O quinto poder

Entrevista: Rosana Chiavassa, advogada

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12 de novembro de 2006, 6h01

Rosana Chiavassa - por SpaccaSpacca" data-GUID="rosana_chiavassa.png">Qual deve ser a linha de atuação da OAB, salvar o Brasil, ou defender o advogado? Para a advogada Rosana Chiavassa, a resposta é atuar com firmeza tanto no desempenho de seu papel político quanto na defesa das prerrogativas e dos direitos mais básicos dos advogados.

É com essa disposição de abraçar o mundo tanto nas grandes causas como nas pequenas coisas que Rosana se apresenta como candidata a vice-presidente da seccional paulista da OAB na chapa encabeçada por Rui Celso Fragoso. “A OAB é o quinto poder do Brasil e pode fazer muito mais do que tem feito pelo Estado Democrático de Direito”, afirma.

Sua motivação em disputar a eleição é amplificada com o descontentamento que nutre pela atual gestão encabeçada pelo candidato à reeleição Luiz Flávio Borges D’Urso. Rosana acusa D’Urso de fazer uma administração voltada para os grandes e poderosos da advocacia e de esquecer os pobres oprimidos, que são a maioria.

“Depois da eleição do Rui Celso a OAB de São Paulo nunca mais será a mesma”, diz ela com um entusiasmo que não combina com o resultado da única pesquisa eleitoral conhecida. Realizada pela empresa Brasmarket sob encomenda da chapa de situação, a pesquisa dá mais de 60% das intenções de voto para D’Urso. “Por que será que esta empresa não fez nenhuma pesquisa na eleição para presidente da República?” pergunta a candidata, com desprezo.

Se ganhar, quer trabalhar pela advocacia, “porque amo ser advogada”. Quer ajudar os pobres de sua classe e os pobres sem classe nenhuma, porque a “OAB tem um papel social a cumprir”. Quer valorizar a mulher advogada, “porque no Nordeste elas já nascem com a enxada na mão e vão a luta mas aqui no Sul Sudeste elas são educadas para ser princezinhas”. Quer resgatar o respeito da sociedade pelo advogado “porque a advocacia nunca foi tão vilipendiada”.

Rosana se formou em 1984 pela faculdade de Direito da USP. Em 1986 passou a trabalhar na área criminal com o advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira. Quando Mariz foi eleito presidente da OAB em 1987, Rosana passou por todas as Comissões da OAB de São Paulo. Em 1991 montou o primeiro escritório do estado de São Paulo de advogadas associadas.

Em 2000 foi uma das coordenadoras da campanha que levou Rubens Approbato Machado à presidência da Ordem. Hoje enfrenta a filha do mesmo Approbato, Márcia Melaré, presidente em exercício da OAB-SP e candidata a vice na chapa de D’Urso. Em 2003 foi a primeira mulher do estado de São Paulo a se candidatar à presidência da OAB.

Leia a entrevista

ConJur — Por que a senhora é candidata à vice-presidência da OAB?

Rosana Chiavassa — Sou candidata à vice-presidência da OAB porque estou nessa política de classe há 20 anos e me apaixonei pelo que a entidade pode fazer. A OAB é talvez o quinto poder do Brasil e pode fazer ainda muito mais do que tem feito pelo Estado Democrático de Direito.

ConJur — O que a Ordem poderia fazer e não está fazendo?

Rosana Chiavassa — A Ordem tem se mostrado omissa na defesa da Constituição Federal. O artigo 44 do nosso estatuto diz que é dever da OAB zelar pela Constituição e normas existentes no país, e isso não está sendo cumprido. Nós tivemos eleição para a Presidência da República e a OAB não fez nada para aperfeiçoar o processo eleitoral, nem em termos de conscientização da sociedade, nem com relação à legislação eleitoral. A OAB também poderia investir no setor social. Por exemplo, 60% dos municípios de São Paulo nunca tiveram tratamento de esgoto. A OAB poderia entrar com Ações Civis Públicas para obrigar a Sabesp a fazer alguma coisa para essas cidades. Também poderia entrar com Ação Civil Pública para discutir a taxa do talão de cheque. Mas ela nada faz em favor da sociedade.

ConJur — Também seria função da OAB zelar pela sociedade em geral?

