Caso arquivado

Secretário não é culpado por atentados do PCC, decide TJ paulista

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22 de novembro de 2006, 15h19

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça paulista arquivou a Representação da Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar de São Paulo contra o secretário de Segurança Pública Saulo de Castro e contra o ex-secretário da Administração Penitenciária Nagashi Furukawa. A Associação queria responsabilizá-los criminalmente pelos ataques da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), ocorridos em maio deste ano.

A Associação alegou que houve crime de omissão. Isso porque, de acordo com ela, o ex-secretário da Administração Penitenciária sabia que a transferência de presos da facção criminosa para um presídio de segurança máxima causaria retaliações. Para a Associação, o secretário agiu com “inércia, incompetência, irresponsabilidade, até insensibilidade” por não alertar a Secretaria de Segurança Pública, que, por sua vez, não avisou os comandos da Polícia Civil e Militar sobre os riscos.

Nagashi Furukawa, representado pelos advogados Alberto Zacharias Toron e Alexandra Lebelson Szafir, afirmou: “os comandos da Polícia Militar e Civil não só foram informados das transferências e riscos com a devida antecedência, mas do que isso, participaram ativamente da tomada de todas as decisões”.

“Assim, desde logo se percebe o absurdo contido na Representação, na medida em que tanto o comando da Polícia Militar como da Civil participaram ativamente da tomada de decisões, cabendo, por óbvio, a eles, alertar seus comandos”, sustentou. Também afirmou que o ex-secretário “jamais teve qualquer superioridade hierárquica que lhe autorizasse exigir o que quer que fosse do Secretário de Segurança Pública”.

A decisão, unânime, foi tomada nesta quarta-feira (22/11). O relator do caso foi o desembargador Viana Santos. Para o TJ-SP, não ficou comprovada a culpa de Saulo de Castro e de Nagashi Furukawa nos atentados. Por isso, a representação foi arquivada.

Leia a defesa de Nagashi Furukawa

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Protocolado n.º 51.774/06 – PGJ

NAGASHI FURUKAWA, por seus defensores, nos autos da Representação supra nomeada, respeitosamente, vem à elevada presença de Vossa Excelência a fim de apresentar sua RESPOSTA.

i – síntese da representação:

A ASSOCIAÇÃO DE CABOS E SOLDADOS DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO requer a instauração de procedimento criminal, com fulcro nos artigos “13 e § 2º do Código Penal, c.c. o art. 5º, § 3º, do Código de Processo Penal, e demais dispositivos aplicáveis à espécie” contra o Representado e o Secretário da Segurança Pública.

Segundo narra a Representação, seu subscritor, em 11 de maio p.p., por mero acaso, tomou conhecimento da transferência de presos ligados ao famigerado “PCC” para a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, sem que “nada se soubesse a respeito, na intimidade da tropa”. Afirma que era previsível que tal ação resultaria numa onda de violência, tendo havido “inércia, incompetência, irresponsabilidade, até insensibilidade” (fls. 4/5) em não informar às Polícias Civil e Militar dos riscos. Ainda nos dizeres da Representação, “comenta-se” que o Secretário de Segurança Pública teria dado alerta geral aos locais onde ficam as forças de segurança apenas na madrugada de sábado.

Já o ora Representado, nos dizeres da Representação, “entrou na história como Pilatos no Credo. Nada ou pouco sabia e nada ou pouco fez para evitar os graves resultados verificados; quando bastaria que, para as tais transferências de presos, exigisse de seu colega, Secretário de Segurança, que fizesse um “alerta geral” às Polícias Civil e Militar” (fl. 5, grifos nossos).

Assim, requer a responsabilização criminal de ambos em face da dita omissão: o Representado SAULO, por ter dado o alerta tarde demais, e o Representado NAGASHI, por não ter “exigido” de SAULO que desse o referido alerta, nisso consistindo, nos dizeres da Representação, a omissão deste último.

A Representação deve ser arquivada quer por não atribuir ao Representado qualquer fato penalmente típico, quer por sua absoluta infidelidade aos fatos.


ii – do histórico dos fatos:

Antes ainda de se analisar a evidente atipicidade da conduta atribuída ao Representado, é importante que se conheçam os fatos exatamente como estes se deram. Como se narrará detalhadamente adiante, os comandos da Polícia Militar e Civil não só foram informados das transferências e dos riscos com a devida antecedência, mas, mais do que isso, PARTICIPARAM ativamente da tomada de todas as decisões.

O Representado exerceu o cargo de Secretário da Administração Penitenciária durante seis anos e meio. É importante lembrar que o famigerado PCC – Primeiro Comando da Capital – foi criado durante a gestão anterior e, portanto, já existia quando o Representado assumiu o cargo.

