Guerra fiscal

Município é obrigado a incluir empresa em cadastro do ISS

Autor

17 de novembro de 2006, 14h16

O juiz Luciano Fernandes Gualhanone, da 5ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, determinou que a prefeitura paulistana faça o cadastro de uma empresa — a Family Business — que presta serviços na capital paulista, mas tem sede em Barueri, região metropolitana. A decisão foi publicada nesta quinta-feira (16/11). Cabe recurso.

A prefeitura de São Paulo instituiu o cadastro para evitar que empresas da cidade se estabeleçam em sedes fictícias em cidades vizinhas para fugir ao pagamento do ISS na capital. A aliquota do ISS em São Paulo é de 5%, a mais alta em toda a região metropolitana. Os tomadores de serviços da capital paulista são obrigados a fazer a retenção do ISS por serviços prestados por empresas de outros municípios.

A prefeitura havia negado o cadastro à Business Family com a justificativa de que a empresa não teria conseguido comprovar a existência física da sede, mantida por ela mediante locação de espaço em um “centro de negócios”.

Os advogados da empresa, Raul Haidar e Sandro Mercês, sustentaram que mesmo que a lei paulista possa “obrigar contribuinte com sede em outro município ao Cadastro (o que é discutível), não pode transferir para o decreto a criação de obrigações, face ao que dispõe a Constituição Federal”.

O juiz acolheu os argumentos. De acordo com a decisão, “a negativa de cadastramento sob a alegação de que os documentos apresentados não eram hábeis a comprovar seu estabelecimento, afigura-se mesmo irregular, violando o direito líquido e certo”.

Na sentença, o juiz destacou que a exigência de cadastramento “nada tem de irregular”. Mas argumentou que “justamente por isso, se se permitir que a Municipalidade impeça o cadastramento de empresas interessadas, sob o argumento de apresentação de documentação deficiente ou que não seja hábil a demonstrar que não se trate de empresa com estabelecimento simulado, estar-se-á admitindo que a Municipalidade use da legislação em foco para obter tributo de forma indevida, sem que ela efetivamente fiscalize o prestador de serviço suspeito e demonstre que ele, de fato, está a burlar o Fisco da Capital, por simular uma prestação de serviço fora dos domínios tributários do Município de São Paulo”.

Lei da discórdia

A Lei 14.042/06 estabelece que empresas com sede em outro município que prestam serviços na capital paulista devem se inscrever em um cadastro na prefeitura, na qual farão prova da autenticidade de seu endereço. Empresas que não cumprirem a exigência do cadastro terão o Imposto Sobre Serviços retido na fonte pela tomadora dos serviços.

O município de São Paulo justifica a medida com o argumento de que precisa coibir a instalação fictícia no interior do estado de empresas que efetivamente operam na capital. Muitas fazem isso por uma razão elementar: a sobrevivência. O ISS é cobrado na capital pela alíquota básica de 5%. No interior, chega a 0,5%.

