Eficiência em pauta

Considerações sobre a eficiência na administração da Justiça

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

8 de novembro de 2006, 6h00

A busca de uma Justiça imparcial e eficiente sempre foi um anseio do ser humano. Todavia, suas características mostram-se completamente diferentes nas distintas épocas. Para nos situarmos no tempo e no espaço, vale lembrar que o conceito que da Justiça se tinha em 1609 era bastante diferente do que dela temos agora.

A Justiça devia ser onipotente e exemplar. Até pouco tempo atrás era prerrogativa exercitada pelos réus ou pelos senhores feudais. Delegada, depois, a corpos de funcionários especialmente treinados, conservava, deliberadamente, um aspecto sobre-humano e quase inatingível, expresso nas roupas especiais e solenes dos magistrados, na ausência de cores, na proibição de visitar, casar, tomar afilhados e, até, de divulgar as razões de suas decisões, que não precisavam ser explicadas a ninguém 1 Assim, onipotente que era, não se preocupava a Justiça colonial em procurar meios que a tornassem eficiente e célere.

As dificuldades destes tempos foram bem retratadas nos sermões do Padre Antonio Vieira. Nas palavras de Arno e Maria José Wehling, o principal obstáculo para a ineficiência portuguesa e colonial era, na denúncia de Vieira, o espírito cartorial, com seus tortuosos meandros, e a massa de documentos que exigia: petições, provisões, patentes, certidões, justificações, folhas corridas.2 Aí está a origem do nosso Poder Judiciário. Nesta forte tradição se encontra a explicação para práticas até hoje adotadas, ainda que em franca decadência, de um excessivo formalismo, que pode ser identificado tanto nos atos judiciais (por exemplo, exigência de atualizar-se procuração antiga) ou nos atos administrativos (por exemplo, outorga de medalhas aos próprios integrantes de um tribunal).

Na verdade, no Brasil antigo não existia uma política institucional de administração judiciária. Os juízes daquela época tinham atribuições diferentes dos atuais, inclusive de ordem administrativa. A separação dos Poderes só se tornou uma realidade no Brasil muitos anos depois da Revolução Francesa, de 1789. Só assim é possível compreender o narrado pelo historiador catarinense Carlos da Costa Pereira, sobre a correição realizada por Manoel dos Santos Lobato, em 1736, na comarca de São Francisco, ocasião em que, entre outras providências, ordenou o corregedor a compra de um sino para a Casa do Conselho e que se fizesse um tanque para lavar roupa3

Como é evidente, àquela época não se tinha noção ou mesmo uma preocupação exata com a agilização e eficiência da Justiça. Assim, os dispositivos que acabavam por dispor sobre a matéria achavam-se dispersos na legislação vigente. Por exemplo, o artigo 45 do Código de Processo Penal de primeira instância, de 29 de novembro de 1832, no artigo 45, proibia a remoção dos juízes de Direito, exceto se a utilidade pública assim o exigir. Já o artigo 47 do mesmo Código determinava que, nos locais de reunião do Tribunal do Júri, a Câmara Municipal deveria preparar para os juízes de Direito casa, cama, escrivaninha, louça e mobília.

Com a República buscou-se alterar o rumo do Judiciário do Império, mirando-se no modelo norte-americano de uma Suprema Corte com poderes amplos, inclusive o de declarar inconstitucionais os atos legislativos. O artigo 386 do Decreto 848, de 11 de outubro de 1890, que organizou a Justiça Federal (na qual o STF se incluía), dispôs expressamente que os estatutos dos povos cultos, em especial dos Estados Unidos da América do Norte, seriam subsidiários da jurisprudência e do processo federal. Todavia, os juízes do antigo Superior Tribunal de Justiça foram aproveitados no Supremo Tribunal Federal e poucas foram as mudanças na administração da Justiça. Os antigos Tribunais da Relação transformaram-se em Tribunais Estaduais, sob nomes variados (Tribunal Superior de Justiça, Tribunal de Apelações, Tribunal de Justiça e outros), mantidos os Desembargadores e pouco se alterando na rotina até então existente.

