Garantia de direitos

Reforma sindical tem de preceder reforma trabalhista

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22 de novembro de 2006, 18h00

Tema presente nas discussões sobre o Direito do Trabalho na atualidade tem sido a flexibilização das normas reguladoras das relações entre empregados e empregador. Entendem alguns que a rigidez das normas trabalhistas tem sido a causa de inúmeros conflitos coletivos do trabalho.

Na realidade os motivos que levam trabalhadores e empregador a chegar a um impasse num processo de negociação coletiva de trabalho são inúmeros e de várias ordens. Normalmente a questão imediata que leva ao impasse diz respeito ao salário, quanto a índice de reajuste, ou quanto a atraso no pagamento, por exemplo. Não obstante, outros temas podem fomentar o conflito como participação nos lucros e resultados, condições ambientais de trabalho, dentre outros.

Não se olvide, contudo, que a razão do conflito pode ser de outra natureza, que não relacionada diretamente com salário ou condições de trabalho, ou, como se costuma dizer, não relacionada diretamente com questão do “chão da fábrica”, com o local, as condições específicas de trabalho, a remuneração, ou o desenvolvimento do contrato de trabalho, ainda que reflita no ambiente de trabalho.

Refiro-me ao impasse motivado por razões de ordem política, tanto reflexos da política sindical nas relações de trabalho, quanto reflexos da política partidária na forma de relacionamento entre o sindicato e os trabalhadores com a empresa.

E, no que se refere às razões de ordem política como motivadoras dos conflitos trabalhistas, têm sua origem tanto na questão referente às conquistas dos trabalhadores, que oneram o custo do produto, quanto na rigidez do tratamento legal com relação à normatização de procedimentos nos variados setores da economia, provocando em muitos casos soluções legais indesejáveis a ambas as partes.

As formas de solução de conflitos do trabalho podem ser autônomas ou heterônomas, quer decorram da atuação apenas das partes (quando a solução é a autocomposição), quer sejam fruto da intervenção de um terceiro estranho (quando a solução é a heterocomposição).

A expressão real da autocomposição dá-se pela convenção coletiva de trabalho ou pelo acordo coletivo de trabalho. Já as formas heterônomas, porque decorrem da intervenção de um terceiro estranho ao conflito que se agrega ao problema para tentar viabilizar uma solução, são a conciliação, a mediação e a arbitragem.

Nos dois primeiros casos, o terceiro chamado a participar do conflito age de acordo com a vontade das partes e sua ação limita-se a tentar auxiliar no encontro da solução, sem, contudo, determinar qual será esta solução.

Assim configura a conciliação apenas a ação do terceiro que busca aproximar as partes, a fim de que ambas logrem diretamente encontrar a solução para o dissídio.

Já no caso da mediação atua o mediador não só aproximando as partes, mas também propondo soluções, sem, contudo, determina-las.

Portanto no caso de conciliação, embora tenhamos presente um terceiro ator na busca da solução, este limita-se a aproximar as partes, sem, contudo, tocar no mérito do problema. Já na mediação, além da função de aproximação, o mediador propõe solução ao problema.

Diversa da conciliação e da mediação é a hipótese de arbitragem, pois embora também aqui ocorra a intervenção de um terceiro à tentativa de solução do conflito, este atua de forma incisiva, impondo a solução ao impasse, solução esta que passa a ser obrigatória aos litigantes, porque assim decidiram.

O que se vê desde logo é que o modo adequado de solução de conflito coletivo do trabalho é a autocomposição, pois ninguém melhor que os próprios envolvidos no conflito conhecem-no e, portanto, são capazes de encontrar a melhor solução para o litígio, ou mesmo delegar a um árbitro a solução do conflito.

Eis porque para que passemos a ter como forma habitual de solução adequada dos conflitos a negociação coletiva, urge que tenhamos sindicatos fortes, autônomos e representativos, que possam efetivamente defender os interesses da categoria que representam, sujeitos que estarão ao crivo efetivo dos seus representados.

Por esse motivo é que a reforma sindical torna-se prioritária em relação à reforma da legislação trabalhista.

Estamos todos de acordo no sentido de que a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho mereça atualização após seis décadas de bons serviços prestados ao relacionamento empregado e empregador, pois as relações trabalhistas evoluíram, tornaram-se complexas e estão a exigir tratamento legal atual.

São vários os exemplos que todos conhecemos no sentido da inadequação aos dias de hoje da forma rígida que o legislador trata certas questões decorrentes do contrato de trabalho, porque a época havia grande proximidade no desenvolvimento das relações de trabalho nos vários setores da atividade produtiva.

Atualmente, dada a complexidade do mundo do trabalho e da especificidade dos vários setores, constata-se o descompasso entre a solução legal proposta e a realidade das relações de trabalho, dada a diversidade real em confronto com o tratamento legal.

Veja-se a propósito o tratamento legal à duração do trabalho, as limitações rígidas às alterações do contrato de trabalho e mesmo a preocupação do legislador de regulamentar as variadas modalidades de trabalho em descompasso com a realidade.

Faz necessário que a legislação trabalhista seja atualizada, mantendo-se incólumes as garantias e princípios assegurados aos trabalhadores, em razão da evidente desigualdade que há entre empregador e empregado, mas que se permita a auto-regulamentação das relações de trabalho pelas entidades representativas de empregados e empregadores, quanto às peculiaridades e ao desenvolvimento do trabalho em cada setor.

Trata-se de reconhecer a denominada flexibilização de adaptação das regras do Direito do Trabalho a cada setor produtivo, o que nada tem a ver com a precarização das garantias dos trabalhadores, como pregam alguns que são adeptos à flexibilização predatória, que significa retirar direitos dos trabalhadores.

Há de se combater como veemência a falsa idéia de que a garantia dos direitos aos trabalhadores seria responsável pelo não desenvolvimento do país.

Se assim fosse os países do denominado primeiro mundo teriam precarizado as condições de seus trabalhadores, como condição necessária para seu desenvolvimento, o que à evidência não ocorreu, não obstante o desenvolvimento econômico que experimentaram.

Tanto assim não é que exatamente os países do terceiro mundo, cujos trabalhadores têm condições ainda piores que os nossos, não se desenvolvem a contento, não obstante a ausência em alguns deles do respeito às mínimas garantias sociais, como salário, jornada, repouso, dentre outras normas de ordem pública.

Eis porque falar de flexibilização com seriedade e responsabilidade social significa pensar em normas de adaptação às variadas situações de trabalho e jamais em retirar direitos. Desse modo surge à evidência a necessidade de primeiro cuidar-se da reforma sindical para então, com entidades efetivamente representativas, poder-se cogitar de seriedade na reforma trabalhista.

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