Pensão alimentícia

Revisão de pensão alimentícia tem como termo inicial data da citação

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15 de novembro de 2006, 6h00

Acerca do artigo 13, parágrafo 2º, da Lei 5.478/68, em que pese a sua clara redação, persistem dúvidas na determinação dos efeitos das decisões, sejam antecipatórias ou finais, emanadas de ações revisionais de alimentos.

A questão está em saber se tais decisões possuem efeitos ex tunc (retroativos) ou ex nunc (não retroativos). Enfoques deturpados do princípio da irrepetibilidade dos alimentos e o desconhecimento dos efeitos dos recursos, notadamente do efeito substitutivo, aumentam a confusão em torno do tema.

Conforme se demonstrará, o novo valor fixado na ação revisional de alimentos tem como termo inicial a data da citação. Este é o entendimento do STJ, do STF, do TJ-MG e de Yussef Said Cahali.

Inicialmente, deve-se destacar que a aludida retroação está expressamente determinada no artigo 13, parágrafo 2º, da Lei 5.478/68:

“Artigo 13 — O disposto nesta lei aplica-se igualmente, no que couber, às ações ordinárias, de desquite, nulidade e anulação de casamento, à revisão de sentenças proferidas em pedidos de alimentos e respectivas execuções.

(…)

Parágrafo 2º — Em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação.”

O STJ não contraria o preceito, conforme consta na ementa do REsp 51.781/SP, da relatoria do ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira:

“Alimentos. Ação revisional. Procedência do pedido. Alteração do valor da pensão. Efeitos. Termo inicial. Data da citação. Artigo 13, parágrafo 2, da lei 5.478/68. precedentes. Recurso provido.

I – os efeitos da alteração do valor dos alimentos, estabelecida em sede de ação revisional, operam retroativamente, alcançando a data da citação inicial.

II – não há divergência no tema, mas sim no caso em que se postula alimentos sem a prova pré-constituída da paternidade.” (STJ, REsp 51781/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. DJ 24-10-1994, p. 28765)

No corpo do voto do ministro relator, encontram-se as seguintes considerações:

“Apenas uma questão se oferece a julgamento: a partir de quando os efeitos da majoração do valor dos alimentos, estabelecida em sede de ação revisional, devem ser suportados pelo alimentante? Em outras palavras: a partir de quando é devido o novo valor da pensão alimentícia fixado em sede de demanda revisional?”.

Há previsão legal expressa conferindo resposta inequívoca a tal questionamento. Com efeito, dispõe textualmente o artigo 13, parágrafo 2°, da Lei 5.478/68:

“Artigo 13 — O disposto nesta lei aplica-se igualmente, no que couber, às ações ordinárias de desquite, nulidade e anulação de casamento, à revisão de sentenças proferidas em pedidos de alimentos e respectivas execuções.

(…)

Parágrafo 2° — Em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação’. Em se tratando, portanto, de ação revisional de alimentos, compreendida entre as enumeradas no caput do aludido preceito, induvidoso que os alimentos, tal como fixados no aresto recorrido, tem o alimentante obrigação de pagá-los desde a citação”.

Esse o entendimento esposado pela Suprema Corte, quando do julgamento do RE 86.064/9-MG, trazido a confronto pelas recorrentes. A ementa respectiva restou assim redigida: “Alimentos. Revisão da pensão alimentar (vigência). Nas ações de revisão, os alimentos retroagem à data da citação. Recurso extraordinário conhecido e provido (Jurisprudência Brasileira, volume 31 – Alimentos, p. 69, 70).

Nessa mesma diretriz tive ensejo de pronunciar-me, ao proferir voto vista no Resp 6.583-SP, assinalando que, efetivamente, em se tratando de hipótese submetida à Lei 5.478/68, os alimentos são devidos desde a citação, como determina o seu art. 13. E assim é porque, aqui, há prova pré-constituida do vinculo legal entre alimentante e alimentado”.