Assim se passaram os anos, com modificações do Poder Judiciário, como a criação da Justiça Eleitoral e a do Trabalho, mas sem que a administração dos tribunais sofresse alteração mais significativa. Isto até as vésperas da Constituição de 1988, quando os ventos da democracia permitiam antever a vinda de grandes mudanças. Iniciaram-se movimentos isolados de desburocratização e agilização dos processos, via de regra por iniciativas de desembargadores corregedores ou de juízes de Direito. E assim foi até a proposta de reforma do Poder Judiciário, quando a pressão popular impôs a realização de mudanças.

O Judiciário na atualidade

O Poder Judiciário, em todo o mundo, ainda que em intensidade e sob formas diversas, passa por uma situação complexa e contraditória. Por um lado, é criticado em razão da morosidade. Por outro, é procurado mais do que nunca para resolver as mais complexas controvérsias. Em uma sociedade que vem transformando costumes centenários, a última palavra é sempre do juiz, haja ou não lei a regular a matéria em discussão. Para confirmar o que aqui se afirma, verifique-se o noticiado por conceituado site jurídico 4 em datas recentes:


– 21/10/06: Estado deve garantir educação especializada a deficientes;

– 23/10/06: Mãe que entrega filha para adoção não pode visitá-la;

– 27/10/06: Homossexual reclama herança de ex-parceira morta;

– 28/10/06: TJ-SP julga se queimadas podem continuar proibidas em Ribeirão;

– 30/10/06: Igreja Universal é multada por poluição sonora;

– 3/11/06: Juiz manda município arcar com troca de prótese de aposentada;

– 3/11/06: SUS deve fornecer remédio mesmo em tratamento experimental;

– 3/11/06: Unimed se livra de pagar transplante de pulmão.

Neste panorama, como bem observa Roberto Omar Berizonce 5, os juízes, atores visíveis de tamanha transformação, longe de serem ditadores e sem a pretensão de serem “anjos da guarda” da sociedade, tornaram-se o terceiro ramo político do governo, especialmente porque exercem o controle dos outros poderes contribuindo decisivamente para o aperfeiçoamento das instituições democráticas, modelando o comportamento coletivo através da razão e da persuasão, com vivo espírito de justiça.

Esta mudança de papel do Poder Judiciário está fazendo com que ele seja cada vez mais cobrado em termos de ética e eficiência, sendo comum as reivindicações de mudança de suas antigas estruturas. O fato é bem descrito por Eugenio Raúl Zaffaroni,6 ao comentar a situação na América Latina: em quase todo o continente destaca-se a necessidade de se reformarem as estruturas judiciárias, particularmente no que diz respeito à sua direção ou governo, à seleção dos juízes e à sua distribuição orgânica. Inobstante, não subsiste clareza quanto ao sentido dessas reformas”.

Evidentemente, os problemas e as soluções para que o Poder Judiciário tenha o respeito da sociedade a que serve são diferentes. Na América Latina todos os países têm muitas coisas em comum, resultado da colonização hispano-portuguesa. Mas não há como comparar situações de um Estado unitário e de população reduzida, como o Uruguai, com um Estado Federal de grande extensão territorial e população expressiva, como o Brasil.

Em síntese, como adverte a professora Cláudia Maria Barbosa, em reflexões sobre o tema, cada etapa exigiu uma atuação diferente do Poder Judiciário, e nesse momento verifica-se a inadequação entre o que a sociedade dele exige e aquilo que lhe é oferecido7.

Atualmente, há uma preocupação internacional com a eficiência da Justiça e da sua atuação como instrumento de defesa da democracia. A adaptação do Poder Judiciário ao novo modelo não é fácil, porém é absolutamente indispensável.

