitua que a Itália “consente, em condições de reciprocidade com outros Estados, nas limitações de soberania necessárias a uma ordem asseguradora da paz e da justiça entre as Nações”.

[30] Cf. Canotilho, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 725-727. Dispõe o atual art. 8.º da Constituição da República Portuguesa (Quarta Revisão/1997): “Art. 8.º (direito internacional). 1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português. 2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internamente o Estado Português”.

3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos”.

[31] O art. 16, n.º 1 da Constituição Portuguesa preceitua que: “os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional”. Ademais, o art. 16, 2 aduz que: “os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.”

[32] A Constituição espanhola, em seu artigo 9 nº 2, afirma que: “As normas relativas aos direitos fundamentais e às liberdades que a Constituição reconhece se interpretarão de conformidade com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e os tratados e acordos internacionais sobre as mesmas matérias ratificadas pela Espanha”. Ademais, no art. 96, 1, dita a regra de que: “os tratados internacionais, logo que publicados oficialmente na Espanha farão parte da ordem interna espanhola”.

[33] Cf. Frowein, Jochen Abr. Die Europäisierung des Verfassungsrechts. In: Badura, Peter e Dreier, Horst. Festschrift des Bundesverfassungsgerichts. Bd. I, 2001. pp. 209-210.

[34] BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva; 1988, p. 466.


[35]Constituição do Paraguai, de 20.06.1992, artigo 9º: “A República do Paraguai, em condições de igualdade com outros Estados, admite uma ordem jurídica supranacional que garanta a vigência dos direitos humanos, da paz, da justiça, da cooperação e do desenvolvimento político, econômico, social e cultural.”

[36]A Constituição da Argentina, no inciso 24 do Artigo 75, estabelece que "Corresponde ao Congresso: aprovar tratados de integração que deleguem competências e jurisdição a organizações supraestatais em condições de reciprocidade e igualdade, e que respeitem a ordem democrática e os direitos humanos. As normas ditadas em sua conseqüência têm hierarquia superior às leis."

[37] CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Memorial em prol de uma nova mentalidade quanto à proteção dos direitos humanos nos planos internacional e nacional. In: Arquivos de Direitos Humanos 1. Rio de Janeiro: Renovar; 1999, p. 46-47.

[38] Art. 55 da Constituição da França de 1958: “Les traités ou accords régulièrement ratifiés ou approuvés ont, dès leur publication, une autorité supérieure à celle des lois, sous réserve, pour chaque accord ou traité, de son application par l’autre partie.”

[39] Art. 28 da Constituição da Grécia de 1975: “The generally recognized rules of international law and the international conventions after their ratification by law and their having been put into effect in accordance with their respective terms, shall constitute an integral part of Greek law and override any law provision to the contrary.”

[40] TOMUSCHAT, Christian. Das Bundesverfassungsgericht im Kreise anderer nationaler Verfassungsgerichte, in Peter Badura e Horst Dreier (org.), Festschritft 50 Jahre Bundesverfassungsgericht, 2001, Tübingen, Mohr-Siebeck, v. 1, p. 249.

[41] Na doutrina: AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do (coord.). Tratados internacionais na ordem jurídica brasileira. São Paulo: Lex Editora; 2005. MACHADO, Hugo de Britto. Curso de Direito Tributário. 23ª Ed. São Paulo: Malheiros; 2003, p. 88-89. Na jurisprudência: RE n° 99.376/RS, Rel. Min. Moreira Alves, julg. 1.6.1984; RE n° 90.824/SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 19.9.1980. Há quem defenda a inconstitucionalidade do art. 98 do Código Tributário. Nesse sentido: CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19ª Ed. São Paulo: Malheiros; 2003, p. 208-209.


[42] RE n° 99.376/RS, Rel. Min. Moreira Alves, julg. 1.6.1984.

