Defesa das prerrogativas

Advogados que representaram contra juiz se livram de inquérito

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8 de novembro de 2006, 18h57

Não há lógica em processar aquele que, dentro dos limites do direito, cobra do funcionário público prestação de contas do seu trabalho. É o exercício da democracia, disse o juiz substituto Mauro Salles Ferreira Leite, da 1ª Vara Federal de Bragança Paulista (SP).

Ferreira Leite determinou o trancamento de inquérito policial contra a presidente da subsecção da OAB-SP em Bragança Paulista, Regina Aparecida Miguel, e outros cinco conselheiros da Ordem. Eles estavam sendo investigados pelo crime de difamação de um juiz do Trabalho da região.

Os advogados representaram o juiz à Corregedoria da Justiça do Trabalho. Queriam que fossem apuradas irregularidades que estariam sendo praticadas pelo juiz. Com o resultado das apurações, este foi afastado. Mesmo assim, o juiz solicitou a abertura de inquérito policial acusando os representes da OAB em Bragança Paulista de difamação.

Na terça-feira da semana passada (30/10), o juiz Mauro Salles Ferreira Leite concedeu Habeas Corpus para determinar o arquivamento do inquérito. O pedido foi feito pelos advogados Alberto Zacharias Toron e Leopoldo Stefanno Louveira, responsáveis pela defesa dos representantes da OAB-SP.

Para Leite, não houve nenhum tipo de ofensa à honra do juiz trabalhista. Quem ocupa cargo público está sujeito à prestação de contas, ressaltou o juiz. “É inegável que cabe aos dirigentes e advogados pertencentes à Ordem dos Advogados levar ao conhecimento das autoridades públicas competentes o seu inconformismo quanto a condutas que lhe pareçam irregulares”, considerou Leite.

Veja a decisão e o pedido de Habeas Corpus

Decisão

Processo n° 2006.61.23.001522-3

Impetrantes / Pacientes: Regina Aparecida Miguel, Sérgio Helena, Adalberto Augusto de Mello Júnior, Lílian dos Santos Moreira, Rossano Rossi e Luiz Antonio Inácio.

Vistos.

Cuida-se de expediente impetrado pelos requerentes mediante o qual pretendem o trancamento de inquérito policial em que figuram como averiguados, ao fundamento, em suma, de que a conduta a eles imputada pela autoridade requisitante é atípica, e que, ademais, agiram em conformidade com o seu direito de denunciar atos de irregularidade perante as autoridades competentes para a averiguação.

Sustentam que não se perfaz conduta difamatória decorrente de exercício de atividade em que estão investidos por determinação legal, e que ademais, as denúncias por eles alvitradas foram todas investigadas pela Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho e redundaram no afastamento da autoridade requisitante do inquérito. Pedem, em sede definitiva, o trancamento do inquérito por manifesta atipicidade do fato apurado.

Recebido o incidente como habeas corpus pela decisão de fls. 233/234, concedeu medida acautelatória de suspensão das oitivas a serem efetivadas em fase policial.

Requisitados os autos do inquérito policial, foram estes enviados pela D Autoridade Policial.

Parecer do Ministério Público Federal às fls. 238/245, pelo arquivamento.

É o relatório do essencial.

Fundamento e Decido.

Realmente não há, nas condutas sindicadas no bojo do presente inquérito policial, nada que resvale a tipicidade penal para qualquer dos delitos contra a honra previstos no Código Penal (arts. 138, 139, 140 do CP).

E isso, pela simples, mas suficiente razão, de que falta a animar o agir dos investigados, o elemento subjetivo do tipo a configurar lesão ao bem jurídico tutelado pela norma proibitiva.

Agindo na condição de advogados, representantes da autarquia que cuida dos interesses da classe, dirigiram reclamação em face do Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho, para ver apurada, e se o caso punida, postura funcional do Juiz do Trabalho que, ao ver dos reclamantes, seria indevida, por, entre outras coisas, dar preferência de pauta a determinados casos em detrimento de outros, sem que houvesse qualquer justificativa lícita para tanto.

Nada tem isso de ofensivo à honra do representado. O inconformismo dos aqui pacientes teve por mira o acertamento da prestação do serviço jurisdicional na seara da Justiça do Trabalho, e procurou levar à autoridade competente para apreciá-la, os motivos pelos quais entendiam que as denúncias efetivadas em face do juízo deveriam, ao menos, ser apreciadas. Não vejo, nisso, qualquer assalto à esfera de atributos morais do representado, que, ocupante de cargo público, órgão investido do poder jurisdicional do Estado, está sujeito à devida prestação de contas relativas ao importante múnus público que foi confiado. E, se alguém, por motivos suficientemente fortes e objetivos, pretende tomar essas contas, não pode, por incompatibilidade lógica, incorrer no risco de se ver processado por assalto à honra do representado.

