Hora da verdade

Empresa não pode usar detector de mentira em empregados

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10 de novembro de 2006, 6h00

Uma empresa pode fiscalizar seus empregados e proteger seu patrimônio, mas não pode subverter a escala de valores e, usurpando o poder de Polícia, utilizar de práticas que infrinjam sofrimento ao trabalhador. A dignidade, o direito à boa imagem que cada indivíduo detém e resguarda, em relação à sociedade, à família e a si próprio, não podem ser violentados pela empresa.

Baseados nesse entendimento, os juízes da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) condenaram a American Airlines ao pagamento de indenização de R$ 80 mil por danos morais a uma ex-funcionária.

Segundo a ação, que tramitou na 1ª Vara do Trabalho de Guarulhos (SP), a funcionária era submetida rotineiramente a interrogatório pela empresa, que se utilizava do polígrafo (detector de mentiras) para avaliação das respostas.

Durante esses interrogatórios, eram feitas perguntas sobre o uso de drogas, furto de mercadorias da empresa, relacionamento com traficantes e até da existência de elo familiar da comissária com traficantes.

Em sua defesa, a American Airlines alegou que o intuito da empresa, ao utilizar o detector de mentiras, era o de constatar se a funcionária “contribuíra ou permitira que entorpecentes ilegais, ou outro tipo de contrabando fossem colocados em um avião, e se paralelamente, estivera envolvida em furtos ou impropriedades contra a empresa”.

A Justiça de primeira instância condenou a companhia aérea por dano moral, mas a empresa e a ex-funcionária recorreram da decisão ao TRT-SP. No tribunal, a empresa tentou justificar que o uso do detector de mentiras, em situações especiais, corresponde a instrumento “justificável e conveniente”.

No entendimento da juíza Rosa Maria Villa, relatora do recurso no TRT-SP, entretanto, esse procedimento ofende o patrimônio moral do empregado. “A primeira consideração a ser feita é que a recorrida não estava motivada pela segurança dos passageiros e empregados, eis que o exame do polígrafo tinha como único intuito preservar seu patrimônio e coibir o contrabando, inclusive de entorpecentes.”

Para ela, “sem muito esforço, pode-se imaginar a aflição, o medo, a vergonha e o constrangimento a que era submetida periodicamente a funcionária. Tanto o cinema quanto a literatura reproduzem situações em que pessoas inocentes não passam no teste do polígrafo, dando a entender que o excesso de nervosismo pode comprometer os resultados”.

A juíza Rosa Maria Villa reconheceu, ainda, que a funcionária sofria, de forma rotineira, “atentado ao patrimônio psíquico, emocional e moral, eis que por um lado, era questionada sobre a prática de crimes e sobre a inidoneidade de seus familiares e amigos; por outro lado, temia pelo resultado do teste e por sua correta interpretação”.

A inconveniência da empresa aérea “causa perplexidade, não medindo atos nem conseqüências, impelida pelo temor de que seu patrimônio pudesse ser alvo de furtos, e que pudesse ser responsabilizada pelo transporte de entorpecentes, independentemente de seu conhecimento”, observou a juíza, para concluir, em seguida, que “o dano moral, no caso, não precisava ser comprovado”.

Os juízes da 2ª Turma do TRT-SP acompanharam a posição da juíza Rosa Maria Villa e, por maioria de votos, condenaram a American Airlines a pagar uma indenização no valor de R$ 80 mil por dano moral à ex-funcionária.

Processo 00656200431102001

Veja a decisão

PROCESSO TRT S/P 00656200431102001 (20050492378)

1a VARA DO TRABALHO DE GUARULHOS

RECURSO ORDINÁRIO

1o RECORRENTE: VANESSA BENEVIDES DE ANASTÁCIO

2O RECORRENTE: AMERICAN AIRLINES INC.

Recurso Ordinário interposto pela reclamante a fls. 239/251, contra a r. sentença de fls. 226/230, que julgou Procedente em parte a reclamatória, esclarecida a fls. 234 e fls. 252, sustentando que o dano moral restou configurado.