O tema administração da Justiça

Na lição da professora costaricense Sonia Picado Sotela, a administração da Justiça é o sistema sobre o qual se fundamentam os mecanismos judiciais de solução de controvérsias entre particulares, entre estes e o estado, todo ele dentro de um contexto que supõe um estado democrático de direito com as garantias do devido processo legal e a todos os direitos humanos vigentes no país8

No Brasil, o tema ainda não despertou o interesse que lhe é devido, muito embora nos últimos anos tenha, inegavelmente, apresentado um crescimento real. Mesmo assim, a administração da Justiça:

a) não faz parte do currículo das faculdades de direito;

b) não figura nas escolas da magistratura;

c) são poucos os estudos, exceto sobre a figura do juiz e a história do direito;

d) cada tribunal tem o seu modelo de administração, via de regra sem transmiti-lo aos demais;

e) administração de cada tribunal muda a cada dois anos, sem planejamento estratégico, ou seja, projetos acabam sendo substituídos por outros, com prejuízo aos serviços. Uma coisa, todavia, é certa. A política judiciária e a administração da Justiça não são mais problemas exclusivos dos juízes, mas sim de toda a sociedade.

Nos Estados Unidos da América, há dezenas de anos existem órgãos públicos e privados que se dedicam, com exclusividade, ao aperfeiçoamento do Poder Judiciário. No âmbito federal, existe em Washington o Federal Judicial Center; que promove permanentes cursos de atualização para os magistrados, além de realizar estudos constantes de técnicas de administração judiciária. Na esfera estadual, em Williamsburg, Estado de Virgínia, encontra-se o National Center for State Courts, que é uma entidade privada financiada pelos Tribunais dos 50 estados norte-americanos.

Seu objetivo, da mesma forma, é o aperfeiçoamento da Justiça, inclusive com um laboratório experimental da Justiça do futuro. No Estado de Nevada funciona o Judicial National College, também destinado à magistratura dos estados. Localizado em uma área de grandes proporções, recebe juízes para cursos que vão desde atualização em determinadas áreas até o mestrado. Suas acomodações permitem que os magistrados se façam acompanhar das famílias, conciliando, assim, a dedicação aos estudos ao lazer familiar.


Na América Latina, oCentro de Estudos de Justiça das Américas (Ceja), criado por Resolução da Organização dos Estados Americanos, em 1989, com sede em Santiago, Chile, vem sendo o órgão mais importante na realização de estudos, cursos, inclusive tendo publicação de alta qualidade no setor, ou seja, a revista Sistemas Judiciales, com notícias e artigos sobre a matéria. Na Argentina, a organização não-governamental Foro de Estúdios sobre La Administración de Justicia (Fores), promove, há mais de 30 anos, congressos, concursos, publicações 9 e outras atividades, com grande sucesso.

No Brasil, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal promoveu, de forma pioneira, cinco congressos sobre administração da Justiça (2000 a 2005). A Fundação Getúlio Vargas, em convênio com alguns tribunais, realiza mestrados profissionalizantes destinados a magistrados. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em convênio com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a Pontifícia Universidade Católica do Paraná, realizou curso de especialização, para servidores da Justiça Federal da região sul do Brasil, com excelentes resultados, demonstrados pela alto nível das monografias.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul realiza, anualmente, simpósios de administração da Justiça para os juízes diretores de foros. A Associação dos Magistrados Brasileiros e a Secretaria da Reforma do Judiciário promovem, anualmente, o concurso Innovare, destinado às melhores iniciativas do Poder Judiciário nacional. No âmbito da sociedade civil organizada, criou-se recentemente o Instituto Brasileiro de Administração do Poder Judiciário (Ibrajus), com sede em Curitiba.

A efetividade na visão tradicional

A efetividade da Justiça, na visão tradicional, resume-se e é sistematicamente repetida como um problema de:

a) reforma do Poder Judiciário;

b) simplificação das leis processuais;

c) aumento dos tribunais ou de varas. Contudo, estas medidas comprovadamente não solucionam a questão. São importantes, sem dúvida. Mas não resolvem o maior problema da Justiça, que é a sua lentidão.