E adiante: “Com efeito, a Lei 5.478/68, artigo 13, trata das hipóteses de desquite, nulidade e anulação de casamento, à revisão de sentenças proferidas em pedidos de alimentos e respectivas execuções’, consoante expressa o seu caput, motivo pelo qual, em qualquer desses casos, de prova pré-constituída, os alimentos retroagem à data da citação.

Esta 4ª Turma, recentemente, ao julgar o REsp 40.436-RJ, relator o ministro Ruy Rosado de Aguiar, versando caso especifico de ação revisional de alimentos, assentou: “Alimentos. Revisão de cláusula. Vigência. Citação inicial. Julgada procedente a ação de modificação de cláusula alimentar, a nova provisão deve ter eficácia a partir da citação inicial, na forma do artigo 13, parágrafo 2°, da Lei 5.478/68 (DJ de 1.8.94). Essa também a orientação adotada pela 3ª Turma, sendo exemplificativo, a propósito, o REsp 9.661-CE, relatado pelo ministro Niison Naves, de cuja ementa se extrai:

‘Alimentos. Revisão do montante fixado. Valor da pensão (agravação do encargo). (…) Termo inicial. Os alimentos retroagem à data da citação inicial. (DJ de 19.8.91).


Na linha desses precedentes, sendo a espécie bem diversa da postulação de alimentos c/c investigação de patemidade (v. Resp 1 .273-SP), conheço do recurso por ambos os fundamentos e dou-lhe provimento para declarar devida, desde a citação inicial, a pensão alimentícia, tal como fixada em segundo grau, no valor de 4,15 salários mínimos”. (STJ, REsp 51781/SP, Rel. ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. DJ 24-10-1994, p. 28765).

Corroboram este julgado as obtemperações do STJ no REsp 418.661/DF, de relatoria do ministro Fernando Gonçalves.

Neste REsp 418.661/DF, o STJ apreciou ação revisional de alimentos que fixou o novo valor retroativamente à data da citação. Ocorre que, na segunda instância, em sede de apelação, os novos alimentos fixados foram alterados no sentido de serem reduzidos. Surgiu, portanto, a dúvida sobre o termo inicial dos alimentos fixados pela segunda instância.

Entendeu-se, com espeque no artigo 512 do CPC e com base na doutrina de Barbosa Moreira, que “o acórdão, modificando ou cassando a sentença, não vale só a partir de sua publicação; vale como o pronunciamento definitivo desde o ajuizamento do pedido.” Aplicou-se o efeito substitutivo imanente aos recursos, para a conclusão de que o acórdão substitui a sentença, de sorte que a decisão colegiada retroagiria à data da citação.

Ainda no mesmo REsp 418.661/DF, de relatoria do ministro Fernando Gonçalves, o ministro César Asfor Rocha esclareceu hipóteses excepcionais nas quais os alimentos fixados em ações revisionais não retroagiriam. Tais explicações merecem ser destacadas, a fim de se demonstrar quando se afastaria a aplicação do artigo 13, parágrafo 2º da Lei 5.478/68. Assim é que o ministro César Asfor Rocha citou o REsp 132.309/SP, de sua relatoria, no qual registrou: “É que os alimentos provisionais ou definitivos, uma vez prestados, são irrepetíveis, haverá a repetição daquilo que já foi pago desde que o alimentando não tenha que devolver ao alimentante qualquer valor deste anteriormente recebido a título de alimentos”.

Vale dizer, o ministro César Asfor Rocha estabeleceu que os alimentos já recebidos não poderiam ser afetados pelos efeitos retroativos da revisão que reduz o valor devido mensalmente, exatamente porque os alimentos são consumíveis. Acompanhando o ministro Fernando Gonçalves, o ministro Asfor Rocha concordou que a hipótese excepcional não afasta a regra geral do artigo 13, parágrafo 2º da Lei 5.478/68, e assentou: “os novos alimentos (definitivos ou provisórios), menos onerosos, afetarão apenas o crédito alimentício passado, mas não os anteriores alimentos já recebidos e consumidos”.