É da doutrina do Direito Penal que os delitos contra a honra vulneram, no dizer de MAGALHÃES NORANHA(1), “o complexo ou conjunto de predicados ou condições da pessoa que lhe conferem consideração social e estima própria”. Foi aproximadamente nesses termos, e certamente para proteger esses fins que o arti. 11 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), promulgada no Brasil pelo Decreto n° 678 de 06/11/92 consagra que “toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade”.


Ora, é cristalino da conduta dos pacientes que — em nenhum momento — sua atividade se dirigiu a ferir ou espezinhar os atributos morais do juiz do trabalho em questão. Agiram, em nome próprio e no da classe que representam, na defesa daquilo que acreditavam fosse desvio indevido do exercício sereno e imparcial da judicatura. Fizeram-no, como cidadãos, no exercício pleno do seu direito constitucional de petição (art. 5°, XXXIV da CF). Fizeram-no, como advogados, porque é inegável que cabe aos dirigentes e advogados pertencentes à Ordem dos Advogados levar ao conhecimento das autoridades públicas competentes o seu inconformismo quanto a condutas que lhe pareçam irregulares, ou, ao menos, dignas de apreciação mais cautelosa e acurada. Esse procedimento não importa desbordamento de atividades normais de denúncia que devem ser exercidas pelos órgãos de controle social, entre os quais indubitavelmente se encontra a Ordem dos Advogados do Brasil.

Não há nada na conduta dos representados que sequer resvale, mesmo de forma indiciária, o campo da ofensa à honra de terceiros. A representação que está à base do inquérito policial ora em curso, e que foi subscrita pelos aqui pacientes, está centrada em motivos objetivos, relacionados diretamente com o correto exercício da prestação jurisdicional, e foram dirigidos à autoridade competente para sua apreciação.

Nesse ponto, observo ser arguta a percepção declinada nas razões iniciais em que se pondera que, verbis (fls. 04) “a Representação não foi distribuída à imprensa ou divulgada nas esquinas”.

Vem bem daí, a meu sentir, a nota essencial que da conta da completa atipicidade do fato em investigação perante a D. Autoridade impetrada. Da conduta dos averiguados não resulta maledicência, escárnio, ou ataques pessoais à integridade do julgador. O que há, ali, é reclamo, inconformismo, protesto, indignação, revolta. Há o exercício do direito de crítica das atividades do Estado e de sua adequação à ordem jurídica.

E isso não é crime

Pelo contrário

É parte indissociável do exercício da democracia, é garantia do respeito à índole republicana das instituições e do exercício do poder, e, mais e finalmente, a viga mestra da sustentação das liberdades humanas. E a pugna pela observância do exercício democrático das instituições é dever institucional do advogado (art. 133 da CF) e atividade intrínseca e logicamente conexa à sua vocação profissional.

Isso tudo porque, conforme vejo a questão, nem seria necessário enfocar essa discussão sob o prisma excludente da imunidade profissional do advogado, muito bem abordada, do ponto de vista constitucional, pelo sempre ilustrado Parecer da Douta Procuradoria da República.

É que, sendo o fato, em essência, atípico por ausência de elemento subjetivo da conduta, nem há a necessidade de se perquirir da imunidade do advogado no exercício da profissão. Todavia, também por isso, não se há de cogitar da possibilidade de instauração de inquérito para investigação da conduta aqui em apreço.

E, assentada nesses termos a ausência de enquadramento típico para qualquer dos delitos contra a honra, imediata é a conclusão de que falta justa causa a embasar a persecução penal.

Forte na melhor doutrina do processo penal, segundo a qual a mera instauração de um inquérito penal já é ameaça bastante ao direito de liberdade dos pacientes, cabível a concessão da ordem constitucional de tutela da liberdade destinada ao seu trancamento.

Isto posto, e considerando o mais que dos autos consta, DEFIRO a ordem de habeas corpus aqui requerida, para, a linha do parecer do Eminente Procurador da República, cujas razões subscrevo integralmente, determinar o arquivamento do inquérito policial em apenso, por ausência de justa causa a embasar o seu prosseguimento (atipicidade do fato).