A reforma do Poder Judiciário, depois de tramitar cerca de 12 anos no Congresso, foi aprovada pela Emenda 45/04. Passados quase dois anos de sua vigência, não se vislumbram grandes transformações. Uma apenas alterou significativamente a face do Judiciário brasileiro. Refiro-me ao Conselho Nacional de Justiça, órgão de composição mista e que vem interferindo de maneira direta na administração da Justiça. Suas resoluções vêm enfrentando os mais complexos temas, como o nepotismo, com isto alterando práticas seculares. No resto, não se vêem resultados. Por exemplo, até agora não se regulamentou o funcionamento da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, que funcionará junto ao Superior Tribunal de Justiça, prevista no art. 105, parágrafo único, inciso I da Carta Magna.

Quando às leis processuais, em que pese o reconhecido esforço do legislador, promovendo alterações tópicas, muitas delas de excelente efeito simplificador (exemplo o artigo. 475, § 3º do C.P.C., que dispensa o reexame de sentença contra os entes públicos, quando fundada em decisão do plenário do STF ou súmula de Tribunal Superior), a verdade é que, nem por isso, o prazo de duração das ações diminuiu. Os julgamentos continuam sendo demorados, dependendo, ainda, mais da boa estrutura de cartórios ou secretarias de vara do que propriamente de leis.

Finalmente, criação de turmas (ou câmaras) nos tribunais e mais varas, à toda evidência, constituem medida tradicional e pouco efetiva. É inquestionável que o problema é mais de sistema do que propriamente de pessoal. Por exemplo, por mais que se criem varas de execuções fiscais, elas estão sempre sobrecarregadas de processos, por vezes com 50 mil ou mais cobranças, sem nunca alcançar maior efetividade.

Seus servidores passam os dias atendendo a dezenas de pedidos de certidões, vista dos autos e outras providências burocráticas decorrentes do enorme número de feitos. Outro exemplo: os tribunais crescem e se dividem em câmaras (ou turmas), sempre às voltas com um número de recursos cada vez maior. Apesar do enorme esforço na busca de julgamentos rápidos, cada vez fica mais difícil atender ao volume sempre crescente. Além disto, os recursos aos tribunais superiores são uma constante e o simples exame de sua admissibilidade, por vezes, leva anos. É evidente que o problema é do sistema e que soluções paliativas (por exemplo criar mais cargos ou convocar juízes) são necessárias, mas jamais resolverão.

Ivo Barcelos da Silva, com a experiência de quem por anos foi servidor do Judiciário e diretor-geral do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em duas gestões, bem sintetizou a questão ao afirmar que é utópico imaginar ou, até mesmo, esperar providências legislativas que corrijam paripassu a desproporção verificada entre a demanda de trabalho emergente e a estrutura de pessoal encarregada de enfrentá-la 10.


A efetividade judiciária na visão moderna

I – Uma nova visão do Judiciário não despreza as medidas tradicionais referidas no item anterior, pois reconhece nelas uma contribuição essencial para o aprimoramento deste Poder. Todavia, a elas não se limita. Enxerga, além da visão tradicional (exemplo, mais varas, mais funcionários), a existência de métodos que possibilitem melhor rendimento dos trabalhos. Busca nos modernos conceitos de administração, nos estudos específicos, nas iniciativas de outros países e na experiência das empresas, subsídios para alterar, para melhor, o rumo das coisas. Vejamos 10 medidas que podem ser tomadas em tal sentido:

II – Os tribunais no Brasil gozam de autonomia administrativa (CF, art. 99). Isto significa que não dependem dos Tribunais Superiores ou do Conselho Nacional de Justiça para promover mudanças. Consequentemente, a cúpula da administração (presidente, vice-presidente e corregedor) são as pessoas que mais podem fazer para aperfeiçoar os serviços judiciários. Aí estará a definição do sucesso ou insucesso da administração judiciária. Com certeza, haverá retrocesso em uma administração que seja:

a) conservadora, ao estilo anos 60;

b) centralizadora;

c) excessivamente hierárquica. James Hunter 11, em obra que é best seller internacional, destinada ao mundo corporativo, mas perfeitamente adequada ao serviço público, ensina que a liderança moderna só se materializa quando é para servir, conquistar e não para impor.