Portanto, entendeu-se no REsp 418.661/DF que o valor da prestação mensal fixado no acórdão prevaleceria e retroagiria à data da propositura da ação. (vide REsp 418.661/DF; Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 19-12-2003, p. 472).

No STF, também não há divergência sobre o tema. Além do precedente citado no voto do ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, o tribunal já entendeu pela aplicação do artigo 13, parágrafo 2º, da Lei 5.478/64, em outras duas decisões:

“Revisão de alimentos. (…) Majoração da pensão alimentar a partir da citação (parágrafo 2º, do artigo 13, da Lei 5.478 de 25/7/68). Recurso Extraordinário não conhecido. (STF, RE 71.761/SP, relator ministro Djaci Falcão. RTJ, vol. 00059-01, p. 00118).

“Ação de revisão de pensão alimentícia fixada em desquite por mútuo consentimento. Questão não ventilada na decisão recorrida e matéria de fato insuscetível de reexame em recurso extraordinário. Alimentos majorados desde a data da citação inicial. Aplicação do artigo 13 parágrafo 2, da Lei 5478, de 25.7.1968. Recurso Extraordinário não conhecido.” (STF, RE 68.500/SP, relator ministro Eloy da Rocha. RTJ, vol. 00057-3, p. 00710)

No mesmo sentido, já decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

“Em Ação Revisional de Alimentos, na esteira do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o novo valor fixado retroage à data da citação.

(…)

Noutro vértice, quanto ao termo inicial da nova verba fixada, bem andou o magistrado a quo, porquanto a interpretação do artigo 13, parágrafo 2º, da Lei 5.478/68 deixa claro que os novos alimentos serão devidos a partir da citação” (TJ-MG, Apelação Cível 1.0000.00.348643-8/000 (1), relator desembargador Silas Vieira. 03-06-2005 )

Por fim, este é o entendimento de Yussef Said Cahali:

“Com relação ao ‘termo inicial’ dos alimentos revistos, a jurisprudência anterior divergia a respeito, ora aceitando que o ‘termo inicial do pagamento será a sentença, embora não transitada em julgado, proferida na ação de modificação’, ora entendendo que a pensão alimentícia majorada seria desde a citação inicial.


Já então se firmava no TJ-SP o entendimento de que ‘nos casos de modificação da pensão alimentícia, para mais ou para menos, como também nos casos de supressão, os efeitos da sentença se contam a partir da citação inicial (RT 294/177, 313/728, 319/137 e 321/224)’.

O artigo 13, parágrafo 2º, da Lei 5.478/68, pôs termo à controvérsia: o disposto nesta lei aplica-se a revisão de sentenças proferidas em pedidos de alimentos, sendo que, ’em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação’. (Dos Alimentos, 2ª Edição, São Paulo: RT, 1994, p. 738).

Toda essa explanação faz-se necessária para espancar dúvidas quanto à interpretação do artigo 13, parágrafo 2º, da Lei 5.478/64, mormente porque o Direito de Família, por consistir em área que nem sempre encontra espaço reservado no coração dos operadores do Direito, muitas vezes resta relegado às traças, tendo seus dispositivos aplicados por concepções simplistas e, por vezes, até eminentemente subjetivas, sem descurar que é em alguns casos “manuseado à toque de caixa”.

É com base em concepções desse jaez que surgiu o entendimento rábula de que, pelo fato dos alimentos serem irrepetíveis, os efeitos da sentença revisional não retroagiriam. Ora, é esse pensamento formatado que os tribunais têm afastado, conforme demonstrado acima.

Ocorre que muitas vezes o devedor de alimentos providencia a ação revisional exatamente porque já não vem logrando êxito em quitar integralmente os valores anteriormente estabelecidos. De sorte que, até ulterior determinação em sede de tutela antecipada ou na sentença final, é possível a acumulação de débitos.