Oficie-se à D. Autoridade Policial, cientificando-a.

Int.

Bragança Paulista, 30 de outubro de 2006.

Mauro Salles Ferreira Leite

Juiz Federal Substituto

Notas de Rodapé

1- Direito Penal, 13. ed. São Paulo, Saraiva, 1977, v. 2, p 122.

Pedido

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA 1.ª VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE BRAGANÇA PAULISTA (SP)

Ementa do pedido:

1. IP instaurado para a apuração do delito de difamação (artigo 139 do CP), sofrido, em tese, por Juiz do Trabalho em razão de supostas ofensas à sua honra objetiva constantes de representação encaminhada à Corregedoria do TRT da 15.ª Região;

2. Requerente que, na condição de Presidente da OAB de Bragança Paulista, limitou-se a subscrever tal representação noticiando a prática, em tese, de diversas irregularidades cometidas pelo Magistrado no âmbito de sua judicatura na Vara do Trabalho desta cidade. Representação que redundou na aplicação de pena administrativa de disponibilidade do MM. Juiz pelo Pleno do e. TRT da 15.ª Região;

3. Hipótese de defesa das prerrogativas da classe pela Requerente, sem agressões gratuitas. Mera narração de fatos a serem apurados. Livre exercício da atividade profissional do advogado que merece ser respeitado num Estado Democrático de Direito;

4. Inviolabilidade penal dos advogados (artigo 133 da CF/88). Garantia do direito de petição também assegurado constitucionalmente (artigo 5.º, XXXVI). Fato atípico.


Termo Circunstanciado n.º 2006.61.23.000722-6 (IPL n.º 9-0352/06 – DPF de Campinas)

Os advogados REGINA APARECIDA MIGUEL, SÉRGIO HELENA, ADALBERTO AUGUSTO DE MELLO JÚNIOR, LILIAN DOS SANTOS MOREIRA, ROSSANO ROSSI e LUIZ ANTONIO IGNÁCIO, por seus procuradores — que protestam pela posterior juntada do instrumento de mandato (artigo 5.º, parágrafo 1.º, da Lei 8.906/94), nos autos do termo circunstanciado supra nomeado, respeitosamente, vêm à elevada presença de Vossa Excelência requerer que, após a manifestação do ilustre representante do Ministério Público Federal, seja determinado o arquivamento deste procedimento, em razão da evidente atipicidade dos fatos objeto da investigação em curso, pelos seguintes motivos de fato e de direito:

1. Eminente Juiz Federal, não há por que se dirigir à Corregedoria de Justiça se não para relatar desvios, desmandos, faltas, falhas, falcatruas etc. por parte dos agentes públicos que estão submetidos à sua ação. Nada disso, para o Representado, é agradável. Todavia, o bom funcionamento das instituições não pode, de um lado, prescindir da ação correcional e, de outro, dos instrumentos que garantam que os cidadãos em geral e, entre estes, particularmente os advogados, tenham liberdade para DESCREVER os fatos e NARRÁ-LOS de acordo com a gravidade que ostentam. Bem por isso, é que a Constituição de 1988, sabiamente, conferiu ao advogado a imunidade material no exercício da profissão em razão de suas manifestações (art. 133).

1.1. Se o juiz, por exemplo, recebeu dinheiro indevidamente de uma das partes e o advogado tem conhecimento disso, mais que o direito, tem o dever de narrar os fatos. O bom funcionamento do Judiciário necessita que o advogado leve os fatos ao conhecimento da Corregedoria. No caso vertente, embora não se cuidasse de corrupção, a Representação subscrita pelos Requerentes, na condição de Presidente e Conselheiros da OAB de Bragança Paulista, mais que traduzir o dever de levar fatos graves ao conhecimento do TRT, levou à colocação do Representado em disponibilidade.

1.2. Portanto, estamos diante de um caso concreto em que a atipicidade do comportamento da requerente REGINA é manifesta e, nessas circunstâncias, a instauração do Inquérito Policial, ainda que em trâmite sob o nome de “Termo Circunstanciado”, revela-se constrangedora. Sim, porque se a ação dos Requerentes foi conforme o direito, tanto que o magistrado ___ sedizente vítima ___ foi afastado, só resta concluir que inexiste crime contra a honra a ser apurado.