III – A relevância inegável das cúpulas não retira a responsabilidade dos administradores de escalões inferiores. Assim, diretores de escolas da Magistratura, coordenadores de Juizados Especiais, magistrados que pertencem aos conselhos de administração ou órgãos especiais, presidentes de associações, diretores de foros, juízes administradores das varas podem fazer muito pelo aprimoramento da Justiça. Da mesma forma, diretores ou secretários-gerais, diretores de secretaria (ou escrivãs) e presidentes de sindicatos. Todos estes atores podem participar de forma decisiva, desde a tomada de importantes decisões (por exemplo, realizar um concurso para magistrados com o cumprimento rigoroso dos prazos) até as medidas de rotina diária (exemplo o bom atendimento no balcão dos cartórios ou secretarias).

IV – A excelência dos serviços passa pela auto-estima de magistrados.As pessoas gostam de ter orgulho do local onde trabalham e isto influi diretamente no rendimento dos serviços. Um Tribunal com acusações graves de corrupção ou ineficiência, certamente terá menos candidatos inscritos em seus concursos para Juiz Substituto do que outro com conceito elevado na comunidade.

É óbvio que outros fatores, como vencimentos ou população local, terão grande influência também. Mas o que se está a afirmar é que é muito relevante as pessoas orgulharem-se de suas instituições. E isto não acontece por acaso. Depende de uma política institucional segura, bem conduzida, e que não se limite à administração X ou Y, mas que se prolongue no tempo.

V – Se a competência e o exemplo da cúpula são essenciais, inegavelmente a motivação e o acompanhamento dos magistrados é indispensável. O ser humano tende a acomodar-se e a estabelecer rotinas. A carreira na magistratura, via de regra, é lenta. Assim, cabe aos tribunais, em parceria com as associações de classe, buscar, dentro do possível, a motivação permanente dos seus juízes. Isto pode ser feito de duas formas:

a) respeito e agilidade nas decisões administrativas (exemplo colocando imediatamente em concurso os cargos vagos e provendo-os sem demora);

b) criando meios alternativos de crescimento intelectual e cultural, como a realização de cursos em caráter permanente, concursos de monografias, estágios no exterior, experiências piloto e outros tantos que poderão ser sugeridos pelos próprios magistrados.

VI – A motivação, por óbvio, não se limita aos magistrados. Hoje, mais do que nunca na história do Poder Judiciário brasileiro, os servidores têm um papel decisivo na eficiência dos serviços judiciários. Os juízes, do Supremo Tribunal Federal à primeira instância, valem-se de servidores e até mesmo de estagiários. Ninguém ignora que a explosão de processos pós-1988 não é administrada e decidida apenas pelos magistrados, existindo um papel coadjuvante, indispensável e cada vez maior, das assessorias. Assim, motivá-los é essencial. E esta tarefa, que evidentemente não á fácil, pode — e deve — ser sempre estimulada. Por exemplo, através de concursos como:

a) Minha história de vida;

b) destaque institucional;

c) fotografias;

d) descobrindo talentos.

Por vezes estas iniciativas são de fácil execução. Um concurso sobre Minha história de vida limita-se a permitir que todos relatem, em duas folhas digitadas, seu caminho profissional. Uma banca composta por três respeitadas pessoas atribuirá notas. A premiação poderá ser o direito de participar de cursos relacionados com a atividade profissional, com despesas pagas pelo Tribunal, em outras unidades do Judiciário (Conselho da Justiça Federal, por exemplo). Ou mesmo outros prêmios ofertados pela iniciativa privada. A divulgação dos resultados e a entrega de certificados e prêmios devem ser feitas solenemente e a presença do Presidente do Tribunal será um alto fator de estímulo.