Processo 465/583.53.2006.108934-0

Leia a decisão

Proc. N° 465/583.53.2006.108934-0

Vistos, etc…

1) FAMILY BUSINESS PARTICIPAÇÕES, INVESTIMENTOS E NEGÓCIOS LTDA. Impetrou o presente mandado de segurança contra ato praticado pelo DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE RENDAS MOBILIÁRIOS DA SECRETARIA DE FINANÇAS E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, alegando, em suma, que se dedica à prestação de serviços e que possui sede em outro município, muito embora preste serviço no município de São Paulo. Ocorre que é obrigada a efetuar cadastramento, junto à Municipal de Capital, por força da Lei Municipal n° 14.042/2005 e Decreto a ela ligado, sob pena de sofrer retenção do ISS por parte de seus contratantes. Em razão disso, a impetrante requereu sua inscrição no cadastro próprio da Municipalidade. Mas teve sua pretensão indeferida, sob o argumento de que apresentou conta de luz e telefone em nome de terceiros, não tendo nenhum documento que prove sua presença física no local, sendo também insuficiente seu contrato de locação. O ato de indeferimento da inscrição da impetrante não é admissível, pois os argumentos da autoridade não servem para descaracterizar a impetrante como regularmente estabelecida e nem há previsão legal para as exigências feitas. Ademais, a negativa de cadastramento sujeita a impetrante a suportar compulsória retenção do ISS em São Paulo, causando a bitributação dos seus serviços, visto que ela já paga o imposto para o município de sua sede. Daí porque impetrada a presente segurança, com pedido de liminar, objetivando ordem de que o impetrado proceda à inclusão da impetrante no cadastro de prestadores de serviço em foco, para que seja suspensa a retenção do ISS sobre os pagamentos devidos pelos clientes da impetrante.

Cora a inicial vieram documentos.

A liminar foi indeferida pela decisão de fls. 4C.

Foi apresentada defesa do ato pela Municipalidade de São Paulo, requerendo sua admissão na. lide como assistente litisconsorcial da autoridade, tendo esta ratificado, como informações, o aduzido pela Municipalidade. Alegou a defesa que falta interesse de agir para a impetrante, por falta de direito líquido e certo a ser amparado. No mérito, disse que é regular a imposição discutida, que se traduz em mero exercício do poder de fiscalização tributária do município, na defesa de seus legítimos interesses e dentro da competência conferida pela Constituição, sendo certo, ademais, que a negativa de cadastramento da impetrante se deu de forma regular, porquanto ela não apresentou os documentos necessários para a comprovação de existência efetiva e veraz de seu estabelecimento, no local adequado. Daí porque pediu a denegação da ordem.

Manifestou-se o Ministério Público, declinando de sua participação no processo.

É o relatório.

DECIDO.

2) Por primeiro, merece ser admitida no feito, na qualidade de assistente litisconsorcial do impetrado, a Municipalidade de São Paulo, já que patente seu legítimo interesse no deslinde da questão, sendo fácil perceber que a presente decisão terá reflexos na sua relação de direito com a impetrante.

No tocante à preliminar de falta de interesse de agir da suplicante, ela fica refutada, porquanto a matéria ali deduzida diz respeito somente ao próprio merecimento da causa, certo que, na ação mandamental, a análise da efetiva existência, ou não, de direito patente a ser protegido representa o mérito da impetração. Não há falar, assim, em carência de ação.

E, no mérito, que ora se passa a apreciar, tem-se que o pedido inicial reclama acolhida.

3) De efeito, é preciso atentar para que, na espécie dos autos, não está em discussão a efetiva, ou real, existência do estabelecimento da impetrante no endereço por ela indicado para o impetrado. O que ela pretendeu foi, apenas, sua inscrição no cadastro próprio criado pela Municipalidade, por força da Lei Municipal e Decreto referidos na exordial, a fim de que não sofresse a sanção prevista naqueles diplomas legais, para os prestadores de serviço que não fizessem tal cadastramento. Sendo assim posicionada a questão, tem-se que a negativa de cadastramento para a impetrante, sob a alegação de que os documentos apresentados não eram hábeis a comprovar seu estabelecimento, afigura-se mesmo irregular, violando direito líquido e certo da impetrante.

Este Juízo já tem decidido, amiúde, que a exigência de cadastramento feita pela legislação municipal citada nada tem de irregular, em vista do disposto no art. 113, § 2°, do Código Tributário Nacional, com base no qual o Município de São Paulo editou a lei referida, com seu decreto regulamentar, instituindo a obrigação acessória em análise. Ora, justamente por isso, se permitir que a Municipalidade impeça o cadastrarnento de empresas interessadas, sob o argumento de apresentação de documentação deficiente ou que não seja hábil a demonstrar que não se trate de empresa com estabelecimento simulado, estar-se-á admitindo que a Municipalidade use da legislação em foco para obter tributo de forma indevida, sem que ela efetivamente fiscalize o prestador de serviço suspeito e demonstre que ele, de fato, está a burlar o FISCO da Capital, por simular uma prestação de serviço fora dos domínios tributários do Município de São Paulo.