1.3. Imagine Vossa Excelência se um assaltante, ao ser denunciado pelo Ministério Público, apresentasse, concomitante, uma queixa-crime por calúnia. Teríamos o paradoxo de ver o Promotor, no exercício regular de um dever, ser submetido a inquérito ou ação penal privada, para apurar crime contra a honra, malgrado a denúncia tivesse sido recebida. Convenha-se que o Judiciário não pode ser palco de tal disparate ou manobra intimidatória, sob pena de se colocar em risco o próprio funcionamento das instituições do Estado responsáveis pelo sistema repressivo!

1.4. Se o representado foi colocado em disponibilidade justamente em razão da representação ofertada pelos Requerentes que reputa ofensiva, é, data vênia, inadmissível que caminhe um inquérito para apurar crime contra honra daquele que, em tese, como já reconheceu o próprio TRT da 15.ª Região, faltou com deveres funcionais.

2. De outra parte, não pode passar sem reparo que a Representação não foi distribuída à imprensa ou divulgada nas esquinas. Ao reverso, foi encaminhada à Corregedoria, único órgão competente para apurar tais supostas irregularidades. O fato, aliado à colocação em disponibilidade do “ofendido”, mostra, por si só, a ausência do elemento subjetivo do tipo do crime contra a honra. Não por acaso, o Pretório Excelso já decidiu, em caso emblemático de direito de petição, semelhante ao tratado nestes autos:

“Falta de justa causa para a instauração de inquérito policial. Acusado que apenas representou à autoridade judiciária competente narrando arbitrariedades, envolvendo policiais e magistrado e requerendo sua apuração. Exercício regular do direito de petição. Ausência de animus calumniandi. Tendo o paciente representado à autoridade judiciária competente narrando arbitrariedades e requerendo sua apuração, não há falar em crime de calúnia, mas no exercício do direito individual de pedir, em sede própria, a apuração de fatos possivelmente delituosos” (STF – RHC – Rel. Min. Francisco Rezek – RT 630/387).

2.1. Ainda mais recentemente, embora em caso até mais grave, o col. STJ, pela voz do em. Min. Félix Fischer, concedeu a ordem em decisão cuja ementa fala por si só:


“(…)

II – Para que a conduta descrita no art. 138 do Código Penal seja típica, é necessário que as declarações do autor da acusação sejam falsas, ou quanto a ocorrência dos fatos, ou quanto à autoria (Precedentes).

III – Evidenciado, in casu, não se tratar, objetivamente, de falsas afirmações, as realizadas por advogada, no exercício da função, é de se determinar o trancamento da ação penal, pois o que se tem é o simples animus narrandi, talvez, até criticandi, mas não animus caluniandi.

Writ concedido” (HC 45.779, DJ 06/3/06).

2.2. No corpo do aresto trazido à colação vem destacado o seguinte: “acrescente-se que estava, a paciente, naquele momento, defendendo direitos de seus clientes no exercício da advocacia, o que permite revelar não terem sido tais comentários desferidos ao acaso, com o mero intuito de ofender a honra do magistrado, mas sim, no desempenho da nobre função pública que é a advocacia, ausente, portanto, o animus caluniandi”.

2.3. Na parte final do acórdão percebe-se que o culto relator captou o âmago da questão que garroteia os advogados: a necessidade imperiosa de criticar como meio de defesa do acusado e a proteção que deve recair sobre o advogado para que possa desempenhar sua missão sem qualquer temor de represálias.

2.4. De fato, a Constituição Federal de 1988 outorgou aos advogados a inviolabilidade por atos e manifestações que se ligam ao exercício da profissão. A jurisprudência, acertadamente, fixou que essa imunidade não é absoluta. Vale nos termos da lei. De fato, numa democracia, é inconcebível que um segmento profissional possa, em princípio, ficar impune quando incorre na prática de fato típico e não está acobertado por nenhuma causa justificadora ou exculpante.

2.5. O ponto é que, nas democracias, certas atividades, pela sua natureza, merecem uma proteção especial. Assim, historicamente, os parlamentares que têm o dever, mais que o direito, de investigar e denunciar falcatruas praticadas por agentes públicos e por poderosos. Idem, os magistrados que têm os seus predicamentos como uma garantia para a jurisdição, isto é, para neutralizar possíveis punições em decorrência de decisões que possam desagradar a “A”, “B” ou “C”. Em última análise, as garantias constitucionais outorgadas aos magistrados destinam-se à cidadania, destinatária de uma prestação jurisdicional isenta. O mesmo se dá quanto aos advogados. Suas prerrogativas representam a proteção necessária para que possa se manifestar com destemor em prol do cidadão. Não por acaso, em memorável julgamento lembrou-se que a imunidade judiciária outorgada aos advogados se assemelha à imunidade material dos parlamentares (HC n.º 81.389, rel. Min. JOBIM, DJ 30/4/04).