[43] HC n° 72.131/RJ. Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 1.8.2003; ADI-MC n° 1.480/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 18.5.2001. HC n° 81.139/GO, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.8.2005; HC n° 79.870/SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 20.10.2000; HC n° 77.053/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa; DJ 4.9.1998; RE n° 206.482/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 5.9.2003; RHC n° 80.035/SC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 17.8.2001.

[44] CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor; 2003, p. 515.

[45] GOMES, Orlando. Contratos. 21ª Ed. Rio de Janeiro: Forense; 2000, p. 459.

[46] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. III. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Forense; 2000, p. 381.

[47] Como ensina Moreira Alves, “introduzida a alienação fiduciária em garantia no direito brasileiro, desde logo teve ela ampla utilização na tutela do crédito direto ao consumidor, concedido pelas instituições financeiras, abrindo-se, assim, perspectiva de aquisição a uma larga faixa de pessoas que, até então, não a tinha, e possibilitando, em contrapartida, o escoamento da produção industrial, especialmente no campo dos automóveis e dos eletrodomésticos.” ALVES, José Carlos Moreira. Da alienação fiduciária em garantia. São Paulo: Saraiva; 1973, p. 11.

[48] Cfr.: GOMES, Orlando. Alienação fiduciária em garantia. 4ª Ed. São Paulo: RT; 1975, p. 108 e ss.

[49] ALVES, José Carlos Moreira. Da alienação fiduciária em garantia. São Paulo: Saraiva; 1973, p. 189.

[50] GOMES, Orlando. Alienação fiduciária em garantia. 4ª Ed. São Paulo: RT; 1975, p. 115.


[51] ALVES, José Carlos Moreira. Da alienação fiduciária em garantia. São Paulo: Saraiva; 1973, p. 190.

[52] BULGARELLI, Waldirio. Contratos Mercantis. São Paulo: Atlas; 2000, p. 308.

[53] HC n° 72.131/RJ. Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 1.8.2003; ADI-MC n° 1.480/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 18.5.2001. HC n° 81.139/GO, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.8.2005; HC n° 79.870/SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 20.10.2000; HC n° 77.053/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa; DJ 4.9.1998; RE n° 206.482/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 5.9.2003; RHC n° 80.035/SC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 17.8.2001.

[54] BULGARELLI, Waldirio. Contratos Mercantis. São Paulo: Atlas; 2000, p. 311-312.

[55] SCHNEIDER, Zur Verhältnismässigkeitskontrolle., in Starck, Bundesverfassungsgericht, cit., v. 2, p. 390 e s.; CANOTILHO, Direito constitucional, cit., p. 487.

[56]BVerfGE,39:210(230-1);SCHNEIDER,Zur

Verhältnismässigkeitskontrolle,in Starck, Bundesverfassungsgericht, cit., p. 399-400.

[57] PIEROTH/SCHLINK, Grundrechte – Staatsrecht II, p. 63.

[58] PIEROTH/SCHLINK, Grundrechte – Staatsrecht II, p. 66.

[59] PIEROTH/SCHLINK, Grundrechte – Staatsrecht II, p. 67.

[60] PIEROTH/SCHLINK, Grundrechte – Staatsrecht II, p. 66.


[61] PIEROTH/SCHLINK, Grundrechte – Staatsrecht II, p. 67.

[62] ALVES, José Carlos Moreira. Da alienação fiduciária em garantia. São Paulo: Saraiva; 1973, p. 22-23.

[63] Para uma formulação geral sobre princípios, cf. R. Alexy, Theorie der Grundrechte p. 146.

[64] Colisão e ponderação como problema fundamental da dogmática dos direitos fundamentais. Palestra proferida na Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro, em 10.12.1998. Tradução informal de Gilmar Ferreira Mendes.

[65] PIEROTH/SCHLINK, Grundrechte – Staatsrecht II, p. 63.

[66] CANOTILHO, Direito Constitucional, cit., p. 602-603.

