Processo administrativo

Leia voto de Marco Aurélio sobre juiz que prendeu empregada

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11 de novembro de 2006, 6h01

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, entendeu em agosto deste ano que não daria para concluir pela falta de justa causa no caso da denúncia contra o juiz Gilberto Ferreira da Cruz, titular da Vara do Júri e Execuções Criminais da Comarca de Santos. O juiz é acusado de ter decretado a prisão temporária da empregada de sua namorada. Ele responde pelo crime de prevaricação.

Nesta semana, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, que já tinha colhido a denúncia em maio deste ano, instaurou processo administrativo contra ele.

De acordo com os autos, a namorada disse ao juiz que sua empregada tinha maltratado seu avô, de quem cuidava. O juiz, então, pediu para ela fazer um boletim de ocorrência sobre o caso. Segundo a denúncia, ele usou a sua função para influenciar o delegado seccional da cidade a requerer a prisão temporária da acusada. Foi aberto inquérito policial e, segundo o Ministério Público, o próprio juiz decretou a prisão temporária de Maria do Carmo pelo prazo de 10 dias.

Leia voto do ministro:

HABEAS CORPOS 88.280-3 SÃO PAULO

Relator: Min. Marco Aurélio

Paciente (s): Gilberto Ferreira Da Cruz

Impetrante (s) Vicente Fernandes Cascione

Coator (a/s) (es) Superior Tribunal de Justiça

DECISÃO

PROCESSO — SIGILO.

1- A regra é a publicidade do processo judicial. Então, apenas em situações excepcionais, cabe implementar o sigilo. Prevalece o interesse público à informação — inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal.

2- As balizas deste habeas não sinalizam a necessidade do implemento do sigilo.

3- Indefiro o pleito formulado.

4- Publiquem.

Brasília, 6 de agosto de 2006.

Ministro MARCO AURÉLIO

Relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Em inicial contendo quarenta tolhas, os impetrantes procuram demonstrar vir o paciente sofrendo constrangimento ilegal. Eis os fatos que deram origem a iniciativas que são apontadas como à margem da ordem jurídica:

a) em maio de 2004, certa empregada do lar, contratada para cuidar do bem-estar de uma pessoa de 87 anos, teria agredido-a violentamente, causando-lhe ferimentos por todo o corpo;

b) os filhos da idosa vitima, por decisão própria e sem interferência do paciente, buscando atuação policial, provocaram a lavratura de boletim de ocorrência;

c) no dia imediato ao registro, o paciente, juiz corregedor permanente da Policia Judiciária de Comarca de Santos, foi informado do caso pela namorada, neta da vítima:

d) em 27 de maio de 2006, o paciente soube, em conversa com Maria Cláudia, a namorada, que o médico legista havia Constatado a gravidade das lesões, a implicar risco de morte, bem como que a agressora estava propalando que ia fugir, mudando-se para o Nordeste do Brasil;

e) diante de tal Situação, o paciente — que não tinha opinião formada sobre os fatos ou sobre a pessoa da agressora —, como cidadão e também na qualidade de juiz corregedor permanente da Polícia Judiciária, entrou em contato telefônico com o delegado titular do Terceiro Distrito Policial de Santos, Dr. Rony da Silva Oliveira, relatando as informações;

f) o citado delegado, notório inimigo do paciente, mesmo ponderando este último a respeito dos deveres investigatórios da Polícia Judiciária, disse que nada faria, mie o boletim de ocorrência tinha finalidade trabalhista;

g) ante o comportamento do titular da Terceira Delegacia Policial de Santos, o paciente comunicou-se com o delegado seccional, narrando o acontecido. Resultou da iniciativa a evocação do inquérito policial e a designação de um outro delegado para presidi-lo;

h) ao término dos levantamentos, o delegado assistente entendeu, em 27 de maio de 2006, que o caso exigia a prisão temporária da agressora;

i) o paciente, localizado por volta das 22 horas, em face dos elementos coligidos, decretou a prisão temporária.

Afirmam os impetrantes que o promotor de justiça da Corregedoria Permanente da Polícia Judiciária de Santos, em conluio com o delegado titular do Terceiro Distrito Policial, deixou de oferecer denúncia O paciente revogou o decreto de prisão, seguindo o inquérito a tramitação regular, tendo sido a indiciada alvo de denúncia, mostrando-se revel. Seguiu-se a formalização de representação contra o paciente, subscrita pelo promotor referido e colegas do Ministério Público. A peça foi remetida à Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo. Os impetrantes apontam como abusiva a instauração do inquérito no âmbito desse órgão. É que a legislação de regência direciona, segundo o sustentado, ao encaminhamento da representação à própria Corregedoria-Geral de Justiça. Evocam dispositivos legais e regimentais — artigo 33 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e artigos 221 e 314 do Regimento Interno do Tribunal de Justice de São Paulo — bem como o fato de o artigo 54 da


