Mera reprodução

Mera reprodução de acusação pela imprensa não gera dano

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11 de novembro de 2006, 6h01

Mera reprodução de palavras e informações de terceiros pela imprensa não gera indenização por danos morais. Com esse entendimento, a 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo reformou sentença de primeira instância e livrou a empresa Folha da Manhã de pagar indenização, por danos morais, ao investigador de polícia Antônio Caballero Curci, lotado no Departamento de Narcóticos (Denarc), da Polícia Civil.

A empresa foi condenada por causa da edição do dia 20 de agosto do ano passado de um de seus jornais – o Agora São Paulo. O jornal publicou reportagem noticiando acusações feitas por Ronaldo Duarte Barsotti de Freitas – o Naldinho. Ele acusou policiais daquele departamento de extorsão.

Naldinho está preso por tráfico de drogas e, em depoimento, mencionou o nome de três investigadores supostamente envolvidos em tentativa de extorsão. Um dos citados foi Antonio Caballero. Segundo o traficante, os policiais teriam exigido dinheiro para não prendê-lo.

A sentença, modificada pelo TJ-SP, foi dada pela juíza Carolina Figueiredo Dorlhiac Nogueira, da 42ª Vara Cível Central da Capital. Ela entendeu que houve dano à imagem do investigador e condenou a Folha da Manhã a pagar indenização de 150 salários mínimos e ainda a publicar a sentença.

Segundo passo

Insatisfeita com a sentença que a condenou, a empresa entrou com recurso no TJ paulista. Argumentou que a sentença é nula por que viola princípios da Constituição Federal. A empresa afirmou, ainda, que a reportagem foi escrita com base no depoimento do acusado de tráfico de drogas e que não houve dolo ou culpa que justifiquem reparação de dano.

O entendimento da turma julgadora foi o de que a reportagem apenas reproduziu o depoimento do acusado, que citou nomes de policiais acusando-os de extorsão. Portanto, não criou fato limitando-se a publicar as palavras de Naldinho.

Os desembargadores foram unânimes na tese de que a reportagem teve como objetivo a prestação de informações de interesse da população. Para eles, em nenhum momento o jornal afirmou que as palavras da pessoa presa eram verdadeiras.

“Não se coloca em discussão, sequer em dúvida, a integridade do autor apelado. Mas, o que se tem é apenas o exercício do direito de liberdade de imprensa, em que não se vislumbra ter havido abuso, ou criação espontânea de fato”, afirmou o relator, Beretta da Silveira.

Segundo ele, quem age dentro de seu direito não prejudica ninguém e, por isso, não será obrigado a indenizar. “Impedir que a imprensa divulgue fatos constitui censura a liberdade de informar, vedada pelo artigo 220 da Constituição Federal, ainda mais que houve mera reprodução de palavras e informações de terceiros. Informou-se, tão somente”, concluiu Beretta da Silveira.

Veja a decisão

Voto n°: 11.800

Apelação n°: 453.995.4/3-09

Comarca: São Paulo

Apelante: Empresa Folha da Manhã S/A

Apelado: Antonio Caballero Curci

*Dano moral — Lei de imprensa — Publicação de reportagem em jornal de matéria referente a palavra de um preso por tráfico de drogas que teria mencionado o nome de três policiais que teriam tentado extorquir dinheiro para não efetuarem a prisão — Exercício do direito de liberdade de imprensa — A ré não criou o fato, apenas reproduziu palavras que foram ditas em depoimento prestado perante a própria autoridade policial — Abuso não configurado — Liberdade de imprensa que tem garantia constitucional — Ação improcedente — Recurso provido.*

Trata-se de ação de indenização por danos morais julgada procedente pela r. sentença de folhas, de relatório adotado.

Apela a requerida alegando, em resumo, que as matérias noticiam as acusações formuladas pro Ronaldo Duarte Barsotti de Freitas (Naldinho), durante depoimento prestado à Justiça, acerca de extorsão praticada por policiais do Denarc, dentre os quais o nome do apelado foi citado. Diz que com base no depoimento mencionado é que foram elaborados os textos jornalísticos em questão. Aponta nulidade da sentença e cerceamento de defesa, bem assim violação à Constituição Federal. Rebela-se contra o valor da indenização. Pede o provimento do recurso.

É o relatório.

Cuida-se de ação de indenização por danos morais decorrente de publicação de matéria em jornal em que o autor apelado teria sido acusado por “Naldinho” de extorsão.

