Palavra da advocacia

Lista da OAB não faz caça as bruxas nem perseguição

Autor

8 de novembro de 2006, 15h15

O feriado de finados foi sacudido pela repercussão no mundo jurídico da “lista negra” das autoridades que violaram direitos e prerrogativas da advocacia. Desde já que se esclareça ter sido o título da matéria de autoria do jornalista e não da OAB-SP.

A matéria recebeu mais de 50 comentários (muitos deles com seus autores se escondendo sob apelidos) e notas oficiais (em tom raivoso e ofensivo de caráter pessoal) de entidades de classe que tiveram alguns de seus membros incluídos no rol daqueles que não respeitam os direitos e prerrogativas da advocacia.

Os textos dos comentários e das notas oficiais revelaram uma situação conhecida e lamentada por todos, e principalmente, pelos advogados membros da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB, que é a falta de conhecimento do teor da Lei Federal 8.906/94 – Estatuto da Advocacia -, em plena vigência, por um número expressivo de autoridades e pelos próprios advogados.

Esse desconhecimento da Lei 8.906/94 fez surgir comentários de variados matizes, levando-me à conclusão da necessidade imperiosa de esclarecer não só a questão do rol atacado, mas, os fatos e condições a ele antecedentes.

Chegou-se a indagar se a advocacia teria dono e se os “quadros da Ordem” eram de propriedade de alguém.

É óbvio que a Ordem dos Advogados tem dono! São, aliás, milhares de “donos”, aproximadamente, duzentos e cinqüenta mil advogadas e advogados inscritos na Seccional Paulista, tornando-a o maior colégio de advogados do Brasil. São esses “proprietários” que esperam uma atuação firme e determinada da Instituição na defesa de sua soberania, altivez e dignidade.

Pois bem. A Comissão de Direitos e Prerrogativas é uma das sete Comissões permanentes da OAB, com o objetivo estabelecido pela Lei Federal 8.906/94, Regimento Interno e Regulamento Geral, de promover a defesa dos direitos e prerrogativas da advocacia, esculpidos nos artigos 6 º e 7 º, daquela.

Assim, quando um advogado tem sua dignidade profissional aviltada, pela infringência dos artigos 6º e 7º, representa por escrito à Comissão, que imediatamente, por meio de seus coordenadores, se manifesta sobre a sua procedência ou não, é o juízo de admissibilidade.

Constatada inicialmente a ofensa aos direitos e ou às prerrogativas, a representação é admitida, sendo instaurado processo e instada a autoridade representada, por ofício entregue em mãos ou correio (carta com AR), para querendo, no prazo legal de quinze dias se manifestar e apresentar rol de testemunhas.

Em seguida, depois de decorrido o prazo para resposta da autoridade, em sendo necessária realização de audiência, é aquela, novamente comunicada por ofício, da designação do ato, para querendo comparecer e ou se fazer representar por advogado constituído.

Não comparecendo a autoridade representada nem seu defensor (também notificado) lhe é nomeado defensor ad hoc, garantindo-se-lhe o direito ao contraditório, à ampla defesa e o devido processo legal (regras constitucionais).

Encerrada a instrução os autos são distribuídos para uma das três Turmas Julgadoras do Conselho de Prerrogativas, cada uma composta por vinte conselheiros, com a finalidade legal de receber, discutir e julgar a representação.

Sorteado o Conselheiro Relator, é designada a sessão de julgamento (as Turmas se reúnem em sessões públicas, todas as primeiras três quintas-feiras de cada mês, às 14h, no 2º andar da sede da OAB, na Sala do Conselho), e notificadas as partes, por ofício e por publicação no Diário Oficial, para comparecerem ao ato.

Na sessão de julgamento, as partes podem sustentar oralmente, depois do relatório e voto do Conselheiro Relator, sendo que a autoridade só pode exercer esse direito por intermédio de advogado constituído, pois, como é sabido, somente, o advogado possui capacidade postulatória.

Após as sustentações orais, a matéria é discutida entre os Conselheiros e por fim, julgada com voto nominal e aberto, sendo o resultado proclamado, publicado no Diário Oficial e notificado por ofício às partes.

