Prática proibida

Lei que proíbe queimadas em Ribeirão Preto divide TJ-SP

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9 de novembro de 2006, 6h00

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo prosseguiu com as discussões sobre a constitucionalidade da Lei Complementar 1.616, de Ribeirão Preto. A lei proibiu as indústrias de álcool de fazer novas queimadas nas plantações de cana-de-açúcar nas áreas rurais. A análise do caso começou na sessão do dia 28 de outubro, mas foi interrompida por um pedido de vista do desembargador Maurício Ferreira Leite. Na sessão dessa quarta-feira (8/11), a discussão foi retomada e, mais uma vez, suspensa por outro pedido de vista. Dessa vez, dos desembargadores Marcus Andrade e Oscarlino Moeller .

Até agora os que são favoráveis ao fim das queimadas e à constitucionalidade da lei estão vencendo por quatro a três. São eles: Gilberto Passos de Freitas, Renato Nalini, Laerte Nordi e Ivan Sartori. O relator, desembargador Walter Guilherme, Palma Bisson e Maurício Ferreira Leite, entendem que a lei municipal é inconstitucional porque município não pode legislar sobre meio ambiente.

Para o desembargador Laerte Nordi, esse é um dos casos mais importantes que está sendo julgado pelo Órgão Especial porque há uma grande repercussão dos municípios atingidos. Segundo ele, é fato notório que Ribeirão Preto é o maior produtor de cana-de-açúcar do país e que os moradores são os maiores prejudicados com as queimadas. Por isso, para ele, nada impede que o município proíba a prática de queimadas para proteger a saúde dos moradores e o meio ambiente.

Já para o desembargador Walter Guilherme a competência para legislar sobre meio ambiente é do estado e não do município. Como a legislação estadual diz que é permitida a queima controlada da cana, não caberia a lei municipal proibir a prática. “Lei dessa natureza tem de ser estadual, federal ou distrital”, diz.

A lei municipal pode complementar a lei estadual, explica o desembargador Guilherme, mas não pode contrariar a lei do estado, como seria caso. “Também sou sensível em saber que as queimadas prejudicam a população, mas não podemos afastar a aplicação do que está na legislação.”

A degradação do ambiente está caminhando em passos muito maiores do que todos imaginam, na visão do desembargador Renato Nalini, que participa da Câmara Especial do Meio Ambiente. Por isso, é preciso tomar uma atitude para preservar a vida do planeta e das futuras gerações. Segundo ele, que proferiu um verdadeiro tratado sobre o assunto no seu voto, a população de Ribeirão Preto luta contra as queimadas há mais de 30 anos. “Embora o setor de açúcar e álcool represente 6% do PIB e tenda a crescer ainda mais, o crescimento econômico não pode condenar a morte milhares de crianças e idosos. A lei municipal veio em boa hora e á compatível com a ordem constitucional vigente.”

O desembargador Gilberto Passos de Freitas, que idealizou a criação de Câmara de Direito Ambiental, acrescentou que as leis municipais são importantes porque estão mais perto do problema. “A lei é de interesse do município e não teria porque declará-la inconstitucional.” O desembargador Ivan Sartori também acompanhou o entendimento.

O desembargador Palma Bisson disse que apesar de ter nascido em Sertãozinho, cidade que também fica na região canavieira, próxima de Ribeirão Preto, continua saudável mesmo tendo inalado todas as substâncias tóxicas citadas no voto de Nalini. “Se Ribeirão Preto continuar proibindo as queimadas, isso não impede que as outras regiões próximas continuem queimando. A região toda já se transformou em um único canavial. A política tem de ser mais do que regional, tem de ser estadual. Só a legislação estadual pode implementar mudanças neste sentido.”

ADI 124.976

Leia o voto do desembargador Renato Nalini:

VOTO 12310

ADIN 124.976-0/5-00-SÃO PAULO

Requerente: SINDICATO RURAL DE RIBEIRÃO PRETO

Requeridos: Prefeito e Câmara Municipal de RIBEIRÃO PRETO

O SINDICATO RURAL DE RIBEIRÃO PRETO propõe Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o artigo 201 da Lei Complementar n. 1616, de 1º de janeiro de 2004, por malferir os artigos 19, 23, parágrafo único, n. 14, 144, 191, 192, §§ 1º e 2º e 193, caput e inciso XX, da Constituição do Estado de São Paulo.


O artigo 201 da Lei Complementar 1616/04 de RIBEIRÃO PRETO dispõe:

São proibidas as queimadas nas áreas rurais do Município, inclusive as queimadas associadas a práticas agrícolas e ao preparo para a colheita da cana-de-açúcar.