Para que se tenha uma idéia da situação enfrentada pelo Representado quando assumiu o cargo e do trabalho por ele desenvolvido, os números de rebeliões no sistema penitenciário de São Paulo foram os seguintes nos últimos anos:

1998 = 07

1999 = 08

2000 = 13

2001 = 08 + megarebelião, com 25 unidades rebeladas

2002 = 08

2003 = 00

2004 = 04

2005 = 13

Como se vê, apesar da gravíssima situação dos Presídios, 2003 transcorreu sem qualquer rebelião. Em 2004, houve quatro, isoladas. Já no final de 2005 e início de 2006 percebeu-se que as rebeliões aumentaram sensivelmente e que não havia, na maior parte delas, nenhuma reivindicação. Até o final de março de 2006 cerca de 30 episódios já tinham acontecido, entre rebeliões e motins, quase sempre com claros indícios de que se tratava de ação orquestrada pela facção criminosa PCC.

Nas informações que chegavam à Secretaria e também nas diversas reuniões realizadas com diretores de segurança e disciplina, diretores gerais e coordenadores, havia um ponto comum: o PCC estava organizando sucessivas rebeliões que prosseguiriam até por volta de agosto/2006, quando uma megarebelião seria desencadeada, com a finalidade de desestabilizar a candidatura de Geraldo Alckmin à presidência da república. Tudo indica que os líderes do PCC, com receio de que a eleição do ex-governador de São Paulo poderia prejudicá-los, resolveram, em uma ação que se assemelha muito à guerrilha urbana, afrontar o Estado e dificultar esse resultado eleitoral.

Diante disso, após cuidadosa análise da situação, decidiu-se levar ao conhecimento da Secretaria da Segurança Pública essa preocupação e também o plano de ação que estava sendo montado para transferência dos principais líderes do PCC para uma única unidade prisional, na cidade de Presidente Venceslau, com a finalidade de enfraquecer essas ações. Foi também exposto o extenso programa de ação que seria desenvolvido entre a SAP e a SSP após as transferências.

Havendo consenso entre a SAP e a SSP quanto à necessidade e o acerto da medida, houve uma reunião com o Governador Cláudio Lembo, em 10.05.2006, na qual foram expostos todos os fatos e as possíveis conseqüências da ação. Participaram dessa reunião: GOVERNADOR CLÁUDIO LEMBO, Secretário NAGASHI FURUKAWA, Secretários Adjuntos CLAYTON ALFREDO NUNES (SAP), MARCELO MARTINS DE OLIVEIRA (SSP), CORONEL MARINO (Subcomandante da PM), Drs. EMIDIO e PETISCO (DEIC). Todos, unanimemente, cientes dos riscos, concordaram com a medida, que foi imediatamente autorizada pelo Governador.

Assim, desde logo se percebe o absurdo contido na Representação, na medida em que tanto o comando da Polícia Militar como da Civil estavam presentes à mencionada reunião, participando ativamente da tomada de decisões, cabendo, por óbvio, a eles, alertar seus comandados.

Iniciando-se na madrugada do dia 11 de maio, quinta-feira, a transferência de 765 presos líderes do PCC das diversas unidades prisionais para a P II de Presidente Venceslau foi concluída, sem nenhum incidente, por volta das 02,00 horas do dia seguinte, 12 de maio. No momento da retirada desses presos das suas respectivas celas, alguns deles fizeram graves ameaças contra servidores, diretores, contra o ora Representado e também contra o Governador. De comum acordo com os dirigentes da SSP, decidiu-se que estes autores das ameaças seriam levados para o DEIC, para indiciamento em inquérito policial. Decidiu-se, outrossim, que o líder máximo da facção criminosa, o preso MARCO WILLIAN HERBAS CAMACHO, vulgo “Marcola”, também seria levado àquela repartição policial para ser interrogado e investigado sobre essa sua condição de principal responsável pelas rebeliões que vinham acontecendo.


Nesse ínterim, enquanto se tomava a decisão de transferir os presos, na CPI do Tráfico de Armas colhiam-se os depoimentos dos delegados de polícia GODOFREDO BITTENCOURT e RUY FONTES, ambos do DEIC, no mesmo dia 10 de maio. A gravação desses depoimentos, conforme se apurou depois, embora tomados em sessão secreta, acabou chegando às mãos de advogados da facção criminosa, vendida por um funcionário daquela CPI. As informações que os policiais passaram aos parlamentares chegaram ao conhecimento dos presos possivelmente na noite da quinta-feira, dia 11, quando as transferências tiveram início.

Daí para frente os fatos são de conhecimento público: na sexta-feira, dia 12, iniciaram-se duas rebeliões, em Iaras e Avaré, assim como os atentados contra policiais. Esses fatos tiveram continuidade no sábado e domingo e só terminaram na segunda-feira. Ao total 73 unidades prisionais aderiram à rebelião, com gravíssimas conseqüências de depredação dos prédios em pelo menos 08 delas.