VI- A busca de inspiração para inovar na administração judiciária poderá ser feita junto à iniciativa privada. Com efeito, as empresas pesquisam permanentemente como tornar-se mais eficientes. Se assim não fizerem, sucumbem. Por exemplo, o Grupo Gerdau conta com usinas siderúrgicas no Brasil, Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Estados Unidos, Peru e Uruguai12. Ninguém pode duvidar da eficiência de uma empresa de tal porte. Um guia seguro para pesquisar nesta linha pode ser a Revista Exame/Você S.A, com o título “150 melhores empresas para você trabalhar”13.

A leitura de cada uma das empresas e o que elas fazem nas áreas de benefícios, ética e cidadania, desenvolvimento profissional, equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, será um roteiro seguro para o administrador judiciário que, no que for possível, poderá aplicar à sua esfera de atuação.

VII- O contato direto entre o administrador judicial e os magistrados ou servidores também é essencial. Claro que não se está a dizer que o presidente de um grande tribunal vá passar os dias recebendo pessoas da casa. O que se está a afirmar é que não há mais lugar para aquele presidente distante, que entra pelo elevador privativo e não recebe nem conversa com ninguém. Visitar periodicamente lugares estratégicos, explicar o que vem sendo feito e ouvir as sugestões, demonstra interesse, estimula os servidores e resulta em maior rendimento no trabalho.

Os corregedores também tem um papel importantíssimo na efetividade da Justiça, pois estão em contato direto com os seus problemas, com as boas e as más práticas judiciárias. Através de visitas e correições inteiram-se de excelentes iniciativas tomadas por juízes ou servidores criativos. Muitas vezes, ignoradas por todos. Elogiar seus autores e divulgá-las é uma excelente opção.

Em uma escala menor, o juiz de uma vara deve fazer o mesmo na sua unidade. Por exemplo, reunindo-se uma vez por mês com todos os servidores, a fim de discutir metas e colher propostas. O juiz que atravessa olimpicamente o cartório (ou secretaria), sem cumprimentar ninguém, certamente não terá a colaboração dos que o auxiliam.

VIII – No poder público em geral, e no Judiciário em especial, há um número cada vez maior de empresas contratadas para auxiliar nos serviços de segurança, limpeza, telefonia e outros. Estes trabalhadores, via de regra, recebem menos de um quarto do que os servidores públicos. No entanto, são pessoas cuja colaboração também é importante para a eficiência dos serviços.

Assim, a eles deve ser dado um tratamento especial. Por exemplo, campanhas para exames médicos, em convênio com Universidades, exames de vista com doação de armações, cursos de pequena duração, enfim, tudo o que estiver ao alcance do administrador judiciário. No ano de 2004, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, parte dos servidores doou um dia de seus vencimentos a um fundo e, com a quantia arrecada, foi possibilitado aos terceirizados, cônjuges ou filho, fazer um curso profissionalizante. Ao término, mais de 100 pessoas foram diplomadas em solenidade festiva.

IX – A especialização de varas também deve ser um caminho para uma prestação jurisdicional mais rápida. No Brasil, avança-se timidamente neste particular. Na maioria dos tribunais ainda se permanece no antigo modelo das varas cíveis ou criminais ou, quando muito, em varas de família, execuções fiscais, registros públicos ou acidente do trabalho. No entanto, a complexidade da vida moderna não permite ao juiz inteirar-se de tantos e tão complexos temas. Imagine-se um magistrado ter de resolver casos de marcas e patentes, fusões de grandes companhias aéreas e casos envolvendo negócios internacionais.