O autor apelado é investigador de Polícia, e seu nome teria sido citado por “Naldinho”, o qual foi preso por tráfico de drogas. Ao prestar depoimento, essa pessoa teria mencionado o nome de três policiais envolvidos em uma tentativa de extorsão, em que teriam exigido dinheiro para não prendê-lo Um dos policiais citados teria sido o ora autor.

A requerida apelada publicou tais notícias no jornal “Agora” na edição do dia 20/08/2005.


Preservado o entendimento do digno magistrado, o recurso comporta acolhimento.

Afasta-se, por primeiro, as alegadas nulidades, eis que a sentença não padece de vício formal, nem tampouco ocorreu cerceamento de defesa.

A matéria jornalística em questão apenas cuidou de reproduzir depoimento que teria sido prestado por determinada pessoa presa por envolvimento com drogas, e que teria mencionado o nome de três policiais que teriam exigido dinheiro para não prendê-lo.

A matéria jornalística se limitou a publicar tais palavras, não tendo criado o fato, mas apenas reproduzido o que teria sido dito em depoimento próprio.

Na matéria não há nenhuma outra menção ao apelado que pudesse ter qualquer outra conotação, que não a de simples menção pelo detido.

Ademias, o requerido apelante se baseou em dados que seriam públicos, á que tal depoimento teria sido prestado em juízo ou mesmo perante a autoridade policial.não consta tenha criado o fato.

Não se coloca em discussão, sequer em dúvida, a integridade do autor apelado. Mas, o que se tem é apenas o exercício do direito de Liberdade de Imprensa, em que não se vislumbra ter havido abuso, ou criação espontânea de fato.

A questão passa pela xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, “Direito de Informação” e o “Direito de Privacidade”.

Os limites e direitos que garantem a Constituição Federal no que toca à liberdade de imprensa, liberdade esta expressamente conferida pelo artigo 5°, IX e art. 220 da Carta Magna.

Diz o inciso IX, do artigo 5° da CF:

É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença”.

O artigo 220 da CF

“A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veiculo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

Necessário se adentrar nos meandros do papel da imprensa, que pode ir do pensamento de MARX, para quem “a imprensa livre é o olhar onipotente do povo, a confiança personalizada do povo pelo mesmo, o vínculo articulado que une o indivíduo ao Estado e ao mundo, a cultura incorporada que transforma lutas materiais em lutas intelectuais, e idealiza suas formas brutas. É a franca confissão do povo a si mesmo, e sabemos que o poder da confissão é o de redimir. A imprensa livre é o espelho intelectual no qual o povo se vê, e a visão de si mesmo é a primeira confissão da sabedoria” (Liberdade de Imprensa, Porto Alegre: L&PM Editores, 1980, p. 42), ao do “zé-ninguém” para quem “deu na imprensa é verdade”. (Cf. editorial “Imprensa questionada”, Folha de S. Paulo, ed. 11/11/93, caderno 1, p. 2.11).

Não se pode deixar de se ter em conta que a liberdade de imprensa deve, sempre, vir junto com a responsabilidade de imprensa, de molde a que, em contrapartida ao poder-dever de informar, exista a obrigação de divulgar a verdade, preservando-se a honra alheia, ainda que subjetiva.

A liberdade de imprensa é bem precioso em todos os países democráticos do mundo. Nos Estados Unidos da América, após a Declaração da Independência e a promulgação da Constituição de 1787, as dez primeiras emendas, conhecidas como o Bill of Rights, de 1791, vieram assegurar a proteção aos direitos fundamentais, entre eles a liberdade da palavra (Emenda I), a inviolabilidade das pessoas, casas, documentos e xxxxxxxxxxxxxx busca e apreensão arbitrárias (Emenda IV) e o “due processo f law” (Emenda V).

Deve ser enfatizado que, no texto original, a citada Emenda IV refere-se a papers e HENRY CAMPBELL BLACK esclarece o exato significado dessa expressão. “Any writing or printed documents, including letters, memoranda, legal or business documents, and books of account, as in the constitucional provision which protects the people from unreasonable searches and seizures in respect to their papers as well their xxxxxxxxxx(“Blacks Law Dictionary”, West Publishing. 1979. p. 1.001).

