Papel de julgar

Constituição Federal não é um mero texto normativo, diz Grau

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12 de novembro de 2006, 11h42

“Só conseguiremos viver em um pleno Estado de Direito quando compreendermos que a Constituição Federal não é um mero texto normativo. Mas sim a expressão de uma ordem concreta.” Assim o ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal, iniciou sua palestra no IX Congresso Brasiliense de Direito Constitucional, que terminou neste sábado (11/11), em Brasília.

Ao falar na conferência Democracia, Estado de Direito e Jurisdição Constitucional, o ministro ressaltou o papel do Judiciário para fazer com que se cumpram os mandamentos constitucionais. “O juiz, intérprete, não é como o legista que examina um corpo morto. O juiz atua no plano da vida, e aplicar o direito implica caminhar do universal (do texto da lei) ao singular (o caso em que a lei é aplicada).”

O ministro deu exemplos do que chamou de atuar no “plano da vida”. Recentemente, o Supremo analisou o caso de uma mulher doente, em estado terminal, e que tinha um crédito a receber do Estado. Ele pedia o adiantamento do precatório, para receber imediatamente. “Essa não é uma hipótese constitucional. Mas o STF decidiu que se tratava de uma exceção e que cabia ao tribunal preencher o ordenamento jurídico, completá-lo, refazê-lo, para atender à Constituição”, afirmou.

Eros Grau explicou que o direito pode ser visto de três formas: o direito como norma, como decisão ou como ordenamento. E criticou o normativismo: “a crítica que se faz é que ele identifica o direito apenas como o que está na lei, e isso acaba por reduzir direitos”.

O direito como decisão, na visão de Grau, também é falho. “O direito como ordenamento está mais próximo do Estado Democrático porque norma só realiza sua função quando é adequadamente interpretada e aplicada.”

Limites entre os poderes

O professor alemão Christian Starck destacou o fato de que deve prevalecer o equilíbrio na interpretação constitucional. “Os tribunais não podem subestimar as conseqüências de perda do poder do Parlamento nos casos de interpretação das leis”, afirmou.

Para Starck, a interpretação constitucional é um assunto altamente delicado. “As regras da democracia indicam que a interpretação da Constituição está sujeita a certas restrições. Não é uma atividade teórica que não influi na relação entre a função do Judiciário e do Parlamento. Tampouco se trata de um ato de fazer leis. Na verdade, a interpretação deve ser bem focada na proteção dos princípios constitucionais.”

O professor alemão sustenta que as decisões das cortes constitucionais devem ser muito bem fundamentadas, para que fique claro que, em seu papel de legislador negativo (que pode invalidar determinada lei), o tribunal está aplicando técnicas jurídicas aceitáveis. “Na há outro meio de exercer essa separação de poderes entre o Parlamento e o Judiciário.”

Segundo Christian Starck, o equilíbrio entre a interpretação constitucional do Judiciário e o trabalho do Legislativo é a garantia de um Estado de Direito. “O tribunal não pode ser co-legislador. Não pode produzir leis, mas apenas defender a Constituição”, disse.

Na mesma conferência, o também professor Marcelo Neves pontuou a diferença entre princípios e regras, que considerou “relevante para a dinâmica do Estado de Direito, desde que não se atribua uma supremacia absoluta dos princípios”.

Neves criticou também o fato de se importar modelos de doutrina do exterior sem questioná-las e alertou para o “perigo de hipertrofia” de uma esfera da Justiça em detrimento das outras na interpretação dos princípios. “Não se pode fazer uma leitura simplista a partir, por exemplo, do ponto de vista econômico”, disse.

Notícia atualizada em 13 de novembro.

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