Assim, alguns passos dados nos últimos anos revelaram-se de grande sucesso. Por exemplo, as varas federais de crimes contra a ordem econômica, que resultaram na condenação de criminosos de elevada condição social. Estes delitos, no passado, ficavam totalmente impunes. Outras varas especializadas, como as ambientais da Justiça Estadual de Cuiabá e Manaus, as empresariais da Justiça do estado do Rio de Janeiro, as do Sistema Financeiro da Habitação da 4ª Região da Justiça Federal, as Tributárias (não de Execuções Fiscais) da Justiça Federal em Porto Alegre e outras tantas, vêm revelando o acerto da iniciativa.

X – Finalmente, a infinidade de providências que podem ser tomadas e costumeiramente não o são, no âmbito da administração judiciária, tornam impossível apontar os múltiplos caminhos. Outras tantas poderiam ser citadas e objeto de maior aprofundamento nos estudos, como:

a) auto-protocolo de petições, como o existente no Juizado Especial Federal de Passo Fundo (RS);

b) protocolo avançado dos Tribunais em shopping centers ;

c) união dos tribunais situados em uma mesma cidade (TJ, TRF, TRT e TRE), a fim de realizar trabalhos conjuntos como, por exemplo, capacitação de servidores; d) comitê permanente de ergonometria (ex. LER/Dort; cadeiras retas, etc.);


d) prevenção do alcoolismo, através de reuniões e apoio psicológico;

e) projeto de saúde financeira, ou seja, orientação de servidores, encontros semanais, visando diminuir este que é um dos problemas atualmente nos grandes Tribunais, com reflexos diretos na produtividade;

f) responsabilidade ambiental, que pode ser efetividade com economia e reciclagem de papel, uso de papel não-clorado, construção de fóruns com local de reserva para água de chuva e outras medidas;

g) convênio com a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, de modo a permitir que os advogados residentes no interior possam enviar petições e recursos via postal, providência esta tomada no TRF da 4ª Região14.

h) responsabilidade social, através de trabalhos externos dos servidores fora do horário de expediente e convênio com órgãos responsáveis por menores, como a Febem, colaborando na ressocialização;

i) intimações dos advogados via internet;

j) introdução, dentro do possível, do processo eletrônico, sem utilização de papel, como já existe nos Juizados Especiais Federais;

k) implantação de postos judiciários avançados nos bairros das periferias ou nas cidades distantes, com o apoio das prefeituras, levando a Justiça à população e colaborando para evitar a exclusão social;

l) criação de Juizados Volantes (ou itinerantes) nos estados em que as distâncias entre as sedes de unidade judiciária e a população impeçam o acesso à Justiça;

m) interação e inserção do Judiciário na sociedade, facilitando visitas de estudantes, preparando pessoal para receber visitantes, cedendo o uso de espaços públicos para exposições ou do auditório para a realização de congressos jurídicos;

n) prática da transparência administrativa, através de exibição na internet das medidas tomadas, das estatísticas gerais e da produtividade dos Juízes e desembargadores, das atas das sessões, das construções de edifícios, da criação de varas e outras assemelhadas; solicitação ao Ministério Público e à Ordem dos Advogados do Brasil para que forneçam sugestões para o aprimoramento dos serviços judiciários;

o) estímulo aos magistrados para buscarem a conciliação como forma de solução dos conflitos, seguindo a recente e oportuna iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, que designou o dia 8.12.2006 para o “Movimento pela Conciliação;

p) estudos para a criação do cargo de administrador judicial, com formação em administração pública e especialização ou prática na área judicial.

Por certo, não se desconhece que tais iniciativas, e tantas outras que são feitas por nossos criativos administradores judiciais, nem sempre são possíveis em alguns locais, por falta de verba ou por outra dificuldade qualquer. Mas nem por isso a proposta perde o interesse. Evidentemente, ela deve ser aplicada analisando-se as condições peculiares a cada unidade judiciária.