Recurso Ordinário interposto pela reclamada a fls. 255/258, sustentando que o trabalho não era desenvolvido em condições de risco; que a base de cálculo é o salário básico.

Contra-razões da reclamante a fls. 267/271, e da reclamada a fls. 272/290

É o relatório.

V O T O

Conheço dos recursos ordinários interpostos pelos litigantes, por presentes os pressupostos processuais da admissibilidade.

RECURSO DA RECLAMANTE

DO DANO MORAL

Os fatos, sobre os quais foi alinhavado o pedido de dano moral, são incontroversos.

A empresa submetia periodicamente a reclamante a interrogatório, utilizando para avaliação das respostas, o aparelho denominado polígrafo, conhecido popularmente, como detector de mentiras.

Tampouco existem controvérsias, de que eram dirigidas à reclamante, perguntas para constatação de uso de drogas, do trabalho após a ingestão de drogas, do furto de mercadorias da empresa, do relacionamento com traficantes, do elo familiar com traficantes.

De qualquer forma, o documento de fls. 26, não impugnado, é justamente o relato do exame periódico do polígrafo, imposto à reclamante.

A leitura do documento, revela que o intuito da empresa, era o de constatar se a recorrente, contribuíra ou permitira que entorpecentes ilegais, ou outro tipo de contrabando fossem colocados em um avião, e se paralelamente, estivera envolvida em furtos ou impropriedades contra a empresa ( fls. 27, 29 in fine).

Portanto, a primeira consideração a ser feita, é que a recorrida não estava motivada pela segurança dos passageiros e empregado , eis que o exame do polígrafo tinha como único intuito, preservar seu patrimônio e coibir o contrabando, inclusive de entorpecentes.

Argumenta a recorrida, que o uso de polígrafo, em situações especiais, corresponde a instrumento justificável e conveniente.

Causa espécie, o conceito de justificável e conveniente, adotado pela empresa, eis que a revés do sustentado, não pode ser equiparada ao ente consular, e tampouco a entidade governamental.

Resta analisar, se o procedimento, ofendeu o patrimônio moral da autora.

Entendo que sim.

Sem muito esforço, pode-se imaginar a aflição, o medo, a vergonha e o constrangimento, a que era submetida periodicamente a reclamante.

Tanto o cinema, quanto a literatura, reproduzem situações em que pessoas inocentes não passam no teste do polígrafo, dando a entender que o excesso de nervosismo, pode comprometer os resultados.

A citação não é casuística e tampouco inconsistente, sendo público e notório, a influência de tais meios de comunicação, no consciente coletivo.

Portanto, de forma rotineira, a reclamante sofria atentado ao patrimônio psíquico, emocional e moral, eis que por um lado, era questionada sobre a prática de crimes e sobre a inidoneidade de seus familiares e amigos; por outro lado, temia pelo resultado do teste, e por sua correta interpretação.

A inconveniência da recorrente, causa perplexidade, não medindo atos nem conseqüências, impelida pelo temor de que seu patrimônio pudesse ser alvo de furtos, e que pudesse ser responsabilizada pelo transporte de entorpecentes, independentemente de seu conhecimento.

Dizer que o procedimento, nenhum prejuízo causou ao reclamante, ou pior, que não houve prova do dano, é o mesmo que admitir que o patrimônio moral, é exceção à regra geral, ensejando prova robusta de sua existência.

Tergiversa a reclamada, eis que todo ser humano merece respeito, sendo excepcional a existência de pessoas que não dão valor à dignidade e ao amor próprio.

O dano moral, no caso, não precisava ser comprovado. Se não bastassem as evidencias do sofrimento interior suportado pelo reclamante , bastaria atentar para o disposto no inciso IV do artigo 334 do Código de processo Civil.

Mutatis mutandi, não dependem de prova, os fatos em cujo favor milita presunção legal de existência ou veracidade.