[67] Cfr. no direito alemão, PIEROTH/SCHLINK, Grundrechte – Staatsrecht II, p. 61.

[68] ALEXY, Theorie der Grundrechte, p. 107.

[69] BVerfGE 28, 243 (26), Cf., também ALEXY, Theorie der Grundrechte, cit., p. 108.

[70] Gavara de Cara, Juan Carlos, Derechos Fundamentales y Desarrollo Legislativo, Madrid, 1994, p. 150.

[71] PIEROTH/SCHLINK, Grundrechte – Staatsrecht II, p. 57

[72] CANOTILHO, Direito Constitucional, cit., p. 602-603.


[73] PIEROTH/SCHLINK, Grundrechte – Staatsrecht II, p. 53.

[74] Tais direitos são protegidos na Constituição Federal brasileira no seu Título II: Dos direitos e garantias fundamentais.

[75] PIEROTH/SCHLINK, Grundrechte – Staatsrecht II, p. 53.

[76] ALEXY, Theorie der Grundrechte, p. 303.

[77] PIEROTH/SCHLINK, Grundrechte – Staatsrecht II, p. 53; Ver, também, CANOTILHO, Direito Constitucional, cit., p. 634.

[78] Cf., a propósito, ALEXY, Theorie der Grundrechte, p. 303.

[79] Cf., sobre o assunto, HESSE, Grundzüge des Verfassungsrechts des Verfassungsrechts, p. 137 s.

[80] Cf. PIEROTH/SCHLINK, Grundrechte – Staatsrecht II, p. 227.

[81] ALEXY, Theorie der Grundrechte, p. 304.

[82] Cf. ALEXY, Theorie der Grundrechte, p. 305; PAPIER, in: Maunz-Dürig, Kommentar zum Grundgesetz, Muni­que, 1990, vol. II, Art. 14, nº 253.

[83] PAPIER, in: MAUNZ-DÜRIG, Kommentar zum Grundgesetz, Art. 14, nº 11.

[84] Cf. a propósito, PAPIER, in: MAUNZ-DÜRIG, Kommentar zum Grundgesetz, Art. 14, nº 253-254, STEIN, Erwin, Zur Wandlung des Eigentumsbegriffes, in: Festschritft für Gebhard Müller, Tübingen, 1970, p. 503.

[85] PAPIER, Hans-Jürgen, in: MAUNZ-DÜRIG, Kommentar zum Grundgesetz, Art. 14, nº 253-254.


[86] PAPIER, Hans-Jürgen, in: MAUNZ-DÜRIG, Kommentar zum Grundgesetz, Art. 14, nº 35.

[87] PAPIER, in: MAUNZ-DÜRIG, Kommentar zum Grundgesetz, Art. 14, nº 38.

[88] BVerfGE 25, 112 (117).

[89] PAPIER, in: MAUNZ-DÜRIG, Kommentar zum Grundgesetz, Art. 14, nº 38.

[90] BVerfGE 37, 132 (140).

[91] BVerfGE 50, 290 (340).

[92] BVerfGE 50, 290 (340).

[93] BVerfGE 42, 263 (294); 31, 229 (240); 37, 132 (140); 50, 290 (339); v. também, PAPIER, in: MAUNZ-DÜRIG, Kommentar zum Grundgesetz, Art. 14, nº 273.

[94] PAPIER, in: MAUNZ-DÜRIG, Kommentar zum Grundgesetz, Art. 14, nº 308.

[95] PAPIER, in: MAUNZ-DÜRIG, Kommentar zum Grundgesetz, Art. 14, nº 251.

[96] BVerfGE, 52, 1 (27); 66, 76; 58, 300 (330); Cf., também, PIEROTH/SCHLINK, Grundrechte – Staatsrecht II, p . 227.

[97] BVerfGE 52, 1(26).


[98] BVerfGE 71, 230(247).

[99] PIEROTH/SCHLINK, Grundrechte – Staatsrecht II, p. 237.