Tradução livre:

“Qualquer papel escrito ou impresso, incluindo cartas, memorandos, documentos de negócios ou legais, extratos de contas-corrente, a partir de uma previsão constitucional que proteja os cidadãos de buscas ou pesquisas não autorizadas ou embargos, em relação aqueles papéis ou documentos assim como seus lares e as pessoas”.

Na França, a Assembléia Nacional, antes mesmo de promulgar a Constituição, editou, em 1789, sob a inspiração de ROUSSEAU, a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, que inclui a liberdade entre os “direitos naturais e imprescritíveis do homem”, ao lado da propriedade, da segurança e da resistência à opressão. “Os homens nascem livres e são livres e iguais em direitos”, proclama o art. 1° “A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem”, acrescenta o art. 4°. “Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente”, completa o art. 11.


Preserva-se um valor democrático e insubstituível, que é a liberdade de comunicação e de pensamento, incluída a liberdade de imprensa.

A liberdade de imprensa é reafirmada pelo Pacto de São José da Costa Rica em seu artigo 13:

“Art. 13 — Liberdade de pensamento e de expressão

I – Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha”.

Fazendo-se urna analogia com o Direito Eleitoral, tem-se que a orientação do Tribunal Superior Eleitoral vai no sentido de prestigiar a liberdade de imprensa quando não houver conotação político/partidária, como no caso dos autos. Anote-se.

“Na imprensa escrita, o que não se pode admitir no período anterior a 5 de julho é que seja publicada propaganda eleitoral paga, aquela que normalmente contém o nome, a foto, o cargo que se pretende e dizeres elogiosos ao candidato”.

A respeito, veja-se excelente monografia de Ubirajara Nicola e Ubirajara Ruy Nicolas, in “A Ética, a Lei de Imprensa e a Extensão do Dano Moral” (direito.net.com.br)

No caso dos autos a reportagem visou a prestação de informações de interesse da população, sendo inerentes à atividade jornalística. Não se afirmou, na reportagem, que as palavras daquela pessoa que havia sido presa seriam verdadeiras.

Impedir que a imprensa divulgue fatos constitui censura a liberdade de informar, vedada pelo artigo 220, parágrafos 1° e 2° da Constituição Federal, ainda mais que houve mera reprodução de palavras e informações de terceiros. lnformou-se, tão somente.

Acolher o pedido inicial, neste caso, com a devida venia, constitui CENSURA à liberdade de imprensa, vedada pelo artigo 220, parágrafos 1° e 2°, da Constituição Federal, e o réu apelante exerceu o seu direito constitucional de “informação”, sem “qualquer censura de natureza política, ideológica e artística” (CF artigo 5°, inc. IV, e 220, caput e parágrafo segundo) e de “critica de atos e decisões do Poder Executivo ou Legislativo e seus agentes.

A nova Constituição do Brasil revelou hostilidade extrema a quaisquer práticas estatais tendentes a restringir, mediante prescrições normativas ou práticas administrativas, o legítimo exercício da liberdade de expressão e de comunicação de idéias e de pensamento.

Isso porque “o direito de pensar, falar e escrever livremente sem censura, sem restrições ou sem interferência governamental” é, conforme adverte HUGO LAFAYETTE BLACK, que integrou a Suprema Corte dos Estados Unidos da América, “o mais precioso privilégio dos cidadãos…” (“Crença na Constituição”, p. 63,1970, Forense).

À imprensa compete noticiar o que acontece e é de interesse da sociedade.

Corriqueiros são os escândalos envolvendo pessoas públicas que penetram na esfera de sua intimidade.

As pessoas públicas têm amplos direitos de alegar violação de sua intimidade, desde que o fato objeto do escândalo não tenha relação com o exercício da função pública que lhes foi atribuída. Mas, no exercício da função pública os gestores do dinheiro público ou mesmo aqueles que detém parcela do Poder Estatal, seja na administração ou nos Órgãos da Segurança, não têm intimidade a preservar, salvo a de ordem estritamente, pessoal, já que o interesse público tem prevalência sobre o particular.

É verdade que a lei prevê também a reparação para o dano moral, questão esta de suma importância, pois demonstra a intenção inequívoca do legislador de resguardar os direitos individuais dos cidadãs ou entidades ofendidas, pois, esta é urna forma de inibir a prática de abusos por parte dos responsáveis pelos meios de comunicação.

Visa a lei estabelecer o equilíbrio destruído pelo dano de maneira que aquele que no exercício da liberdade de informar, com dolo ou culpa tenha violado direito ou causado prejuízo deva responder pela ação lesiva ao patrimônio moral ou material de terceiro.