Por certo as soluções para o estado de Roraima, com cerca de 40 juízes de Direito e sete desembargadores, não serão as mesmas do Estado de São Paulo, com mais de 1.700 magistrados em primeira instância e 360 desembargadores mais 40 juízes substituto de segunda instância para atuar no segundo grau. O importante, seja qual for o órgão judiciário e suas características, é a vontade de acertar, de aperfeiçoar o Poder Judiciário. A tarefa é de todos.

Com ou sem lei, com um bom ou um mau orçamento, muito se pode fazer a favor de uma justiça célere e eficiente. Neste particular, cabe a todos os estudiosos, pesquisadores e operadores do Direito, em especial, aos que administram o Poder Judiciário, envidar esforços para que este Poder, autêntico guardião do Estado Democrático de Direito, se fortaleça como instituição respeitada e eficiente.

Referências bibliográficas

– BARBOSA, Cláúdia Maria. Crise e Reforma do Poder Judiciário Brasileiro: Análise da Súmula Vinculante. In: Direito e Administração da Justiça. Coord. Vladimir Passos de Freitas. Curitiba: Juruá Ed., 2005;

– BERIZONCE, Roberto Omar. Recientes tendências en la posición del juez. In: El Juez y la Magistratura. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni Ed., 1999;

– CÁRDENAS, Emilio J. e CHAYER, Héctor M. Corrupción Judicial. Mecanismos para prevenirla y erradicarla. Buenos Aires: Ed. La Ley S.A., 2005;

– HUNTER, James. O monge e o executivo. Rio de Janeiro: Ed. Sextante, 2004;

– PEREIRA, Caros da Costa. História de São Francisco do Sul. Florianópolis: UFSC Ed., 1984;

– SILVA, Ivo Barcelo da. A motivação dos juízes e servidores como técnica de eficiência. In: Direito e Administração da Justiça, p. 114;

– SOTELA, Sonia Picado. A Administração da Justiça na Costa Rica. In: Proposta de uma Reforma Judicial. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni Ed., 2004, p. 327;

– WEHLING, Arno e Maria José. Direito e Justiça no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2004;

– ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder Judiciário. Crise, Acertos e Desacertos. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1995;

Notas de Rodapé

1 – Memória da Justiça Brasileira. Comissão de Memória do Tribunal de Justiça da Bahia, v. 1, p. 77.

2 – WEHLING, Arno e Maria José. Direito e Justiça no Brasil Colonial, p. 101.

3 – PEREIRA, Carlos da Costa. História de São Francisco do Sul, p. 60.

4 – Consultor Jurídico. Site Jurídico: www.conjur.com.br

5 – BERIZONCE, Roberto Omar. Recientes tendências en la posición del juez. In: El Juez y la Magistratura. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni Ed., p. 58.

6 – ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder Judiciário. Crise, Acertos e Desacertos. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1995, p. 21.

7 – BARBOSA, Cláudia Maria. Crise e Reforma do Poder Judiciário Brasileiro: Análise da Súmula Vinculante. In: Direito e Administração da Justiça, p.23.

8 – SOTELA, Sonia Picado. A Administração da Justiça na Costa Rica, em Proposta de uma Reforma Judicial, (tradução livre), p. 327.

9 – CÁRDENAS, Emilio J. e CHAYER, Héctor M. Corrupcion Judicial. Mecanismos para prevenirla y erradicarla. Buenos Aires: Ed. La Ley S.A., 2005.

10 – SILVA, Ivo Barcelo da. A motivação dos juízes e servidores como técnica de eficiência. In: Direito e Administração da Justiça, p. 114.

11 – HUNTER, James. O monge e o executivo.

12- Jornal O Estado de S. Paulo, 4.11.2006, B8.

13 – Revista Exame-Você S.A., Ed. Especial, 2006.

14- BRASIL, Tribunal Regional Federal da 4ª. Região e Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, Convênio 1/05, firmado em 20/5/05.

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