Loman aludir ao sigilo. Requereram o empréstimo de tal qualidade a este processo, no que revela habeas corpus impetrado em beneficio do paciente. Em passo seguinte, mencionam a existência de denúncia contra ele oferecida e ainda não recebida pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo. Asseveram a atipicidade, discorrendo sobre o instituto da parcialidade e afastando-o, relativamente à suspeição e ao impedimento, no tocante ao inquérito. Aduzem que o paciente atuou no cumprimento do estrito dever e não cometeu o crime previsto no artigo 319 do Código Penal — prevaricação. Noticiam ainda que, mediante mandado de segurança, logrou-se trancar inquérito civil em curso na Procuradoria-Geral de. Justiça, presente alegação de improbidade administrativa. Tecem longas considerações sobre a matéria, resumindo, então, às folhas 34 e 35, o que amplamente analisado:

1) o paciente objetivamente cumpriu — sem pessoalidade, omissões ou erros — seus especiais, dinâmicos, indisponíveis e públicos deveres legais e normativos de Juiz Corregedor Permanente na fiscalização da atividade da Polícia Judiciária e na decretado da prisão temporária da indiciada Maria do Carmo da Silva, em. persecuçao penal ainda na fase de inquérito policial e com celeridade por envolver idoso;

2) não há suspeição ou impedimento do Juiz em inquérito policial, inaplicáveis as exaustivas hipóteses processuais dos arts. 252 e 254 do CPP;

3) não existe ato de oficio (ato vinculado) na inviolável. soberana e discricionária deliberação jurisdicional penal do Juiz, alternativamente, reconhecer ou não, ex officio, suspeição ou impedimento e, mesmo assim, desde que existe ação penal instaurada;

4) na hipótese de o Juiz, havendo ação penal instaurada, optar em declarar-se suspeito ou impedido, ex officio, essa discricionária deliberação jurisdicional-penal — e não ato de oficio vinculado — ainda dependerá de confirmação em julgamento superior do Eg. Conselho Superior de Magistratura. com a possibilidade de ser mantido na presidência da ação penal por determinação superior;

5) o Juiz somente poderá ser considerado suspeito ou impedido. para todos os fins de Direito, após julgamento do Tribunal, em exceção própria, respeitado o contraditório e o devido processo legal;

6) tratando-se de matéria jurisdicional-penal independente do Poder Judiciário, a declaração de suspeição ou de impedimento prolatada pelo Eg. Tribunal ad quem, nos autos da exceção regularmente instaurada, somente poderá acarretar ao Juiz, desde que comprovado erro inescusável, o pagamento das custes do processo, jamais responsabilidade penal (princípio da especialidade);

7) não pode a procuradoria Geral da Justiça, unilateral e arbitrariamente, declarar Juiz de primeira instância suspeito ou impedido em ações penais instauradas, quanto mais em inquéritos policiais onde inexiste lide e partes;

8) comete a Procuradoria Geral da Justiça, ao menos em tese e entre outras ilicitudes de relevo, os crimes de usurpação de função pública e de denunciação caluniosa ao pretender, a seu talante e arbitrariamente, qualificar um Juiz de suspeito ou xxxxxxxxxxxxxxxx

do crime de prevaricação, sabendo de sua inocência.

Formularam os impetrantes pleito de concessão de medida acauteladora visando a suspender os efeitos do acórdão proferido pela Quinta Turma do Superior Tribuna de Justiça bem como a tramitação da representação e da denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo junto ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça daquele Estado, vindo-se, alfim, a (folhas 39 e 40):

a) anular e substituir o julgamento do caso feito pela Eg. Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (doc. 01-anexo), declarando nulos de pleno direito a instauração e o trâmite, por ilegalidade, do Inquérito Judicial Criminal n° 115.770.0/2004 (DEPRO 29 – SALA 109), visto que arbitrariamente antecedentes ao julgamento definitivo e pronunciamento, sob qualquer aspecto, da Eg. Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo no procedimento sigiloso n° G-37.963/04, tudo nos moldes da Constituição Federal. da LOMAN e do RITJSP. dando-se baixa nos registros criminais existentes no Eg. Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo.

b) cassar a denúncia indevidamente oferecida pela Procuradoria Geral da Justiça de São Paulo, por arbitrariedade, nos autos do Inquérito Judicial Criminal no 115.770.0/2004, pois veicula, a olho desarmado, imputação atípica e desprovida de justa causa capaz de ensejar a instauração legitima de ação pena: pelo crime de prevaricação contra o paciente (CP, art. 319), sobre tema discricionário a exclusivamente jurisdicional e processual penal (suspeição ou impedimento), determinando-se, outrossim, o arquivamento definitiva daquele feito;


(…)

Acompanharam a inicial os documentos de folha 42 a 214.

À folha 218, despachei consignando a inexistência no processo do ato apontado como de constrangimento e determinando fossem solicitadas informações ao Superior Tribunal de Justiça, devendo a Corte encaminhar o acórdão proferido e, caso ainda não confeccionado, as notas taquigráficas do julgamento. Instei os impetrantes a juntar o ato atacado. Na petição de folhas 223 e 224, informaram eles que anexaram a certidão de julgamento, não estando ainda publicado o acórdão prolatado por aquela Corte.