Todavia, é necessário que exista o dolo ou a culpa para que se estabeleça ao ofendido o direito de pleitear a reparação do dano. Como em outros processos em que a imprevisibilidade ou a inevitabilidade são causas excludentes de responsabilidade civil, nos processos de reparação dos prejuízos causados em conseqüência dos abusos da informação, pode ocorrer divulgação que não contenha obrigatoriamente dolo nem culpa. Nesses casos, não cabe ao ofendido qualquer direito ao ressarcimento do dano, seja moral, seja material.

Aquele que age dentro de seu direito, a ninguém prejudica, por isso não será obrigado a indenizar. Quando a matéria veiculada se enquadra em uma das situações definidoras do não abuso, evidentemente não se caracteriza a causa geradora do dever de indenizar.


Freitas Nobre, comentando a mencionada ordem legal, salienta que tais disposições são necessárias para que nenhuma dúvida subsista quanto ao direito de transmitir aos leitores ou ouvintes os fatos e comentários a respeito de determinados assuntos de interesse coletivo (Comentários á Lei de Imprensa, Saraiva, 1989, p. 125).

No caso em exame, a manifestação do pensamento não, extrapolou os limites previstos no art. 220 da Carta Política, não acarretando a indenização por danos morais.

A jurisprudência já se posicionou sobre tal situação, tendo deixado assentado:

“Indenização — Jornal —. Reportagem publicada em jornal de grande circulação que teria ofendido a honra do autor — Considerações doutrinárias e jurisprudenciais — A reportagem visou a prestação de informação de interesse da população, sendo inerentes à atividade jornalística — Impedir que a imprensa divulgue fatos constitui censura a liberdade de informar, vedada pelo artigo 220. parágrafos 1° e 2° da Constituição Federal, ainda mais que houve mera reprodução de palavras e Informações de terceiros. Informou-se, tão somente — Ausência, ademais, de dolo ou culpa a gerar direito indenizatório — Ação improcedente — Recurso irnprovido.” (ApeL 237.009-1/0-00, de São Paulo, Tribunal de Justiça/SP, 3ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Beretta da Silveira).

Apreciando outro caso, de certo modo, análogo ao deste, e em que determinado agente pertencente ao Departamento Policial de Montgomery, no Alabama, reclamava indenização a um grande jornal diário, sob fundamento de lhe haver imputado, em notícia inverídica, a expedição de ordem ilegal e criminosa, firmou a Suprema Corte norte americana, a luz da Primeira Emenda, que ali protege, entre outros valores, a liberdade de opinião, ou de imprensa, precedente valiosíssimo, cuja síntese, de todo aplicável à nossa ordem jurídica, reflete a supremacia quase absoluta do interesse público neste tema (New York Times Company v. Sullivan apud VAN ALSTYNE, First Amendment – Cases and Material”, Westbury, NY, The Foundation Press, 2ª ed., 1995, pp. 195 e 201).

“Me consider this case against the background of a profound national commitment to the principle that debate on public issues should be uninhibited, robust. and vide-open, and that it may welt include vehement, caustic and sometimes unpleasantly sharp attacks on government and public officiais”.

“Tradução livre:

“Considero este caso contra o conhecimento do profundo compromisso nacional para o principio que debate assuntos públicos que deveria ser desinibido, forte e tolerante e que isso possa ser bem veementemente incluído, sarcástica e às vezes desagradavelmente enganar acusações sobre funcionários públicos do governo”.

Os votos vencedores foram aí mais longe, reconhecendo à imprensa: — “an absolute immunity for criticism of the way public officials do their public duty”.

Tradução livre:

“a absoluta imunidade para a crítica da maneira que funcionários públicos fazem seus deveres públicos”.

E aqui não se vislumbra dolo ou culpa na publicação da reportagem de porte a gerar indenização como pleiteada. Incluiu-se a reportagem dentro do direito de informação sem que isso resulte em violação tal que implique ou resulte em dever de indenizar, ate porque em nenhum momento se afirmou serem verdadeiras as palavras que teriam sido ditas pela pessoa presa.

Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso para se julgar improcedente o pedido inicial O autor pagará as custas do processo e honorários advocatícios de R$ 1.000.00 (um mil reais), fixados com base no ,§ 4, do artigo 20 do Código de Processo Civil.

BERETTA DA SILVEIRA

Relator

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