2.6. Imagine-se, novamente, o advogado que tem conhecimento de que o juiz da causa recebeu dinheiro da outra parte. Bate às portas da Corregedoria ou vai se acovardar, com medo de ser processado por calúnia? Ora, a inviolabilidade constitucional que se outorga ao advogado existe para garantir que o profissional, sem qualquer receio, erga sua voz, ou derrame a tinta de sua caneta (agora das impressoras), clamando por justiça, pelo restabelecimento do direito. Para isso tem que ‘denunciar’ erros, desvios, apontar fatos e qualificá-los. Esse não é um simples direito do advogado. É um dever para com o cidadão que representa!

2.7. Não é por acaso que as ofensas ligadas à discussão da causa, ainda que subsumíveis à calúnia, consideram-se acobertadas pela inviolabilidade, desde que necessárias, ou úteis, ao deslinde do tema debatido. No presente caso, o juiz que foi colocado em disponibilidade em razão da representação que reputa ofensiva deveria ter mais vergonha na cara e não se desviar dos deveres funcionais ao invés de processar quem bem cumpriu o dever de levar os graves fatos à Corregedoria como lídima representante da OAB.

2.8. A este respeito, em caso análogo, a Colenda 5ª Turma do Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, em decisão relatada pelo seu atual Presidente, o ilustre Ministro EDSON VIDIGAL, já teve oportunidade de decidir:

“HABEAS CORPUS. ADVOGADO. EXCESSOS EM PEÇAS PROCESSUAIS. INJÚRIA, DIFAMAÇÃO E CALÚNIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. LEI 8.906/94.

No exercício do seu ofício, o advogado possui imunidade profissional, não podendo ser processado por eventual cometimento de injúria ou difamação (Lei 8.906, art. 7º, §2º).

Não obstante a aspereza das palavras tecidas pelo advogado em petição, não há como se concluir pela intenção de imputar falsamente qualquer prática de crime ao Magistrado.

Pedido de Habeas Corpus deferido, para trancar a Ação Penal, por ausência de justa causa. (HC 18.947/SP, v.u., j. 2.4.2002, DJ 29.4.2002, p. 266).


2.9. Igualmente, a Colenda 6ª Turma do mesmo STJ, em aresto relatado pelo eminente e culto Ministro PAULO MEDINA, já deixou assentado:

“HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE DO ATO. CRIME DE CALÚNIA. ADVOGADO. DEFESA JUDICIAL. ANIMUS CALUNIANDI. AUSÊNCIA. ARTIGO 7º, § 2º DO ESTATUTO DA ADVOCACIA.

Evidenciado, de pronto, a ausência do intuito do paciente, no exercício da defesa de seu cliente em juízo, em ofender a honra do querelante, mister se faz o trancamento da ação penal, ante a falta do elemento subjetivo imprescindível para a caracterização do delito de calúnia.

“No cumprimento do seu dever de ofício, ou seja, na ação restrita à causa de seu patrocínio, o advogado tem a cobertura de imunidade profissional, em se tratando de crimes contra a honra. (Lei 8.906/94, art. 7º, § 2º)” (RHC n.º 11.474/MT).

Ordem concedida para trancar a ação penal”. (HC 20.482/RS, v.u., j. 8.4.2003, DJ 17.11.2003).

2.10. Em caso muito semelhante ao presente, a Colenda 5ª Turma do Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, mais uma vez, em decisão relatada pelo eminente Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, decidiu:

“HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A HONRA DE PROCURADORA DA REPÚBLICA. REPRESENTAÇÃO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. OFENSA IRROGADA NO ÂMBITO ESPECÍFICO DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL. IMUNIDADE. EXCLUSÃO DO CRIME.

Sendo a ofensa irrogada circunscrita à representação de ofício, com o fim de discutir-se punição administrativa à Procuradora da República, há de ser reconhecida a imunidade profissional, porquanto a peça dita agressiva à honra nada mais é do que o preâmbulo da manifestação atinente a fato cuja atuação do causídico proponente tem sua razão única de ser.

Guardando a promoção os limites do razoável, no sentido da pretensão correcional administrativa, não há motivo para assinalar qualquer excesso punível.

A possibilidade de ter sido indicada a ofensa fora de juízo, não retira a imunidade do profissional, porquanto a nova disposição legal, artigo 7º, § 2º, da Lei 8.906/94, regulamenta a garantia constitucional, acrescendo referir que a ofensa irrogada, não se dera em juízo, mas em sede de representação de ofício junto ao órgão do Ministério Público.