Imagine-se, por exemplo, aquele que deve alimentos e ingressa com a ação revisional, nela requerendo a redução do débito de R$ 900 para R$ 300, inclusive pleiteando o estabelecimento do novo valor em sede de tutela antecipada. Caso o provimento antecipatório seja deferido três meses após a citação, mormente quando o julgador opta por apreciar a medida de urgência após a contestação, período dentro do qual o autor da revisional já vinha pagando aquém dos R$ 900 não cabe falar em crédito alimentício que se acumulou, pois a interlocutória retroagirá à data da citação. Ainda na hipótese do julgador simplesmente ignorar a medida antecipatória pleiteada — o que se configura negativa de prestação jurisdicional — , decidindo pela redução somente após o decurso de um ano na sentença final, e tendo o autor da revisional, neste ínterim, desembolsado montante inferior aos alimentos outrora fixados, também não cabe falar em créditos acumulados, vez que a sentença retroagirá, igualmente, à data da citação.

O princípio da irrepetibilidade dos alimentos não prejudica o artigo 13, parágrafo 2º, da Lei 5.478/64, até mesmo porque existem inúmeras hipóteses que cabem no dispositivo.

Como explicado supra, é equivocado o entendimento de que a sentença proferida na ação revisional de alimentos não afetará o crédito alimentício passado. Ora, uma coisa é o crédito acumulado, que poderá ser afastado pela sentença da revisional. Outra, muito distinta, é o alcance da sentença revisional sobre os alimentos que já foram pagos. Nesse último caso, sim, o efeito será ex nunc.

Na hipótese da ação revisional de alimentos resultar em majoração do encargo, a retroação também ocorrerá. Yussef Said Cahali é claro, ao tecer o panorama da jurisprudência nacional, quando especifica que o efeito ex tunc se observa havendo alteração dos alimentos “para mais ou para menos”. Nessas hipóteses, a retroação poderá resultar em acumulação de débitos em desfavor do devedor.

Imagine-se uma ação revisional em que a sentença sobrevenha somente um ano após a citação, decisão esta que aumenta os alimentos de R$ 300 para R$ 900. Retornando os efeitos da decisão à data da citação, tem-se como resultado a acumulação, em desfavor do devedor, do montante de R$ 600 por mês, multiplicado pelo número de meses abrangidos pelo período (no caso, 12 meses).

É verdade que, em casos tais, será possível a acumulação de débito considerável a ser arcado pelo devedor, mas tal resultado não pode ser invocado como argumento ad terrorem, como se consistisse em razão suficiente para afastar a regra do artigo 13, parágrafo 2º, da Lei 5.478/68. Isso porque tal situação só será alcançada por ato exclusivo do devedor.

No exemplo sob foco, se o Poder Judiciário entendeu pela existência de condições do responsável arcar com o valor de R$ 900 desde a citação, não pode o devedor alegar em seu benefício um ato próprio — o ato de não pagar os alimentos necessários consoante a sua situação financeira existente desde aquela época —, sendo aplicável o brocardo venire contra factum proprium non valet (impossibilidade de beneficiar-se de um ato próprio — sobre o tema, vide Júnior, Humberto Theodoro. O contrato de seguro e a regulação do sinistro. In Revista dos Tribunais 832. São Paulo: RT, 2005, ps. 68 e 69). Lembre-se que o princípio jurídico da boa-fé objetiva, do qual decorre a proibição do venire contra factum proprium, norteia todo o Código Civil, surtindo reflexos sobre o Direito de Família.

A questão deve ser enfocada, ainda, sob a análise do artigo 219, parágrafo 2º, do CPC. Nos termos deste dispositivo, a demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário não subtrai à parte autora o benefício da retroação dos efeitos da ação (artigo 219, caput e, subsidiariamente, seu parágrafo 1º).

Todavia, não cabe defender a retroação à data do ajuizamento da ação, pois na hipótese prevalece a regra especial, qual seja, a do artigo 13, parágrafo 2º, da Lei 5.478/68, que se refere expressamente à data da citação, e não à data do ajuizamento da ação, afastadas neste particular as regras do CPC.

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