Sustenta o SINDICATO RURAL que não há dispositivo legal a proibir a queima da palha da cana-de-açúcar. Ao contrário, existe legislação federal – Lei 4.771/65 e Decreto 2.661/98 – e estadual – Leis 6.171/88, 8.421/93, 10.547/00 e 11.241/02 e Decretos 41.719/97, 42.056/97 e 47.700/03 – que permitem o emprego de fogo em práticas agropastoris e florestais, mediante Queima Programada e prevê sua redução gradativa – Código Florestal, artigo 27, parágrafo único e Decreto Federal 2.661/98, artigo 16.

No Estado de São Paulo, a Lei 11.241, de 19.9.2002, regulamentada pelo Decreto Estadual 47.700, de 11.3.2003, estabelece:

Artigo 1º – Esta lei dispõe sobre a eliminação do uso do fogo como método despalhador e facilitador do corte da cana-de-açúcar.

Artigo 2º – Os plantadores de cana-de-açúcar que utilizem como método de pré-colheita a queima da palha são obrigados a tomar as providências necessárias para reduzir a prática, observadas as seguintes tabelas:

ANO ÁREA MECANIZÁVEL ONDE NÃO PERCENTAGEM DE ELIMINAÇÃO DA QUEIMA

SE PODE EFETUAR A QUEIMA

1º ANO 20% da área cortada 20% da queima eliminada (2002)

5º ANO 30% da área cortada 30% da queima eliminada (2006)]

10º ANO 50% da área cortada 50% da queima eliminada (2011)

15º ANO 80% da área cortada 80% da queima eliminada (2016)

20º ANO 100% da área cortada Eliminação total da queima (2021)

ANO ÁREA NÃO MECANIZÁVEL, COM PERCENTAGEM DE ELIMINAÇÃO DA QUEIMA

DECLIVIDADE SUPERIOR A 12%

E/OU MENOR DE 150 HÁ ONDE

NÃO SE PODE EFETUAR A QUEIMA

10º ANO 10% da área cortada 10% da queima eliminada (2011)

15º ANO 20% da área cortada 20% da queima eliminada (2016)

20º ANO 30% da área cortada 30% da queima eliminada (2021)

25º ANO 50% da área cortada 50% da queima eliminada (2026)

30º ANO 100% da área cortada 100% da queima eliminada (2031)

Artigo 8º – Os requerimentos para a queima devem ser protocolados até o dia 2 de abril de cada ano, na unidade do Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais – DEPRN que atender a respectiva região.

§ 1º – A autorização será expedida:

1 – no prazo de 15 (quinze) dias úteis, a contar da data em que for protocolado o requerimento, salvo se houver exigência a ser cumprida, que deverá ser comunicada ao interessado por escrito, no prazo de 10 (dez) dias úteis, a contar da data do protocolo;


2 – no prazo de 15 (quinze) dias úteis, a contar da data do cumprimento da exigência a que se refere o item anterior;

3 – expirados os prazos constantes neste parágrafo, considera-se automaticamente concedida a respectiva autorização, independentemente de sua comunicação ou de qualquer outra manifestação da autoridade ao requerente.

§ 2º – O requerimento de que trata o caput deste artigo poderá ser enviado por meios de comunicação eletrônicos.

Em termos de legislação, não se discute que o interesse econômico obteve junto ao Governo a moratória de trinta anos, a evidenciar – de um lado – sua força persuasiva, sempre mediante a argumentação da prioridade à balança comercial, ameaça de desemprego e necessidade de alavancar o “progresso”. De outro, o desinteresse em fazer valer o preceito constitucional que subordina a ordem econômica à defesa do meio ambiente[1]. Não é apenas esse o princípio fundante em desapreço. O primitivismo das queimadas constitui um mau uso da propriedade, que o constituinte subordinou à sua inafastável função social[2].

Em lugar de se adequar à contemporaneidade, preferem os beneficiários dos métodos rudimentares reiterar a longeva argumentação a favor da destruição da natureza. Louvam-se até mesmo em trabalhos acadêmicos, de conclusões a um tempo singelas, de outro altamente discutíveis.

Confira-se a fls. 17 da inicial, o rol das conseqüências da interrupção do “científico” sistema da queima de palha:

“1. Por exigir a mecanização do corte, causará desemprego.

2. Diminuição dos rendimentos operacionais das colhedoras e aumento do desgaste mecânico.

3. Possível aumento de perda de matéria-prima, em casos em que a máquina não esteja bem regulada para cortar a cana rente ao solo.