Ordem concedida para trancar a ação penal, por patente a imunidade do causídico Paciente” (HC 26.176/DF, j. 16.12.2003, DJ 29.3.2004, p. 257).

2.11. Igualmente, o Pretório Excelso, em aresto relatado por seu atual Presidente, Ministro NELSON JOBIM, decidiu:

“RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO PARCIAL DA AÇÃO PENAL. IMUNIDADE MATERIAL DO ADVOGADO. Na hipótese de as expressões tidas por ofensivas serem proferidas em representação penal, na defesa de seu cliente e no exercício de sua profissão, mesmo que em sede de procedimento administrativo, incide a imunidade material do advogado (art. 7º, § 2º, da Lei 8.906/94). Está configurado o nexo causal entre o fato imputado como injurioso e a defesa exercida pelo recorrente, faltando, portanto, o elemento subjetivo do tipo. Precedente (HC 81389). Recurso em habeas corpus provido para trancar a ação penal, restando prejudicado o exame da incompetência da Justiça Militar” (RHC 82033/AM, j. 29.10.2002, DJ 23.4.2004, p. 40)”.

2.12. E apreciando essa sensível questão, o extinto Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, em magnífico acórdão relatado pelo hoje Desembargador AROLDO VIOTTI, por votação unânime, concedeu ordem de habeas corpus e, em página de ouro da jurisprudência daquela Corte, determinou o trancamento de inquérito policial averbando, na essência, o seguinte:

“Ainda que já beneficiado pelo provimento jurisdicional que lhe vedou o indiciamento, a simples instauração do inquérito para averiguar repercussão jurídico-penal de tais fatos é idônea, mesmo que de modo indireto, a causar gravame e constrangimento ao paciente. E não é possível manietar a atividade profissional da Advocacia—cuja inviolabilidade nos atos e manifestações praticados no exercício do “múnus”, encontra abrigo em sede constitucional —, com o espectro da instauração de um inquérito policial por afirmativas veiculadas no exercício do direito de petição ao órgão competente” (extinto TACRIM-SP, 9ª Câm., HC n.º 366.648/7, v.u., j. em 26/7/00).

2.13. A posição do e. TRF da 2.ª Região corrobora a tese da atipicidade do fato em casos de apuração criminal descabida de advogados no exercício da função:

“HABEAS CORPUS – TRACAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL REQUISITADO POR PROCURADOR DA REPÚBLICA – IMUNIDADE PROFISSIONAL DO ADVOGADO NO EXERCÍCIO DE SUA ATIVIDADE. ART.7 §2º – LEI 8906/94 – APURAÇÃO CRIMINAL DESCABIDA.

I- Ausência de elementos que justifiquem a instauração de inquérito policial, face a imunidade do advogado no desempenho de suas atividades profissionais.

II- Habeas corpus provido. Concedida a ordem para trancamento do inquérito policial.” (TRF da 2.ª Região – 1.ª Turma – HC n.º 1999.02.01.043356-1 – j. 21/3/2000, DJ 8/6/2000, v.u.)


3. Esses entendimentos jurisprudenciais aplicam-se como uma luva à mão na hipótese versada nestes autos. Como efeito, na condição de Representante da classe dos advogados e atuando como verdadeiros porta-vozes da insatisfação geral de colegas com alguns acontecimentos no âmbito do Judiciário Trabalhista em Bragança Paulista, em 16 de maio de 2005, os Requerentes, em nome da 16.ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, encaminharam formal representação à Corregedoria-Geral do Tribunal Regional do Trabalho da 15.ª Região relatando diversos fatos envolvendo o MM. Juiz da Vara do Trabalho de Bragança Paulista, Dr. MAURIZIO MARCHETTI. (fls. 8/13)

3.1. Com a mencionada representação, apenas levou-se ao conhecimento da Corregedoria fatos que demonstravam uma série de conflitos entre o eminente Magistrado do Trabalho e a requerente REGINA MIGUEL e outros advogados desta cidade. Diante da descrição dessas ocorrências, a Subseção da OAB local requereu que fosse realizada ampla correição naquele egrégio juízo, a fim de que fossem apuradas aquelas supostas irregularidades.