Abre-se então, na seqüência, prazo de quinze dias para interposição de recurso de apelação para o Conselho Seccional (composto por turma única de noventa conselheiros), podendo chegar até o Conselho Federal.

Transitada em julgada a decisão do Conselho de Prerrogativas, é ela enviada à corregedoria da instituição a que pertence a autoridade infratora. Quando possível, confecção de representação criminal. Realização da sessão solene de desagravo público e inclusão do nome da autoridade no rol das autoridades que ofenderam direitos e prerrogativas da advocacia.

Em casos de notória, expressa e pública agressão à dignidade profissional do advogado, a Lei Federal 8.906/94, confere à OAB o poder de deferir liminarmente o desagravo público.


Essa longa explicação é necessária, para não haver dúvidas quanto ao amparo legal das atividades da OAB e de sua Comissão de Direitos e Prerrogativas.

Portanto, não é qualquer representação detentora de força subjetiva a ensejar a deflagração de um processo, como disseram alguns creio, desinformados, mas sim, aquelas com conteúdo fático e legal suficiente para tanto.

Muitas representações são arquivadas no nascedouro ou indeferidas mais adiante pelo Conselho de Prerrogativas.

Não é possível se aceitar pacificamente o descumprimento da Lei 8.906/94, quando uma autoridade, simplesmente, se nega a despachar com advogados, pela razão de não querer e pronto. Qual advogado já não foi impedido de despachar, tanto em 1ª como em 2ª Instâncias, porque o magistrado “não fala ou não recebe advogado?” Há inúmeros casos desses na Comissão.

Também não é possível se admitir durante debate no plenário do júri entre advogado e Promotor de Justiça, este dar voz de prisão em flagrante àquele, por desacato, em razão da discussão travada, é o famoso “teje preso”.

Ainda não é possível se admitir uma autoridade policial ponha o advogado para fora da “sua” delegacia, de arma em punho, porque o advogado insiste em falar pessoal e reservadamente com seu cliente antes de ser interrogado em auto de prisão em flagrante, exigindo para essa entrevista, agendamento prévio por escrito.

Esses são três exemplos (pode-se até classificar de exemplos menos graves, porque existem outros piores) de situações comuns enfrentadas pelos profissionais da advocacia, dentre outras tantas tão absurdas quantos essas.

Quem advoga sabe muito, mas muito bem do que estou falando!

A atual gestão se notabilizou pela defesa intransigente da advocacia, em todo o estado de São Paulo. Agindo com ponderação, porém, com firmeza, sem buscar o confronto com qualquer outra instituição, mas não transigindo naquilo que não pode e não deve transigir.

Pela primeira vez na história da OAB-SP, se realizou uma Sessão Solene de Desagravo, fora dos limites do auditório da Casa do Advogado. Foi na pequena Sub Secção de Agudos (àquela época com 85 inscritos), com o desagravo feito na porta do fórum, em praça pública, contra o magistrado de vara única, por ofensa à dignidade profissional de um jovem advogado com apenas um ano e poucos meses de inscrição.

Inúmeros Habeas Corpus foram impetrados em favor de advogados atingidos por ações criminais porque desagradaram autoridades com palavras escritas em candentes e corajosas defesas em prol de seus clientes.

Cito um caso curioso envolvendo um advogado de Santos, que ao tomar ciente da designação de um ato judicial, fez constar sua indignação quanto a condução dos trabalhos, indagando com uma pequena e breve frase, sobre a razão de não se intimar a parte contrária. Foi o bastante para ser deflagrada uma ação penal por pasmem, destruição de autos. A ordem foi concedida liminarmente e depois por unanimidade concedida em definitivo para trancar a malsinada ação, pelo saudoso Tacrim.

Tem mais, aliás, tem muito mais. Um colega do interior ao argüir a suspeição do magistrado (por ele aceita), o fez, narrando os fatos a fundamentá-la, sendo então surpreendido por uma queixa-crime por suposto crime contra a honra. Outro Habeas Corpus, outro trancamento de ação penal.

Há autoridades com mais de cinco representações formuladas por diferentes profissionais e em diferentes datas, dando conta de repetidas violações ao Estatuto da Advocacia, ignorando por completo seu dever de respeito, pelo menos, ao cidadão profissional do direito.