Isso realmente não pode ser admitido, sob pena de desvirtuarnento dos fins lícitos da legislação municipal que criou o cadastramento e que é tida por constitucional, desde que se atenha à sua finalidade de direito.

Note-se que não se está, aqui, a defender, de formula nenhuma, que a impetrante tem, efetivamente, estabelecimento real e regular fora do território da Capital. Tal indagação não é o objeto da lide, simplesmente porque não poderia ser o objeto da análise do impetrado, quando do requerimento de cadastramento da impetrante. E que o objetivo da lei que instituiu o cadastramento foi, apenas, permiti que a Municipalidade conhecesse os prestadores de serviço que trabalham na Capital e, assim, com base no cadastramento, ter elementos que lhe permitam fiscalizar esses serviços — aí, sim, para verificar se há alguma burla às regras de competência para o recolhimento do tributo. Logo, mesmo que a autoridade concluísse que um determinado prestador de serviço de outro município tivesse, lá sede meramente virtual, ou simulada, ela não poderia negar o cadastramento desse prestador, sob pena de, por vias transversas, sem realizar qualquer fiscalização efetiva, diretamente concluir que se trata de fraudador do ISS e que tal imposto, nos serviços prestados na Capital, teriam que ser pagos, de qualquer maneira, para a Municipalidade de São Paulo, mediante a retenção na fonte estabelecida pela lei municipal supra citada.

Tal não pode ser admitido, de efeito, sob pena de ser desviado o comando do legislador municipal e violado o direito da impetrante, o qual exige que, para ser obrigada ao pagamento de ISS no município de São Paulo, quando declare estar obrigada — por força da lei que rege esse tributo — ao pagamento em outro município, deve ser antes submetida a regular fiscalização, atendido o principio do devido processo legal e ampla defesa.

Com a negativa de cadastramento em foco, o impetrado, por vias transversas, simplesmente elimina a sua obrigação de fiscalizar, passando a se apropriar de tributo que, em tese, poderia ser devido apenas a outro município.

Está aí, portanto, o comportamento irregular do impetrado, na espécie, tendo a impetrante, realmente, o direito de ver atendido seu requerimento de inclusão no cadastro do impetrado, mediante a apresentação dos documentos que exibiu. Se tais documentos não são tidos pelo impetrado como idôneos para demonstrar a real existência da impetrante em outro município, isso é questão diversa, a reclamar que, no tempo e forma devidos, a autoridade abra fiscalização contra a impetrante, para reclamar o ISS em serviços por elas prestados que tenham simulado local de pagamento indevido. Mas, para efeito de atendimento ao pleito da impetrante aqui formulado, tem-se que a documentação por ela apresentada à autoridade atendia ao exigido pela Portaria pertinente, sendo irregulares os motivos alegados para o indeferimento do cadastramento, porque ligados a análise que não se permitia ao impetrado fazer, para o aro fomal de inclusão da interessada no cadastro.

4) Posto isso, e pelo mais que dos autos consta, CONCEDO A SEGURANÇA aqui almejada, para o fim de determinar ao impetrado que proceda à inclusão da impetrante no cadastro tratado na inicial, em vista da documentação por ela apresentada, para os devidos efeitos da Lei Municipal n° 14.042/2005 e sua regulamentação.

Custas pelo impetrado e assistente litisconsorcial, sendo incabíveis honorários advocatícios.

Oficie-se para imediato cumprimento desta decisão.

Oportunamente, ao reexame necessário.

P. R. Intime-se.

São Paulo, 08 de novembro de 2006.

Luciano Fernandes Galhanone

Juiz de Direito

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!