No âmbito da SAP todos os diretores e servidores foram avisados previamente das providências que seriam tomadas, assim como a possível reação da facção criminosa. Acredita-se que também na SSP idêntica providência tenha sido tomada. Essa responsabilidade, porém, de alertar os policiais, civis e militares, evidentemente era do Secretário da Segurança Pública, até porque, repita-se, seus representantes participaram da reunião onde a decisão foi tomada.

Por fim, embora não seja esse o objeto da Representação, cumpre esclarecer que não houve nenhum acordo com líderes criminosos para pôr fim às rebeliões e aos ataques. Tudo o que se divulgou na imprensa acerca desse fato, ou de concessões de aparelhos de TV para presos são inverdades. A SSP e a SAP, com autorização do Governador, autorizou a advogada IRACEMA VASCIAVEO a ter contato com o preso “Marcola” com a única finalidade de constatar que ele não havia sofrido tortura e agressões como estava sendo propalado. Essa visita foi feita no CRP – Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes no dia 14/05, domingo, com acompanhamento do Corregedor Geral do Sistema Penitenciário, ANTINO RUIZ LOPES, do CORONEL BRANDÃO, designado pelo comando da PM e pelo DELEGADO CAVALCANTE, designado pela Delegacia Geral de Polícia.

Em suma, todas as providências que foram tomadas pelo Governo de São Paulo visaram a combater as ações do crime organizado, tanto no interior dos presídios, como externamente.

No dia 26 de maio, sexta-feira, por não concordar com do direcionamento das providências que estavam sendo tomadas, especialmente pela SSP, o Representado pediu demissão ao Governador, que foi aceita, assumindo interinamente o cargo o Dr. LUIZ CARLOS CATIRSE, Coordenador das Unidades Prisionais do Vale do Paraíba e Litoral. O Representado deixou o prédio da Secretaria na tarde de sexta-feira, por volta das 16,00 horas, e não retornou mais.

Assim que assumiu o Secretário Titular, Dr. ANTONIO FERREIRA PINTO, o Representado fez contato telefônico colocando-se à sua disposição para passar as informações que sejam necessárias. Não houve retorno dessa ligação.

Os registros dos fatos acima relatados se encontram na SAP.

iii – da manifesta atipicidade da conduta atribuída ao representado:

Como se viu, a dita omissão não existiu, uma vez que todos __ inclusive a Polícia Militar __ participaram da tomada de decisões, com ciência dos riscos. Por óbvio, caberia aos respectivos comandos dar o referido “alerta geral” a seus comandados.

Mas, ainda que se despreze a infidelidade da Representação aos fatos, certo é que a própria conduta por ela atribuída ao Representado __ de não “exigir” de seu “colega” que este desse o “alerta geral” é manifestamente atípica.

Afinal, ainda que se desconsidere a presença do Subcomandante da Polícia Militar na reunião (presumindo-se, portanto, que tanto ele como a SSP informariam a seus subordinados), o Representado não tem __ nem jamais teve __ qualquer superioridade hierárquica que lhe autorizasse a exigir o que quer que fosse do Secretário de Segurança Pública.

Assim, não se aplica o artigo 13, § 2º, ao Representado __ seja qual for o delito a ele atribuído, coisa que a Representação não cuidou de esclarecer __ porque todos os cuidados de sua responsabilidade foram por ele tomados (tanto é assim que, embora como Secretário da Administração Penitenciária, tivesse poderes para determinar sozinho as transferências, tomou o cuidado de fazer a mencionada reunião, para consultar as demais autoridades, justamente por causa dos riscos decorrentes da medida).

Por outro lado, o Subscritor da Representação tem conhecimento da ausência de hierarquia entre o Representado e o Secretário de Segurança Pública; portanto, quando requer a instauração de procedimento criminal por ele não fazer as ditas “exigências”, pratica, em tese, o crime de denunciação caluniosa (artigo 339 do Código Penal), pois sabe que o Representado não só não tinha a obrigação, como não poderia fazê-las.

Nessa conformidade, dada a manifesta atipicidade da conduta atribuída ao Representado, requer-se o arquivamento da presente Representação, e, desde logo, a instauração do competente inquérito policial para apurar a prática, em tese, do delito previsto no artigo 339 do Código Penal por parte de seu Subscritor, como medida da melhor

J U S T I Ç A!

São Paulo, 26 de junho de 2006

ALBERTO ZACHARIAS TORON

O.A.B./SP n.º 65.371

ALEXANDRA LEBELSON SZAFIR

O.A.B./SP n.º 128.582

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