É o caso.

O comportamento da reclamada, acarretou constrangimento e dano moral.

A dignidade, o direito a boa imagem que cada indivíduo detém e resguarda, em relação à sociedade, a família e a si próprio, foi violentado.

A reclamada agiu de forma inadequada ao tratar a questão e deve responder pelos danos causados.

Nem se argumente quanto à ausência do dano, pelo fato de os resultados não serem divulgados. A razão é evidente: agentes mantidos a serviço da empresa, evidentemente, teriam sido aprovados; quanto aos demitidos, por certo, as conclusões em sentido contrário, seriam inequívocas.

Não se trata de questionar a possibilidade de o empregador fiscalizar seus empregados e proteger seu patrimônio, mas de repelir práticas que subvertendo escala de valores, e usurpando o poder de polícia ( artigo 144,I da Carta Magna), infrinjam sofrimento a terceiros.

A máxima de que todos são inocentes até prova contrária, foi subvertida pela recorrida, que pautou sua conduta, na presunção de que todos são culpados, até prova contrária.

Prova inconteste, é que a admissão da reclamante, foi aprovada após a submissão ao exame do polígrafo.

Não há sentido, na desconfiança permanente que orienta as decisões da empresa, e na presunção de culpa que paira sobre os trabalhadores do setor de segurança patrimonial.

Não convence a tese de que o dano moral deve ser afastado, em razão de a reclamante não se ter insurgido contra a prática, no curso do pacto laboral. Justifica o comportamento, a natureza alimentar dos salários e a coação econômica que paira sobre a relação de emprego.

A Constituição Federal, coíbe a prática de tratamentos degradantes.

O disposto no inciso III do artigo 5o da Lei Maior, agasalha o inconformismo da reclamante.

A indenização é devida ( artigo 5o incisos V e X da Constituição Federal) e sua fixação, tem como parâmetros a gravidade do ato e os reflexos na comunidade e na vida dos ofendidos.

A indenização por danos morais, amortiza o sofrimento e a humilhação e , em última análise, representa defesa da honra do ofendido e reconhecimento da ilegalidade do comportamento do ofensor; por outro lado, tem inequívoca feição pedagógica.

Vale concluir que indenização de pouca monta, não atingiria os fins colimados.

Em contrapartida, não pode representar ganho superlativo e inesperado, aproximando-se mais aos ganhos de um jogo de azar, do que à satisfação de um direito violado.

Levando-se em conta, que o contrato perdurou por cinco anos, que o salário último da autora foi de R$ 1.594,00 que a reclamada é empresa que opera a nível internacional, sendo inegável seu poderio econômico, fixo em R$ 80.000,00 a indenização pretendida.

RECURSO DA RECLAMADA

DO ADICIONAL DE PERICULOSIDADE

De acordo com o laudo pericial, a reclamante trabalhava em condições de risco, na medida que desenvolvia suas atividades na pista e pátio de manobras de aeronaves, durante a operação de abastecimento.

Se for considerado que no pátio de manobras, várias aeronaves são abastecidas de forma concomitante, o risco se agiganta.

O abastecimento das aeronaves é realizado sob pressão, por meio de bombeamento através de mangueiras conectadas aos caminhões bomba, ligados nos pits de abastecimento.

O querosene de aviação, tem ponto de fulgor entre 40 e 50o C, portanto, inferior a 70o C.

Correto o enquadramento na NR 20.

Saliente-se que é o potencial de infortúnio que caracteriza o risco.

Não há interesse processual no oferecimento de recurso quanto à base de cálculo, eis que não foi definida a remuneração global, como sugere a recorrente.

PELO EXPOSTO, conheço do recurso ordinário interposto pelos litigantes, e no mérito, dou provimento parcial ao recurso da reclamante para condenar a reclamada ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 80.000,00; nego provimento ao recurso da reclamada.

ROSA MARIA VILLA

JUÍZA RELATORA

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