Reiterada a solicitação de informações, prestou-as o Presidente do Superior Tribunal de Justiça, enviando a peça necessária ao exame da espécie, assim sintetizada:

HABEAS CORPUS. CRIMES SUPOSTAMENTE PRATICADOS POR MAGISTRADO. INQUÉRITO EM CURSO NO ÓRGÃO ESPECIAL DO TJSP. APURACÃO DO FAT0 TAMBÉM PELA CORREGEDORIA-GERAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS PENAL E DISCIPLINAR. INVESTIGAÇÃO NECESSÁRIA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE.

1- lnexiste ilegalidade no fato de haver, de um lado, inquérito judicial no órgão competente para apurar os crimes noticiados, e. de outro, sindicância da Corregedoria-Geral de Justiça. São esferas de atuação diferenciadas e independentes: uma para verificar eventual falta adrinistrativa; outra, para apuração do crime.

2- Não cabe a esta Superior Instância. desde logo e ainda sede de habeas corpus, analisar a veracidade ou não dos fatos narrados na representação do Ministério Público. Deve. portanto, prosseguir a fase investigatória inquisitorial de modo a levantar os elementos indiciários para subsidiar a oportuna avaliação do Parquet, titular da ação penal. Outrossim, é dever do órgão disciplinar administrativo competente, tendo garantido o contraditório e a ampla defesa, deliberar sobre a existência ou não de falta funcional.

3- Ordem denegada. Reiteração de pedido liminar prejudicado.

A Procuradoria Geral da República emitiu o parecer de folha 244 a 246, ressaltando a independência das esferas administrativa e penal. Quanto à atipicidade da conduta, afirma o Ministério Público que o trancamento da ação pressupõe a conclusão de, ao primeiro exame, não decorrer, da narração dos fotos, crime em tese.

À folha 248, indeferi o pleito de tramitação deste habeas corpus em, segredo de justiça.

Lancei visto no processo em 6 do corrente mês, indicando como data de julgamento a de hoje, 15 subseqüente, isso com a finalidade de dar conhecimento aos impetrantes.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) — Descabe confundir institutos próprios ao Direito. A Lei Complementar n° 35/79, Lei Orgânica da Magistratura Nacional, versa o surgimento, no curso de investigação, de prática de crime por parte de magistrado. O que disposto no parágrafo único do artigo 33 do referido diploma pressupõe a tramitação de inquérito. Então, os autos respectivos são remetidos ao tribunal ou ao órgão especial para o julgamento, prosseguindo a investigação. A previsão, a revelar tratamento excepcional da matéria, não afasta a possibilidade de atuação do Ministério Público no respectivo âmbito administrativo. Em última análise, tem-se o deslocamento a partir do instante em que surja o inquérito propriamente dito, sob pena de obstaculizar a atuação do titular da ação penal. De qualquer forma, a esta altura, constate-se a existência de denúncia encaminhada ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, não cabendo cogitar de contaminação, de ilicitude, considerada a circunstancia de não haver sido precedida de inquérito policial. Ante a alegada atipicidade da conduta, o pleito faz-se voltado a exercício de verdadeiro crivo quanto ao recebimento, ou não, da denúncia. Os fatos narrados pelo Ministério Público não são de molde s concluir-se, mediante impetração, pela falta de justa causa. Consta noticiado que o paciente, valendo-se do cargo possuído, da atividade desenvolvida, convenceu certo delegado a avocar investigação que estava em curso nas vias normais e, aí, veio a deferir prisão temporária, tudo ocorrendo para favorecer Maria Cláudia Colombo Barbosa e familiares, tendo em conta laços afetivos, ou seja para atender a sentimentos pessoais. Por isso, no exame próprio ao habeas corpus, não é dado assentar a falta de relação com o tipo do artigo 319 do Código Penal. Há de se aguardar o pronunciamento do juízo natural, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Indefiro a ordem.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal Federal, em Primeira Turma, sob a presidência do ministro Sepúlveda Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, em indeferir o pedido de hábeas corpus.

Brasília, 15 de agosto de 2006.

Marco Aurélio

Relator

MAGISTRADO — PROCESSO ADMINISTRATIVO VERSUS ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO — ARTIGO 33, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LOMAN. O que previsto no artigo 33, parágrafo único, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional não obstaculiza a atuação interna e externa que lhe tenham chegado às mãos e, na segunda, formalizando denúncia junto ao Tribunal competente, visando à persecução criminal.

AÇÃO PENAL — TIPICIDADE — HABEAS CORPUS. O habeas não é meio próprio para apreciar-se a denúncia formalizada pelo Ministério Público. Óbice a esta última, via a impetração, pressupõe situação clara e precisa a afastar a persecução criminal.

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