Palavra de juiz

Uso feriados e férias para colocar os processos em dia

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17 de novembro de 2006, 13h16

No último feriado de finados, fomos surpreendidos com notícia veiculada na Consultor Jurídico, com o título “Judiciário Folgado”, que se mostrou extremamente injusta com o Judiciário paulista.

Pelo que consta, o Judiciário paulista só tem um dia de feriado a ele específico (8 de dezembro) e, no mais, cumpre e emenda feriados tanto quanto qualquer dos outros dois Poderes e também setores da iniciativa privada.

O mais irônico é que, sob a avalanche do excesso de serviço, são justamente os feriados que incrementam a produção dos magistrados paulistas.

No aludido feriado de finados, por exemplo, proferi 10 sentenças do Juizado Especial Cível, 18 votos do Colégio Recursal da 51ª Circunscrição Judiciária (atuação de segunda instância para a qual não ganho um centavo a mais), proferi inúmeras decisões interlocutórias, a perder a conta, e resolvi intrincada questão possessória, envolvendo seis ações em mais de 26 volumes. Estava na metade desse trabalho quando, entre uma sentença e outra, li o aludido artigo da ConJur.

A verdade é que eu e vários outros juízes e desembargadores paulistas dão graças a Deus pelos feriados nacionais e estaduais… para trabalhar! Para desaguar um pouco do excesso de serviço que os sobrecarrega. O mesmo pode-se dizer do recesso de 20 de dezembro a 6 de janeiro —o qual, aliás, todos sabem, era e é reivindicação dos advogados, principalmente os de pequenos escritórios e de atuação autônoma, que têm nos feriados e recessos a única oportunidade para descansar, ou também vencer serviço atrasado.

Os servidores do Judiciário paulista e do Judiciário em geral não ficaram de fora da injustiça da reportagem, pois é público e notório que os mesmos trabalham mil vezes mais vezes mais que a maioria dos servidores dos outros Poderes — sem falar nos fantasmas.

A notícia também bateu fundo nos magistrados e servidores que exercem função eleitoral, pois todos, como também é de conhecimento notório, trabalham o domingo inteiro das eleições, alguns desde 5h30 e outros até perto de meia noite ou já na madrugada de segunda-feira, aguardando a liberação dos Tribunais Regionais Eleitorais. Isso sem contar os preparativos, que normalmente se iniciam na sexta-feira, e adentram o sábado, e antes disso avançam por dias não úteis.

No tocante à velocidade dos julgamentos, salvo casos isolados, é bem maior, em média, que a velocidade com que o Congresso Nacional analisa matérias cuja votação urge, cabendo como exemplo mais acabado o novo Código Civil de 2002, para substituir o de 1919, que estava pronto desde 1975.

E quando se vota rápido, é para produzir legislação eleitoreira, como a nova Lei de Drogas, que na prática diminuiu a pena da maioria dos traficantes para menos de dois anos, e a Lei da Violência Doméstica, repleta de inconstitucionalidades, que fez uma “salada” entre jurisdição criminal e de família.

Falou-se também em contribuinte, esquecendo-se que os juízes, como integrantes da escorchada classe média assalariada, estão entre os maiores contribuintes individuais do país, com absurdo desconto de Imposto de Renda na fonte, e ainda mais 11% de desconto também na fonte, para pagar sua aposentadoria (sim, para quem não sabe, o servidor da ativa paga sua aposentadoria — a qual para os novos não é mais integral).

Falou-se de férias de 60 dias, mas não se disse que muitos dos magistrados paulistas usam pelo menos um dos períodos de 30 dias para trabalhar, e que, quando não usam, ficam esperando para receber na fila dos atrasados, assim como os servidores do Judiciário, que não são indenizados nem dos 30 dias a que têm direito.

Falou-se em licença de dois anos, prevista na Lei Orgânica Nacional da Magistratura desde 1979, mas não se divulgou quantas licenças desta espécie foram concedidas a magistrados paulistas — eu, pelo menos, não tive conhecimento de nenhuma, desde que ingressei na carreira, em setembro de 1999.

De qualquer forma, no dia em que juiz tiver relógio de ponto para bater, tiver limite de 44 horas semanais de trabalho, ganhar por hora extra trabalhada, por produtividade, adicional noturno, adicional de periculosidade e poder exercer outras atividades remuneradas, além da magistratura e do magistério jurídico (este último só para quem tem tempo), aceitaremos discutir o suposto excesso de feriados, que na verdade nem existe, ou não é diferente dos outros Poderes e da maioria dos setores da economia.

E se o problema é trabalho, a ConJur poderia pesquisar quantos votos e sentenças proferem por ano os magistrados brasileiros, da primeira à última instância, e particularmente os paulistas, comparando com países com economia semelhante ou até superior. Seria bom, pois o resultado da pesquisa provavelmente nos inseriria no Livro dos Recordes Mundiais.

Nesse aspecto, lembra-se que embora em São Paulo tramitem 15 milhões de feitos, com média de mais de 7 mil para cada um dos juízes paulistas, os mais assoberbados da nação, atualmente o salário inicial do juiz paulista é disparado o pior de toda a federação, na base de quase metade de outros estados e da Justiça Federal.

Finalizo sugerindo que a ConJur, se está mesmo preocupado com a lentidão dos processos, faça uma matéria sobre a disparidade entre os meios e os recursos financeiros do Judiciário Paulista, para fazer frente ao volume de processos, abordando a ausência de autonomia financeira, inclusive a não disponibilidade das custas que são arrecadadas pelo Judiciário paulista, contra determinação expressa de um dos poucos itens da Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional 45) que realmente poderia ter algum resultado prático.

Em tal matéria, a ConJur poderia explicar, por exemplo, por que o Judiciário paulista, que carrega nas costas um terço dos processos da nação, foi contemplado na Lei de Responsabilidade Fiscal com apenas 6% da receita bruta para gasto com pessoal, no mesmo patamar de outros Estados, que têm movimento judiciário inexpressivo perto do volume de processos paulista, e no mesmo percentual que a Justiça da União, a qual possui menos processos, praticamente o mesmo número de magistrados, mas arrecadação muito maior que São Paulo.

Existem muitas outras impropriedades, mentiras e meias verdades na matéria, mas é necessário parar por aqui, e deixar que as Associações de Magistrados e tribunais também se manifestem, pois este juiz tem muito trabalho a fazer..

Fernando Henrique Pinto Juiz da 1ª Vara de São Sebastião/SP (Cível, Família, Crime, Júri, Juizados Cíveis e Criminais, Corregedoria de Cartórios Extrajudiciais, Diretoria do Fórum de São Sebastião/SP, no total de mais ou menos 22 mil feitos, além atuação de segunda instância no Colégio Recursal de Caraguatatuba, função para a qual não ganha um centavo adicional).

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