4. Se manual, a colheita torna-se mais difícil e perigosa em função da palha, de insetos e animais peçonhentos que antes eram “afugentados” pelo fogo.

5. Aumento das impurezas vegetais, aumentando o custo com transporte, quando a limpeza da palha não for eficientemente realizada pela colhedora.

6. Perigo de incêndio na palha antes, durante e depois da colheita.

7. Proliferação de pragas nos resíduos deixados no solo.

8. Necessidade de variedades melhores adaptadas à nova situação, o que pode exigir alguns anos de estudos e pesquisas.

9. Os implementos para o cultivo e adubação deverão ser adaptados para que consigam trabalhar no solo com palha.

10. Exigências de terrenos mais bem preparados e planos, na busca do melhor rendimento operacional das máquinas.

11. Apenas 45% a 55% das terras do Estado de São Paulo são aptas a mecanização da colheita, “considerando a declividade de 15% e os tipos de solo do Estado”[3].


Dos onze argumentos, extrai-se que não se pretende investir em estratégia menos primitiva e a intenção de se transformar o Estado de São Paulo num imenso canavial, como se essa fora a única destinação da terra bandeirante.

Todavia, o que se discute de início, é a possibilidade de o Município disciplinar o tema ambiental. A leitura que se fez do preceito do artigo 225 da Constituição da República é acanhado e desconforme com a intenção do constituinte.

O teor do dispositivo é de ser analisado à luz da vontade fundante. Dispõe:

Artigo 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Pela primeira vez o constituinte explicita um direito intergeracional no texto fundante. O zelo em relação ao meio ambiente decorre da necessidade da preservação da vida no planeta. Não são apenas os viventes os titulares desse direito, mas – principalmente – as futuras gerações.

Por isso é que incumbe ao Poder Público o elenco de atribuições descrito nos incisos de I a VII do artigo 225 da CF, de maneira alguma restritos à União ou ao Estado. Tanto assim, que o artigo 23 da Carta é explícito ao cometer a todas as esferas da Federação brasileira proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas[4].

Ora, o Município de RIBEIRÃO PRETO colhe as nefastas conseqüências dessa prática rude, que já poderia ter sido extirpada se o avanço do agronegócio brasileiro não se ativesse prioritariamente ao interesse do lucro, mas tomasse a sério as determinações fundantes em relação ao meio ambiente.

No caso específico de RIBEIRÃO PRETO, a luta contra as queimadas perdura há quase trinta anos. A Associação Pau-Brasil fez uma consulta pública com urnas espalhadas pelos diversos bairros e apurou que 98% dos votantes eram contra as queimadas. E isso porque a população sente nos pulmões os efeitos adversos decorrentes das queimadas nos canaviais. A safra canavieira da região se inicia entre abril e maio e termina em novembro. Perpassa, portanto, o período de estiagem na região. Isso causa transtornos respiratórios, principalmente em crianças e idosos, devido à presença de particulados e suspensão na atmosfera e a baixa umidade relativa.

O químico PAULO FINOTTI salienta que, “não bastasse isso, o aquecimento da matéria orgânica causado pela queimada produz um fenômeno chamado pirólise, que resulta em quase uma centena de substâncias químicas, muitas delas cancerígenas”[5].

Embora o setor de açúcar e álcool movimente 6% do PIB e a tendência seja crescente, mercê da disseminação da tecnologia flexfuel 2 – motores de combustíveis flexíveis – o crescimento econômico não pode condenar à morte milhares de crianças e idosos. O Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP realizou uma pesquisa em que se apurou incidência maior de doenças respiratórias em regiões de queimadas em culturas canavieiras. Essa pesquisa resultou em dissertação de mestrado de FÁBIO SILVA LOPES, cujo título “A utilização de sistemas de informação geográfica no estudo da exposição humana aos produtos da queima da palha da cana-de-açúcar no Estado de São Paulo” não fornece a gravidade do conteúdo. Pois os dados de janeiro de 2000 a dezembro de 2004 evidenciaram a ocorrência de 22 mil internações ao ano por problemas respiratórios, detectados mais de 3 mil focos de queimadas ao ano em média naquele período[6].