Rosana Chiavassa — Claro. A falta de iniciativa da atual gestão para ajudar nos problemas da sociedade em geral me incomoda. A advocacia é a minha primeira paixão. Meus filhos brincam que amo a advocacia mais do que a eles, e realmente eu amo a advocacia. Eu amo a advocacia pelo poder que ela tem de ajudar as pessoas. Eu não posso consentir que os advogados sejam maltratados por juízes, promotores, delegados e funcionários de cartório. Infelizmente muitos ganham mais do que muito advogado. Esse desnível econômico faz com que esse próprio funcionário trate mal o advogado que ganha menos do que ele.

ConJur — A senhora foi candidata à presidência da OAB-SP na última eleição. Por que agora decidiu se candidatar a vice?

Rosana Chiavassa — Porque na última vez nós éramos oito candidatos e o atual presidente foi eleito com 17% dos votos válidos. Dessa vez, D’Urso tem a vantagem da máquina e se não houvesse essa união, ninguém tiraria dele a reeleição.


ConJur — Qual é a diferença entre a candidatura do Rui Celso Fragoso e do Luiz Flávio Borges D’Urso?

Rosana Chiavassa — Nossa candidatura é de advogados militantes que amam a advocacia. Nós estamos na luta por um ideal. Nós temos sangue, nós temos essência, nós temos alma e estamos pagando a campanha com o nosso dinheiro. A campanha do D’Urso tem uma facilidade porque eles têm a máquina. Não existem tantos soldados trabalhando, até porque hoje a Ordem é de uma pessoa só. Ninguém conhece quem são os demais. Só nós que estamos por perto.

ConJur — Qual a sua avaliação da gestão D’Urso ?

Rosana Chiavassa — Muito ruim. Primeiro, as comissões da OAB não demonstraram atividade. A Comissão dos Direitos Humanos não fez nada. A OAB Mulher não fez nada. O congresso da mulher advogada antigamente tinha 2 mil advogadas presentes. O último tinha 350 e distribuíram vale para cortar o cabelo no Jacques Janine. Eles ainda pensam que compram mulher com corte de cabelo e batom. Na última eleição, D’Urso distribuiu batom. No âmbito social nada foi feito. Na área institucional, o único evento de destaque que fizeram foi trazer o caseiro Francenildo para a Praça da Sé em um ato público vinculado a partidos políticos. A OAB não pode estar vinculada a partidos políticos. Ela tem que ser suprapartidária.

ConJur — Qual deve ser o papel da OAB? A entidade deve ser mais corporativa ou mais política?

Rosana Chiavassa — Tem que ser os dois, não dá para desvincular. O advogado é um ente político. A sua defesa não deixa de ter repercussões políticas naquela comunidade influenciada pela decisão. A Ordem tem que saber dosar em qual momento deve atuar de forma mais corporativa ou mais política. Se amanhã o Tribunal de Justiça baixa um provimento com regras absurdas contra a advocacia, a OAB tem que olhar para o advogado. Mas na seqüência deve olhar para o Brasil. A OAB tem que dar conta do institucional, do advogado e do social. Hoje em dia a OAB não está voltada para nenhum desses lados.

ConJur — O que a senhora acha da lista de inimigos da advocacia?

Rosana Chiavassa — Eu acho demagógico porque se está na Constituição que o juiz aposentado pode voltar para a advocacia não há lista negra que vá mudar isso. Pura demagogia para tentar cooptar votos.

ConJur — Como a senhora vê a relação da OAB de São Paulo com o Tribunal de Justiça?

Rosana Chiavassa — A OAB paulista deveria aproveitar melhor a figura do presidente do TJ-SP, desembargador Celso Limongi. Ele é o juiz mais progressista e liberal dos últimos 50 anos do Tribunal de Justiça de São Paulo, mas não estamos potencializando a boa intenção dele, a vontade dele de melhorar e modificar as coisas. Há um vínculo de bons vizinhos sem que haja um enfrentamento necessário para mudar as coisas. Por exemplo, a idéia da Carga Rápida não foi do D’urso. Foi um provimento da Corregedoria do Tribunal. Ora, vamos conversar com o presidente do Tribunal e mostrar que isso fere uma lei federal. A relação não está sendo produtiva para a sociedade. Outra questão que deveria ser negociada com o TJ é a do protocolo integrado. O advogado do interior do estado não tem acesso ao protocolo. Por isso, para poder entrar com um recurso que deve ir para Brasília, ele tem que vir para São Paulo.

ConJur — Qual é a relação da OAB com o Executivo?

Rosana Chiavassa — É muito boa. Correram notícias que o D’urso foi cogitado para ser o vice de [Geraldo] Alckmin [candidato à presidência da República pelo PSDB]. Agora dizem que se for reeleito, ele deve renunciar para assumir uma secretaria no governo do estado. E então, a Márcia Melaré, que é filha do doutor Aprobato embora não use o sobrenome, pode ser a primeira presidente da Ordem sem o voto direto.