3.2. O principal ponto tratado na representação, além dos relatos de retaliações, diz respeito à maneira pela qual o Dr. MAURIZIO MARCHETTI organizava as pautas de audiências , conforme se lê no seguinte tópico:

“(…) Tramitam na Vara do Trabalho de Bragança Paulista, que abrange dez Municípios (…), mais ou menos 3.000 processos. Ocorre que, a pauta das designações de audiências demanda entre 12 a 15 meses; todavia, em alguns casos, não se sabendo qual o critério utilizado, a pauta é de 02 a 04 meses. Os beneficiários desta pauta rápida, pelas informações trazidas pelos advogados que estão iniciando o exercício da profissão na Justiça do Trabalho, os quais por temor preferem não formalizar a reclamação em virtude da própria Presidente e o Vice-Presidente da OAB de Bragança Paulista estarem sendo processados pelo i. Magistrado, são os advogados que já foram classistas, e outros que tem maior proximidade com o juiz.” (fl. 10)

3.3. A representação teve seu regular processamento, com a realização de correição extraordinária naquela Vara do Trabalho (doc. 1) — ocasião em que foram confirmadas as diversas irregularidades narradas —, além da juntada de prova documental e da produção de prova oral, com a oitiva de várias testemunhas.

3.4. E ao final do procedimento administrativo, após terem sido assegurados todos os amplos meios de defesa do Dr. MAURIZIO MARCHETTI, a egrégia Procuradoria Regional do Trabalho da 15.ª Região ofertou extenso e esclarecedor parecer de 84 (oitenta e quatro) laudas, segundo o qual ficaram comprovadas nada menos do que treze (!) infrações praticadas pelo Juiz do Trabalho, de modo que “(…) o que se tem, agora, é um conjunto de arbitrariedades e atos ilegais que não podem passar despercebidos do poder disciplinar. A dignidade do Judiciário Trabalhista, sobretudo da Vara do Trabalho de Bragança Paulista, foi arranhada”, e conclui que “(…) no mérito, com amparo no que aqui foi exposto, somado com as arbitrariedades demonstradas nos Processos Disciplinares ADM nºs 550/2005 e 602/2005, infere-se que restou comprovada a prática de falta funcional pelo Juiz Maurizio Marchetti, atraindo a aplicação da pena de DISPONIBILIDADE, na forma dos artigos 27 e 46 da LOMAN, requerendo a expedição dos ofícios acima apontados.” (cf. conclusão do parecer ministerial – doc. 2).

3.5. O Pleno do colendo TRT da 15.ª Região, por votação unânime dos 24 Juízes presentes, em razão da constatação de favorecimentos indevidos e outros atos arbitrários, julgou procedente a representação e aplicou a pena de decretação da DISPONIBILIDADE do MM. Juiz MAURIZIO MARCHETTI, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço (cf. v. acórdão – doc. 3). A r. decisão de colocação em disponibilidade do i. Magistrado, inclusive, foi publicada no Diário Oficial (doc. 4), estando ele nesta condição até a presente data.

3.6. As investigações, agora, estão em andamento, a fim de que se dê cumprimento à determinação constante no item II, c, da portaria inicial deste inquérito, com a oitiva em declarações de todos os advogados subscritores da mencionada representação (cf. portaria à fl. 2).

3.7. Ocorre que, com a devida e máxima vênia, a continuidade das investigações é medida contrária ao conjunto dos elementos fáticos já constantes dos presentes autos, uma vez que a sua atipicidade mostra-se latente e deve ser reconhecida de plano. Ou seja, basta uma análise superficial deste procedimento para se verificar a escandalosa ausência de crime a ser investigado/apurado.

4. Em outras palavras, a atuação dos Requerentes (e da OAB) no caso foi fundamental para que todos os desmandos ocorridos no âmbito do Fórum Trabalhista de Bragança fossem apurados e coarctados pelos órgãos correcionais competentes. Repita-se: houve mera narração de acontecimentos, muito distante de qualquer ofensa à honra objetiva do Magistrado.


4.1. Nesse contexto fica, com a devida vênia, completamente desprovida de sentido a afirmação do magistrado — sedizente vítima — de que a alegação sobre as preferências nas pautas de audiências em favor de alguns advogados em detrimento de outros mais novos — constante da representação — configuraria suposta prática de difamação.

5. Outrossim, vale salientar outro fato que reforça a ausência de crime a ser investigado nestes autos: durante o trâmite da representação, ocorreram novos e graves incidentes envolvendo abuso de poder e arbitrariedades praticados, em tese, pelo Dr. MAURIZIO, relativos ao fechamento do Fórum Trabalhista, mudança da sala da OAB, ameaça de funcionários etc. Esses tristes acontecimentos foram levados ao conhecimento daquela e. Corregedoria por meio de outra representação, agora subscrita não por conselheiros da OAB local de Bragança Paulista, mas pelo Presidente — Dr. LUIZ FLÁVIO BORGES D´URSO — e por Diretores da Seccional Paulista da OAB.

