Dada a largada

Começa mal a discussão sobre regras de uso do espaço virtual

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11 de novembro de 2006, 6h01

O Brasil está atrasado para criar uma lei que regulamente os crimes cometidos no ambiente virtual. Embora o Código Penal tipifique furto, estelionato, crimes contra a honra e pedofilia, a sociedade evoluiu e o crime se modernizou. Hoje, por exemplo, não é difícil invadir o e-mail de alguém ou disseminar um vírus pela rede. Mesmo com todos os prejuízos, a atitude não pode ser punida porque, quando o Código Penal foi discutido, não existia e-mail nem vírus cibernético.

A explicação é de que “não existe exatamente uma tipificação de crimes cometidos pela internet, porque são os mesmos crimes cometidos no mundo físico. O que os difere na internet é o elemento tecnológico, isto é, a celeridade com que as informações são manipuladas e a ampla capacidade de disseminação da rede mundial de computadores”, esclarece o advogado Nehemias Gueiros. “Não creio que a internet precise de novas leis e sim de novas regras”, afirma.

Esse é a grande discussão dos especialistas em Direito Informático quando se fala em criar regras que obriguem o provedor a identificar o usuário e alterar dispositivos do Código Penal. Alguns verbetes, de tão genéricos, poderão provocar bug no sistema. O que seria, por exemplo, “fraude informática”, como prevê a legislação da França? No Brasil, talvez, alguns itens não prosperem. Aqui, há quem defenda que verbete genérico é inconstitucional.

Ainda assim, já passou o tempo de se afirmar que a internet brasileira é uma terra sem lei. A tese é defendida pela advogada Juliana Abrusio, sócia do Ópice Blum Advogados Associados. “O Brasil está atrasado em relação às condutas cometidas no ambiente virtual, mas tem avançado. Já são 5 mil decisões judicais que mandam provedor identificar o dono do IP. Grande parte delas são cumpridas, mesmo não havendo lei que regulamente isso”, diz.

“Naturalmente que o número crescente de sentenças que vêm sendo emitidas pelos tribunais brasileiros em casos relacionados à internet vai criar uma jurisprudência dominante nos próximos anos que será utilizada como fonte do Direito”, esclarece Nehemias Gueiros.

Toda essa questão começou a ser debatida depois de publicado que o Senado está para votar projeto de lei, de autoria do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que obriga a identificação dos usuários da internet antes de iniciarem qualquer operação que envolvesse interatividade.

O acesso sem identificação prévia seria punido com reclusão de dois a quatro anos. Os provedores ficariam responsáveis pela veracidade dos dados cadastrais dos usuários e seriam sujeitos à mesma pena (reclusão de dois a quatro anos) se permitissem o acesso de usuários não-cadastrados. Na Alemanha, por exemplo, já existe a responsabilização da pessoa jurídica nos crimes virtuais.

“O problema não é identificar o usuário. O projeto obriga a autenticar. Isso não pode ser estendido indiscriminadamente, porque engessa o sistema. Limita a liberdade”, acredita a advogada Juliana Abrusio.

Outra alegação que emperra a criação de uma lei nesse sentido é o sigilo das comunicações. “Esse dispositivo constitucional é muito forte e não pode ser quebrado senão em função de ordem judicial ou de grave dano ou ofensa aos usos e costumes. Entendo que os juízes e tribunais examinarão sempre o caso individualmente”, defende Nehemias Gueiros.

Mais uma questão serve de obstáculo para a possível criação de uma lei que regulamente a o espaço virtual: a territorialidade. Afinal, o usuário pode ser assinante de um provedor estrangeiro que, teoricamente, está sujeito às leis de seu país de origem. “Essa é uma questão muito nova, que ainda vai confundir bastante o Poder Judiciário”, prevê o advogado. O que se sabe, até agora, é que se o dano é causado dentro do território nacional, a Justiça brasileira tem jurisdição sobre o caso.

Em tese, é o que se pode dizer. Na prática, a Justiça brasileira tem enfrentado enormes dificuldades para responsabilizar provedores estrangeiros para ilícitos cometidos por usuários a eles associados. O paradigma desta situação é o embate entre vítimas do site de relacionamento Orkut e a Google Incorporation, a corporação que administra o Orkut, com base nos Estados Unidos.

“O que esperamos é a cooperação judiciária internacional. Já existem mecanismos para isso, mas ainda precisam ser colocados em prática. A criação de regras para o uso da internet vai viabilizar para o Brasil a assinatura da Convenção de Budapeste. Este será um grande passo”, finaliza Juliana Abrusio.

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