ConJur — E com o Legislativo?

Rosana Chiavassa — Não há nenhuma relação. Leis perigosas são aprovadas sem que a OAB faça qualquer coisa para impedir. Nós temos duas leis no Congresso que são perigosíssimas. Uma diz que inventário, separação e divórcio sem litígio serão lavrados no tabelião, sem advogado. Isso é muito sério, já que o tabelião vai tirar o mercado de trabalho dos advogados. Além disso uma das partes pode vir a ser prejudicada porque não haverá mais o advogado para instruir. Outro projeto de lei que está indo para o Senado quer obrigar que as partes tenham que tentar uma conciliação antes de ir para a Justiça. Estão querendo suprir o direito do cidadão de escolher se ele prefere ir direto para a Justiça e a OAB não faz nada.

ConJur — Deveria ser obrigatória a presença de advogados nos Juizados Especiais?

Rosana Chiavassa — Eu não tenho dúvida. Tinha que ser obrigatório. Muitas pessoas perdem seus direitos por não serem assistidas por advogados. Normalmente quem está como réu é uma empresa. Por lei, essa empresa já vem com advogado e por isso as partes ficam desiguais no processo. Uma pessoa mais esclarecida não vai abrir mão de ser assistida pelo advogado, mas o povo fica desfavorecido.


ConJur — Com a implantação da Defensoria Pública em São Paulo a tendência é acabar a assistência judiciária?

Rosana Chiavassa — Nunca. Serão 300 defensores públicos ganhando muito bem, em torno de R$ 6 mil, o que é um bom salário em relação à maioria dos advogados. Isso fará com que o estado gaste cerca de R$ 1,8 milhão por ano com essas 300 pessoas. Em compensação, nós temos hoje 50 mil advogados trabalhando para a assistência judiciária. Não há como suprir esse número. Portanto, a assistência judiciária vai continuar. E é um grande negócio para o governo do estado de São Paulo.

ConJur — Quanto ganha um advogado pela assistência judiciária?

Rosana Chiavassa — O estado paga R$ 574 para o advogado da assistência judiciária por uma ação ordinária. Se esse processo levar cinco anos, são R$ 7 por mês. Descontando que muitas vezes tem que pagar o ônibus do assistido, tirar xerox do processo por sua conta, o advogado praticamente paga para trabalhar e está livrando o estado de um ônus que é dele. E a OAB não faz nada, é o maior descalabro. A OAB não conhece um instituto no Direito Brasileiro que autoriza a revisão contratual quando uma das partes está excessivamente onerada. Isso já existia no Código Civil de 16, foi reiterado no Código Civil de 2002, existe no CDC desde 1991 e a OAB não sabe disso. A Ordem sabe falar que só pode terminar o convênio em março de 2007. O problema só tem uma solução: o enfrentamento com o governo do estado de São Paulo para que haja um aumento considerável na tabela de assistência judiciária. Só que quem está atrelado politicamente não tem nenhum interesse em enfrentar o governo.

ConJur — A OAB tem atuado bem na defesa das perrogativas?

Rosana Chiavassa — Nunca a advocacia brasileira foi tão vilipendiada quanto nos últimos meses pela mídia. Não fosse a eleição presidencial, nós continuaríamos em um processo que vem de uns oito meses para cá, em que todo dia na mídia tinha alguma notícia sobre advogado preso. A mídia trata advogado como bandido. Vamos imaginar que nós tenhamos em um universo de 156 mil advogados aptos a advogar, mil bandidos. Eu estou chutando até alto demais. Cadê a defesa do outros 155 mil advogados dignos e honestos? Cadê a campanha institucional que tinha que estar na mídia falando o quanto o advogado é importante? A OAB não fez essa distinção. Não defendeu o advogado como ele merece, como deveria. Há muito tempo não se vê na Ordem um presidente que aparece tanto na mídia, pena que ele nunca usa esse espaço para defender advogado. Vivemos um momento de caça às bruxas dos advogados. Caça aos advogados sejam eles bons, ruins, médios, ótimos, péssimos. Nós não estamos todos no mesmo pote.

ConJur — O que a senhora diz dessa tendência de relativizar cada vez mais o sigilo entre advogados e clientes?