5.1. Em razão dessa representação, foi instaurado inquérito policial no âmbito do egrégio TRF da 3.ª Região, a fim de se apurar a suposta prática do crime de abuso de autoridade praticado pelo Dr. MAURIZIO MARCHETTI, procedimento este que, muito embora não tivessem sido colhidas as declarações da vítima e de testemunhas, foi precocemente arquivado pelo eminente Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA por entender que não havia fato típico pois “o magistrado apenas praticou ato administrativo.” (cf. r. decisão – Proc. 2005.03.00.064380-0 ¬– doc. 5)

5.2. Em face deste arquivamento, o Dr. MAURIZIO apresentou representação criminal perante a Procuradoria da República em São Paulo, agora para apuração do delito de calúnia supostamente praticado pelo Presidente Seccional da OAB e outras pessoas, incluindo a ora requerente REGINA MIGUEL, procedimento que foi enviado para o juízo desta egrégia 1.ª Vara Federal (Procedimento n.º 2006.61.23.000145-5 — doc. 6).

5.3. Após regular tramitação, com base em lúcido parecer da Procuradoria da República em Bragança (doc. 7), aquele procedimento foi arquivado por Vossa Excelência, em razão da patente atipicidade do fato, nos termos da impecável linha de raciocínio, perfeitamente aplicável ao presente caso:

“(…) Tem razão o Douto Procurador da República aqui oficiante. (…) Os representados, amplamente respaldados pelo seu direito constitucional de petição (art. 5.º, XXXIV da CF), formularam razões de inconformismo perante a autoridade competente, de sorte a sindicar condutas que lhes pareceram desconformes ao ordenamento jurídico. Em nada isso se assemelha à calúnia, difamação, injúria ou mesmo denunciação caluniosa. Trata-se de direito subjetivo dos promoventes, que, na condição de representantes da classe da advocacia, devem mesmo — inclusive por dever de ofício de agir em defesa das prerrogativas de sua classe —levar sua irresignação, ainda quando manifestada de forma enérgica, à consideração das autoridades estatais para averiguação da sua conformidade à ordem jurídica. Trata-se de atitude plenamente consentânea com o Estado Democrático de Direito, na medida em que faz valer, na prática, o controle social sobre os órgãos do Estado, cujas decisões podem ser questionadas, sem que isso represente ofensa à honra objetiva de quem quer que seja.

Faltou à conduta dos representados, o elemento subjetivo a perfazer o animus caluniandi vel injuriandi, de sorte que – ausente o elemento anímico reclamado – não se completa o enquadramento típico para a conduta de crime ofensivo à honra do representante.” (doc. 8)

5.4. Como se vê, o mesmo fundamento que ensejou o arquivamento daquele feito merece ser considerado neste procedimento, até porque os fatos que originaram ambos os inquéritos fazem parte, de alguma forma, do mesmo contexto dos incidentes ocorridos naquela Vara do Trabalho.

5.5. Ressalte-se, também, que a requerente REGINA MIGUEL exerce a advocacia há mais de 20 (vinte) anos, tendo uma carreira ilibada, pontuada pela competência e pelo destaque na defesa dos interesses da classe na região de Bragança, tendo sido a primeira mulher a ser eleita Presidente da Subseção da OAB, cargo que ocupa até o presente momento.

6. Assim, diante de todo o exposto e tendo em vista a atipicidade dos fatos objetos deste procedimento, aguarda-se que sejam requisitados os autos junto ao Departamento de Polícia Federal de Campinas para que, após a manifestação do douto representante do Ministério Público Federal, sejam estes arquivados, como medida de JUSTIÇA!

6.1. Por fim, em caráter liminar, requer-se a imediata suspensão das oitivas dos Requerentes já designadas pela douta autoridade policial para os dias 9 e 10 de outubro p.f. (cf. mandados de intimação em anexo – doc. 9), até a apreciação deste pedido, diante do seu evidente caráter prejudicial.

São Paulo, 22 de setembro de 2006

ALBERTO ZACHARIAS TORON

O.A.B. /SP n.º 65.371

LEOPOLDO STEFANNO LEONE LOUVEIRA

O.A.B. /SP n.º 194.554

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