[100] PAPIER, in: MAUNZ- DÜRIG, Komentar, zum Grundgesetz, Art. 14, nº253.

[101] PAPIER, in: MAUNZ- DÜRIG, Komentar, zum Grundgesetz, Art. 14, nº 284.

[102] RE 47.931, de 8.8.1962, Relator: Ministro Ribeiro da Costa, in: Referências da Súmula do STF, v. 10, p. 24 s.; RE 50.325, de 24.07.1962, Relator: Ministro Villas Boas, in: Referências da Súmula do STF, v. 10, p. 28 s.; RE 51.606, de 30.4.1963, Relator: Ribeiro da Costa, in: Referências da Súmula do STF, v. 10, p. 30 s.; RE 52.060, de 30.4.1960, Relator: Ministro Ribeiro da Costa, in: Referências da Súmula do STF, v. 10, p. 34.

[103] RE 94020, Relator: Ministro Moreira Al­ves, RTJ 104, p. 269 (271).

[104] RE 94.020, Relator: Ministro Moreira Alves, RTJ 104, p. 269 (271).

[105] Cf., a propósito, PAPIER, Eigentumsgarantie und Geldentwertung, in: Archiv des öffentlichen Rechts nº 98 (1973), p. 528 (533).

[106] Cf. sobre o assunto, PIEROTH/SCHLINK, Grundrechte – Staatsrecht II, p. 53.

[107] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Prisão Civil por dívida e o Pacto de San José da Costa Rica: de acordo com o Novo Código Civil brasileiro (Lei n° 10.406/2002). Rio de Janeiro: Forense; 2002, p. 36.

[108] RESP n° 7.943/RS, Rel. Min. Athos Carneiro, DJ 10.6.1991; RESP n° 2.320/RS, Rel. Min. Athos Carneiro, DJ 2.9.1991; RESP n° 14.938/PR, Rel. Min. Bueno de Souza, DJ 29.6.1992; RMS n° 995/SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 30.8.1993; RESP n° 39.546/RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 28.2.1994; HC n° 2.155/SP, Rel. p/ ac. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 17.10.1994; RHC n° 3.988/PI, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJ 13.2.1995; HC n° 2.771/DF, Rel. p/ ac. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 5.6.1995; RHC nº 4.329/MG, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 5.6.1995; HC n° 3.206/SP, Rel. Min. Vicente Leal, DJ 5.6.1995; RHC n° 4.288/RJ, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJ 19.6.1995; RHC n° 4.319/GO, Rel. Min. Anselmo Santiago, DJ 21.8.1995; HC n° 3.294/SP, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJ 18.9.1995; HC n° 3.545/DF, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJ 18.12.1995; RHC n° 4.210/SP, Rel. Min. Pedro Acioli, DJ 26.2.1996; RHC nº 8.494/SP, Rel. Min. César Asfor Rocha, DJ 21.6.1999.


[109] RESP n° 7.943/RS, Rel. Min. Athos Carneiro, DJ 10.6.1991.

[110] RESP n° 7.943/RS, Rel. Min. Athos Carneiro, DJ 10.6.1991.

[111] Segundo Orlando Gomes, a venda do bem não é uma faculdade, mas um ônus jurídico para o credor. GOMES, Orlando. Alienação fiduciária em garantia. 4ª Ed. São Paulo: RT; 1975, p. 115.

[112] Essa expressão é utilizada por Orlando Gomes em trechos anteriores. Cfr.: GOMES, Orlando. Alienação fiduciária em garantia. 4ª Ed. São Paulo: RT; 1975, p. 110.

[113] GOMES, Orlando. Alienação fiduciária em garantia. 4a Ed. São Paulo: RT; 1975, p. 130.

[114] ALVES, José Carlos Moreira. Da alienação fiduciária em garantia. São Paulo: Saraiva; 1973, p. 133 e ss.

[115] RHC n° 4288/RJ, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJ 19.6.1995.

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