Lições de Nuremberg

É preciso dar um fim ao sentimento de impunidade do criminoso

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7 de novembro de 2006, 16h44

Há 60 anos, o mundo assistia estarrecido à formação de um tribunal transnacional que julgaria os responsáveis pela barbárie nazista, que levara o mundo a segunda grande guerra mundial e dera causa à morte de pelo menos 50 milhões de pessoas.

O que hoje podemos tirar daquela lição talvez seja mais importante do que o mero registro histórico dos acontecimentos. Ali surgia a primeira tentativa de individualização de responsabilidades em atos daquela natureza, pondo fim à autoria mascarada pelo caos coletivo, na defesa justificada pela hierarquia e no cumprimento de ordens.

O nazi-fascismo tinha líderes e prestativos seguidores. Cada um deles mais ou menos importante no contexto das decisões, mas, todos peças indispensáveis do mesmo pecado. Por trás, um apoio popular originado em anos de ressentida intolerância, decorrente ainda das sanções impostas com o final da primeira guerra, por meio do Tratado de Versalhes.

No Brasil de agora, temos uma classe dirigente que se refugia no interesse corporativo, na força do poder econômico, na inépcia licenciosa de nossas instituições. Pior, num povo excluído da discussão pelo analfabetismo e pela fome, órfão de uma intelectualidade altruísta.

Não nos ajuda a mecânica legal. Não nos ajuda a legislação profusa, o processo complexo, as decisões cassadas por um sistema recursal que pune a objetividade do direito ao retirar-lhe a efetividade da jurisdição. Recentemente, ao conversar com uma desembargadora, contou-me ela da dificuldade de fazer valer uma decisão que já tomara do Judiciário uma reflexão de 22 anos. Longa demais.

Vejam o absurdo. Mencionado conflito jurídico, o qual teve seu início ainda na recém restabelecida democracia brasileira, para vergonha do sistema e de todos nós, ainda ocupa os tribunais. No Brasil, o boi se esconde na boiada. Seus nomes não são revelados. Quando o são, desculpas lacônicas, quase cândidas, constantemente desrespeitosas são jogadas em nossas faces, desencorajando a cidadania.

Não se pode negar que há mudanças no ar. Só para citar uma, lembro o Conselho Nacional de Justiça, criado por força da Emenda Constitucional 45 com o objetivo de orientar e fiscalizar a conduta administrativa dos juízes e tribunais, e que tem a oportunidade de fazer valer princípios quase nunca concretizados.

Há algum tempo, por maioria de votos, produziu aquele conselho a Resolução 7, na qual são traçadas regras para o combate ao nepotismo — favoritismo na nomeação de parentes para cargos e funções da administração pública.

Qualquer discussão sobre a constitucionalidade do conselho, atacado sob o argumento de que suas decisões extrapolam os próprios limites legais e constitucionais, regulando o que não lhe é possível regular, não resiste ao mérito de que o conselho impôs à sociedade um debate legítimo sobre algo que nos toca diretamente.

Algumas vitórias também têm sido conquistadas em rumorosos processos contra políticos bastante conhecidos. Falta-nos, contudo, como já dito acima, uma legislação mais apropriada e severa que nos dê apoio no esclarecimento dos fatos e punição dos culpados.

Cabe-nos, o povo, manter sobre as esferas de poder pressão popular em busca de mudanças. Exigir de quem nos representa posição e comportamento dignos. Dar um fim, assim como em Nuremberg, ao reconfortante sentimento de impunidade que faz pouso nas mentes criminosas deste país.

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