É comprovado que ao serem aspirados pelas pessoas, os compostos emitidos pela queimada atingem os alvéolos e chegam até à corrente sanguínea. Desencadeiam processos inflamatórios e causam hipertensão. Estudos realizados pelos médicos MARCOS ARBEX, JOSÉ EDUARDO CANÇADO e FÁBIO LOPES, concluem no mesmo sentido: quando aumentam em 10% as partículas da queima do ar, sobem em 22% as internações de crianças e idosos. A poluição nessa região canavieira é muito maior do que a poluída megalópole da capital. E 80% das partículas suspensas no ar vêm da queima da palha de cana[7].


O próprio Secretário do Meio Ambiente, o cientista JOSÉ GOLDEMBERG, já observou ser “um absurdo fazer inúmeras exigências ambientais às indústrias do Estado, tentar melhorar a disposição de lixo e resíduos tóxicos, multar os caminhões que emitem fumaça e inspecionar os automóveis para que estes emitam menos poluentes e, simultânea e paradoxalmente, permitir a queima descontrolada da cana-de-açúcar que, em certas épocas do ano, inferniza a população de parte do Estado”[8].

No Brasil conduzido pela lex mercatoria, não merecem divulgação as inúmeras pesquisas realizadas por cientistas sérios e devotados, a evidenciar os males advindos da queima da palha de cana-de-açúcar. Dentre eles, a sujeira nas casas, no trabalho e em todas as áreas públicas; o aumento do consumo de água de abastecimento público para garantir a limpeza dos locais afetados com maior freqüência[9]. Aumento dos acidentes nas rodovias, devido à falta de visibilidade. Influência da fumaça no uso dos aeroportos locais e risco potencial maior de acidentes aéreos. Problemas respiratórios em crianças e idosos. Interrupção dos serviços de energia elétrica por problemas causados em linhas de transmissão próximas à área da queimada. Desperdício de energia. Eliminação de animais silvestres, pássaros e outros seres. Extinção da biodiversidade. Emissão de gases prejudiciais ao ambiente.

Em tese de doutorado defendida no Instituto de Biocências, Letras e Ciências Exatas da UNESP, em São José do Rio Preto, ROSA MARIA DO VALLE BOSSO constatou qualidades alarmantes de substância conhecida pela sigla HPA – hidrocarboneto policíclico aromático – na urina de cortadores de cana. Com evidências comprovadas de causar câncer, os HPAs constituem uma família de diversas substâncias. Entre elas o naftaleno, fluoreno, pireno e benzopireno. Esses compostos e seus derivados podem ser encontrados em todos os compartimentos ambientais[10].

Um outro trabalho acadêmico, realizado por MARY ROSA MARCHI, do Instituto de Química da UNESP de Araraquara, detectou grande volume de HPAs em amostras de poeira suspensa no ar. Para conseguir detectar as substâncias, MARY utilizou um equipamento capaz de coletar partículas inaláveis com diâmetro menor que 10 microns – equivalente à milionésima parte do metro. Com a instalação do aparelho a 7 metros da altura do solo, num terreno situado a 5 quilômetros dos canaviais e a 10 quilômetros do centro da cidade, o estudo constatou um volume de HPAs quatro vezes superior durante o período das safras, comparado às entresafras.

Empresários mais conscientes não desconhecem tais maléficos efeitos, tanto que se antecipam às exigências legais e conseguem reduzir o uso do fogo – o método mais primitivo, poluente e perigoso ainda em uso. É que a queima emite grande volume de gás carbônico – CO2 – gases de nitrogênio e enxofre, responsáveis pelas chuvas ácidas. O efeito estufa, já sentido no Brasil, é agravado em virtude das queimadas. Elas ainda provocam significativas perdas de nutrientes para as plantas e facilitam a erosão e o aparecimento de ervas daninhas. Somente após a pressão popular e das ONGs contra as queimadas foi que alguns empresários se sentiram estimulados a obter tecnologias para a colheita de cana mecanizada, o que até barateou os custos de produção.

De acordo com o Centro Nacional de Agrobiologia da Embrapa, a palha depositada anualmente no solo, no sistema de colheita de cana crua, varia de 10 a 15 toneladas por hectare. A queima deste material representa a perda de vários nutrientes, principalmente de nitrogênio – 30 a 60 kg por hectare – e enxofre – 15 a 25 kg por hectare. Considerados os 3,5 milhões de hectares de cana queimados e uma produção média de 60 toneladas por hectare, são perdidos todo ano 150 mil toneladas de nitrogênio e lançados na atmosfera cerca de 64,8 milhões de toneladas de gás carbônico no mesmo período[11].