Um caso grave. A autoridade representada ao receber o funcionário da OAB com notificação da instauração contra si, de processo na Comissão de Prerrogativas rasgou-a e atirou-a no lixo. O humilde funcionário, diante daquela autoridade, disse precisar da contra-fé para juntar aos autos. Simplesmente, a autoridade respondeu-lhe, apontando para o cesto de lixo: “pode pegar ai dentro!!”

O longo e judicioso trabalho do Conselheiro Federal Alberto Z. Toron, pôs fim ao martírio enfrentado pelos profissionais da defesa, de acesso a autos de inquérito policial sob segredo de justiça. Lá e somente lá, na Suprema Corte, se fez valer o texto da lei: não há sigilo para o advogado!

A atual gestão da Ordem tem tramitando no Congresso Nacional, um projeto de lei criminalizando as ofensas aos direitos e prerrogativas da advocacia, tamanho os problemas enfrentados.

Nos episódios de invasão dos escritórios de advocacia, não para investigar o próprio causídico, mas para obter documentos de clientes, a OAB teve singular atuação, acompanhando as diligências de busca e apreensão determinadas por ordens judiciais deficientes e até ilegais, promovendo a defesa dos interesses da classe.


No interior do estado foram inauguradas e implantadas cinco Regionais de Direito e Prerrogativas, com as mesmas atribuições da Comissão Seccional, nas cidades de Ribeirão Preto, Araçatuba, Campinas, Piracicaba e Taubaté.

Pela primeira vez na história da Ordem, será realizada uma sessão de julgamento do Conselho de Prerrogativas, fora da Capital, devendo ocorrer no próximo dia 23 de novembro em Araçatuba.

Criou-se e difundiu-se o slogan: Prerrogativas: Respeito é Bom e eu Gosto!, como símbolo do respeito esperado pela advocacia e por ela sempre demonstrado às demais instituições.

Ainda de maneira inédita, foram realizadas Audiências Públicas de Direitos e Prerrogativas, pelas cidades do interior, buscando se verificar os problemas encontrados no exercício da profissão e suas soluções.

Como se vê a defesa intransigente da advocacia não se faz apenas com rol de autoridades violadoras das regras, mas com trabalho de aproximação, de informação, com as instituições e autoridades, buscando sempre a convivência harmoniosa entre os membros da família forense e muito empenho e dedicação.

Lembro com saudades quando o 1 º Tribunal do Júri era sediado no atual Museu da Justiça. A sala da promotoria era aberta e seus dois Promotores Públicos (era essa terminologia empregada à época), Drs. Mariano de Siqueira Filho e Vitor Afonso Lopes, mais do que atender conversavam amistosamente com os advogados. Muita justiça se fez nas conversas que antecederam os julgamentos. Também muitas amizades se eternizaram.

Por incontáveis oportunidades foram visitadas as corregedorias das diversas instituições, visando a sanar problemas sem a necessidade de processos formais e os atendimentos além de corteses, céleres, trouxeram resultados práticos.

Por certo algumas poucas autoridades causam transtornos ao livre exercício da advocacia, e não podem ficar sem resposta.

Por outro lado, na outra ponta, o severo Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, vem atuando energicamente e com celeridade, contra os maus profissionais que se desgarraram dos caminhos da advocacia dela se utilizando para a prática, até de crimes. Com esses também não há condescendência. O TED existe para também defender a advocacia e os bons profissionais.

Não há e nunca haverá unanimidade em assunto tão polêmico, até mesmo em razão do natural conflito de interesses, porém, é preciso deixar consignado, não ser a Comissão de Prerrogativas um centro de caça às bruxas, nem tampouco de perseguições contra quem quer que seja.

A listagem não tem outra lídima finalidade a não ser de divulgar o nome daquelas autoridades que insistem em não respeitar tão digna e insubstituível profissão: a advocacia.

É a Comissão um grande escritório de advocacia especializado na defesa do Estatuto, da dignidade da profissão e de seu livre exercício, hoje, composta por quase trezentos e cinqüenta profissionais, que em regime de voluntariado se desdobra para estar onde e quando for necessário para preservar o Estado democrático de Direito tão bem representado pela advocacia na defesa da cidadania.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!