Autônomo e diferente

O politicamente correto leva à unificação do pensamento

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9 de novembro de 2006, 19h16

O caminho do crescimento e fortalecimento das instituições do país passa necessariamente pela descentralização do poder da União. Mas não uma descentralização “amesquinhada” como se vê hoje. “É preciso dar maior número de competências importantes aos estados”, afirma a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, do Supremo Tribunal Federal.

A ministra palestrou na conferência de abertura do IX Congresso Brasiliense de Direito Constitucional, que começou nesta quinta-feira (9/11), em Brasília, e termina no sábado.

Ao falar sobre os Novos Rumos do Estado Federal, a ministra defendeu a importância da autonomia dos estados. Mas ressaltou que junto com novas competências é preciso assegurar recursos financeiros para que os estados possam cumpri-las: “quem não tem autonomia financeira, não tem autonomia nenhuma”.

Cármen Lúcia propôs um modelo de federalismo mais descentralizado, sem o reinado do princípio da simetria — segundo o qual a formatação do poder nos estados tem de seguir o modelo federal. Um exemplo do princípio da simetria é o de que como apenas a União pode legislar sobre regras para o funcionalismo público federal, nos estados essa prerrogativa é do governo nos casos de servidores estaduais.

Para a ministra, o federalismo deve assegurar uma cidadania participativa e permitir o fortalecimento das culturas regionais, ainda mais em um país tão heterogêneo e de dimensões continentais como o Brasil. “Nunca teremos uma Federação tratada nos gabinetes de Brasília. A Federação é importante para que o povo seja o que ele é, e pare de copiar modelos enlatados.”

Os exemplos de enlatados não faltaram à palestra de Cármen Lúcia. “Tive um aluno que queria virar advogado para ganhar dinheiro e conhecer Miami. Dá para acreditar? O porqueira não conhece Mariana e quer ir para Miami”, disse, como boa mineira, citando a primeira capital de Minas Gerais.

Com um humor que chegou a arrancar gargalhadas dos cerca de 600 participantes do evento, a juíza deu outros exemplos de desvalorização da cultura regional e criticou a instituição do “politicamente correto” que, segundo ela, leva à unificação do pensamento e do estilo de vida.

Justiça descentralizada

Seguindo a palestra de Cármen Lúcia, o ministro Teori Albino Zavascki, do Superior Tribunal de Justiça, falou sobre a repartição da competência da Justiça. “Muito se discute a descentralização das competências legislativa, executiva e tributária, mas pouco se fala da repartição das competências jurisdicionais”, afirmou o ministro.

De acordo com Zavascki, quando foi criado pelo Decreto 848, em 11 de outubro de 1890, o Poder Judiciário da União (Justiça Federal) nasceu com um volume de competências exagerado. “Era um paletó que não cabia no nosso federalismo, copiado do sistema americano pela metade.”

Sob a nova Constituição de 1988, as competências foram mais divididas e o que não ficou muito claro — o ministro cita como exemplo os limites de competência entre o Ministério Público Federal e o dos Estados — vai se definindo em decisões do STF e STJ. Hoje, afirma, a tendência é a de que a Justiça Federal até mesmo amplie sua competência.

Exemplo da ampliação, segundo Zavascki, é a decisão do STF que definiu a competência da Justiça Federal para julgar parlamentar estadual que responde a ação por crime federal. O ministro ressaltou o papel do Supremo no controle de constitucionalidade e o definiu como um importante instrumento de manutenção do Estado Federativo.

O professor de Direito Constitucional Luiz Alberto Davi Araújo, que ocupou a mesa depois dos ministros, mostrou que a tendência até agora é de prestigiar a competência centralizada. Os estados tentam puxar para si algumas atribuições, mas acabam freados pela Justiça.

Um levantamento do professor mostrou que de 68 ações que discutiram competência de estados e governo federal — todas girando em torno do artigo 22 da Constituição Federal, que estabelece as competências privativas da União — 59 decisões favoreceram a União. E apenas nove foram a favor dos estados.

O professor Clèmerson Merlin Clève, que encerrou a discussão, afirmou que a Constituição Federal descentralizou o poder, mas manteve o papel de protagonista da União. “Mesmo em suas constituições, os estados têm um poder de atuação limitado. Elas não podem mexer, por exemplo, na estrutura do Legislativo ou do Judiciário.”

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