Em lugar da queima, a manutenção da palha e de subprodutos da indústria sucroalcooleira, seria possível um dosamento mais racional de adubos. Com isso, preservar-se-ia o equilíbrio ambiental. A palha protege o solo do impacto da chuva, reduz as perdas do terreno por erosão e a temperatura da superfície do solo, pois conserva sua umidade. Além disso, a palha serve como reserva de nutrientes, que são liberados lentamente em sua decomposição.

Toda a argumentação de feição catastrófica e terrorista dos que insistem no primitivismo das queimadas desfalece ao se constatar o resultado de estudos conduzidos por nove anos na Embrapa Agrobiologia. Constataram eles na Usina Cruangi, em Timbaúba, no Pernambuco, produtividade 24% maior em parcelas não queimadas. A diferença entre os tratamentos aumentou com a passagem do tempo e foi 55% na última soca. Na Usina Cruangi, a prática da colheita da cana após queima da palha foi abandonada há mais de vinte anos. Com isso, tornou-se usual manter o canavial por sete socas – 8 anos – em contraste com as usinas vizinhas que, por adotarem a queima, renovam o canavial após quatro socas. Devido ao alto custo da colheita manual da cana crua, o lucro obtido com ambas as práticas de colheita – cana crua ou queimada – é aproximadamente o mesmo, considerando-se o aumento na produtividade proporcionado pela manutenção da palha[12].

O Município de RIBEIRÃO PRETO, com longa e sofrida história de mortes, orfandades, internações e demais malefícios derivados da queima de palha de cana-de-açúcar, em boa hora e com discernimento proibiu, em seus lindes, o primitivismo da queimada.

Inconstitucionais são as leis permissivas desse método, cotejados com a ênfase conferida pelo constituinte à tutela do meio ambiente, não a lei local.

O artigo 201 da Lei Complementar n. 1616 de 19.1.2004, do Município de RIBEIRÃO PRETO, é compatível com a ordem constitucional vigente e foi editada em atenção ao peculiaríssimo interesse da comunidade local.

Por esses fundamentos, julgo IMPROCEDENTE a presente ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo SINDICATO RURAL DE RIBEIRÃO PRETO e casso a liminar concedida.


[1] Artigo 170, inciso VI, da Constituição da República.

[2] Artigo 186, artigo 170, inciso III e artigo 5º, inciso XXIII, todos da Constituição da República.

[3] Tese de Mestrado do Engenheiro Agrônomo DANIEL BERTOLI GONÇALVES, defendida em 2001 perante o Instituto de Economia da UNICAMP, que deu origem ao livro “A Regulamentação das Queimadas e As Mudanças nos Canaviais Paulistas”, editora Rima, São Carlos, SP, 2002, p.25.

[4] Inciso VI do artigo 23 da Constituição da República.

[5] Em “Mais uma vez as queimadas”, Jornal Tribuna de Ribeirão Preto, www.tribunaribeirao.com.br, acesso em 19.9.2006.

[6] Disponível em www.usp.br, acesso em 19.9.2006.

[7] MARCOS ARBEX é um dos autores de estudo desenvolvido no Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da USP, FÁBIO LOPES é pesquisador da Faculdade de Saúde Pública da USP e JOSÉ EDUARDO CANÇADO é pesquisador do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da USP. O estudo foi apresentado no National Institute of Environmental Health Science e publicado no periódico científico Environmental Health Perspectives. Dispnível em www.mackenzie.br/dhtm/assssoria, consulta em 19.9.2006.

[8] Folha de São Paulo de 22.5.2002.

[9] Não é demais lembrar que toda a comunidade de RIBEIRÃO PRETO se utiliza da reserva do chamado “Aqüífero Guarany”, cuja utilização é objeto de preocupação dos quatro países que o hospedam – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. O “Jornal Nacional” da TV Globo de 7.10.2006 noticiou que cientistas verificaram o rápido esgotamento desse manancial. Há algumas décadas, a água surgia a 30 metros de profundidade. Hoje, são necessários quase 100 metros de perfuração para atingi-la. E há sinais desalentadores de contaminação do aqüífero, o que é trágico para o futuro brasileiro.

[10] Disponível sob o título “A polêmica do carvãozinho. Queimar a palha de cana-de-açúcar é um sistema de cultivo poluente e prejudicial à saúde, aponta pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP, SYLVIA MIGUEL, www.usp.br/jorusp/aquivo/2005/jusp738/pag1011.htm, consulta em 19.9.2006.

[11] Disponível em www.cnpag.embrapa.br, consulta em 19.9.2006.

[12] CLÁUDIO MARQUES, in www.radiobras.gov.br, consulta em 19.9.2006.

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