Rosana Chiavassa — O advogado que no exercício profissional está sendo conivente com a ação criminosa deve ser punido. Muito diferente é o caso do advogado que está apenas defendendo o direito do cliente. Não dá para admitir uma violação ou uma violência contra este. Nós tivemos as invasões de escritórios. Houve outras invasões que foram no alvo, porque o advogado estava sendo conivente com seu cliente. Mas não podemos aceitar que por conta da exceção se faça a regra. A Ordem tem que ser avisada para acompanhar as diligências nos escritórios para evitar excessos. E aí pecou muito o atual ministro da Justiça, que talvez se perpetue por mais três anos. Ele, infelizmente, rasgou a história dele como presidente da OAB de São Paulo, como presidente do Conselho Federal, porque todas essas leis que cercearam mercado, que atrapalharam o acesso à Justiça e essas invasões têm a assinatura dele.

ConJur — Como se dá a representação das mulheres na OAB-SP?

Rosana Chiavassa — A representação é pífia, porque infelizmente o preconceito ainda é muito grande. Eu brinco que as mulheres do Nordeste dão de mil nas mulheres dos estados da região Sul, Sudeste, porque elas nasceram com a enxada na mão, aprenderam a ser guerreiras. No Nordeste, nós temos há anos mulheres desembargadoras, presidentes de seccionais compartilhando o poder. O Sul e Sudeste são muito mais machistas. As mulheres aqui ainda são educadas para ser princesinhas. Tanto que só não tivemos mulheres presidentes de seccionais no Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Minas e Rio de Janeiro. Há um estudo do Banco Mundial que prova que onde a mulher compartilha o poder de forma mais igualitária com os homens, o PIB é maior, há menos corrupção, tudo funciona melhor.

ConJur — A OAB deve submeter suas contas ao controle do Tribunal de Contas?

Rosana Chiavassa — Não vejo porque não. Quem não deve não teme. Já que a OAB exige a transparência em todos os outros poderes e órgãos do Brasil, não sei porque ela não dá o exemplo. Mas eu respeito quem pensa o contrário.

ConJur — Os advogados devem ser revistados em presídios?

Rosana Chiavassa — Nós não somos contra a revista do advogado desde que se revistem todos: juízes, delegados, promotores, agentes penitenciários e principalmente a família. Aliás, eu começaria com o preso. O preso vem para a entrevista e é revistado, sai da entrevista, é revistado. Não aceitamos que só os advogados sejam revistados. É a prova de que advogado é visto pela sociedade como bandido. Podemos aceitar a revista eletrônica se todos se submeterem. Agora, só nós, nunca. Eu, mulher, advogada, não sou obrigada a ouvir o atual presidente falar que pode revistar sim a mulher, mas com dignidade. O que é revista manual com dignidade?

ConJur — Como que a OAB tem que enfrentar a inadimplência?

Rosana Chiavassa — A inadimplência é séria, mas é uma realidade brasileira. Quase 80% dos 50 mil advogados que prestam assistência judiciária vivem com R$ 500 a R$ 700 por mês. Esses só têm dinheiro para comer e acabam com dificuldades para pagar a anuidade. A OAB tem descumprido o princípio da isonomia neste sentido. Porque o princípio da isonomia é tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Ora, se temos advogados que ganham R$ 60 mil por mês e temos advogados que ganham R$ 500, a OAB não pode querer que os dois paguem da mesma forma. A Ordem tem que facilitar o pagamento da anuidade para esses advogados, até porque se ele não pagar, ele não pode nem fazer assistência judiciária. Esses advogados poderiam pagar a anuidade conforme recebessem as certidões da assistência judiciária. A cada certidão, retém-se um percentual e no fim do ano já terá pagado, sem problema, a anuidade dele.

ConJur — Como tem sido enfrentado o problema da inadimplência?

Rosana Chiavassa — O Estatuto da Advocacia a Ordem prevê duas formas de cobrar o advogado: entrar com execução fiscal, coisa que historicamente nunca se fez; e instaurar processo disciplinar, coisa que também nunca tinha sido feito. Esta gestão resolveu instaurar processo disciplinar contra aquele que tem um pecado: ser pobre. O advogado que não tem dinheiro para pagar a anuidade acaba sendo igualado com o advogado que está envolvido com o PCC.

ConJur — O valor da anuidade poderia ser diferente para o advogado pobre e para o rico?

Rosana Chiavassa — Não. Temos que respeitar o princípio da isonomia. Todos os advogados têm que pagar o mesmo valor da anuidade. Mas o advogado do interior, da periferia de São Paulo, também tem que ter os mesmos benefícios que os advogados da capital têm, o que não ocorre. A Ordem descumpre o princípio da isonomia na concessão dos benefícios.

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