Personae non gratae

Lista suja, lista de Schindler e, agora, lista da OAB-SP

Autor

  • Marcos Neves Fava

    é juiz do Trabalho Substituto na 2ª Região mestre em direito do trabalho pela USP diretor de Direitos e Prerrogativas da Anamatra — Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho — para o biênio 2005-07.

7 de novembro de 2006, 6h00

Nos anos da mais recente ditadura brasileira, o Departamento de Ordem Política e Social (Deops) elaborava, à revelia da lei e da ordem, listas de “comunistas”, “intelectuais suspeitos” e “inimigos do regime”, a partir das quais cidadãos honestos e ativos defensores do Estado de Direito eram investigados, perseguidos, presos e, não raro, mortos.

Durante o holocausto judeu, como restou registrado em conhecido filme com o mesmo nome, a Lista de Schindler possibilitou a salvação de centenas de homens e mulheres perseguidos, pelo regime de plantão e enfiado, para a morte, nos campos de concentração. Não é demais lembrar que a atuação horrenda do III Reich iniciou-se, também, em listas de judeus que seriam personae non gratae pelo governo alemão.

A Portaria 540 do Ministério do Trabalho e Emprego vem realizando importante parcela da luta pela erradicação do trabalho escravo, com a divulgação dos nomes de empresários e empresas que explorem essa modalidade criminosa de utilização da mão-de-obra humana, dando a conhecer à sociedade os criminosos que assim procedem. A “lista suja” vem sendo utilizada pelas instituições de crédito, para não conceder empréstimos aos empresários e às empresas escravagistas, com o que combate o trabalho em condições desumanas e salva vidas.

Listas que matam, listas que salvam.

Recentemente, a OAB-SP publicou uma nova modalidade de lista: a lista infeliz e inútil.

A entidade, que firmemente combateu o regime não-democrático dos anos de chumbo, adotou a prática do Deops, relacionando as autoridades que, sob sua ótica, contrariaram interesses dos membros da corporação. São os novos inimigos do regime da advocacia. A lista, infeliz e inútil, vem acompanhada da ameça de que tais autoridades — que vão de servidores a juízes, passando por policiais, delegados e promotores — não conseguirão advogar em São Paulo, porque a entidade negará registro, quando solicitado.

A iniciativa é infeliz porque recupera práticas hediondas de divulgação de listas que matam, desrespeitando a honra e a intimidade dos listados, sem qualquer fundamento legal, previsão no direito ou respeito, mínimo que seja, aos ditames do devido processo legal e do direito de defesa, garantias do cidadão pelas quais justamente os advogados deveriam ser os primeiros a lutar ferrenhamente.

A iniciativa é inútil porque a garantia constitucional de liberdade no exercício de quaisquer profissões não permitirá a vingança infantil dos dirigentes atuais da OAB-SP contra as autoridades-non-gratas. O Judiciário, atacado diretamente com a publicação da listinha, não faltará àqueles que, pretendendo advogar, venham a requerer inscrição nos quadros da histórica e importante seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil.

Impossível parece que os advogados, profissionais aguerridos na missão de assegurar as garantias do cidadão, concordem com a atitude ilegal, inútil e infeliz da OAB-SP.

O mínimo que se espera, sem prejuízo das possíveis condenações em razão de dano moral impingido contra os listados, é a pronta retratação da OAB-SP, para que não se perca, em atitudes impensadas, o prestígio histórico que aquela entidade amealhou.

Autores

  • é juiz do Trabalho Substituto na 2ª Região, mestre em direito do trabalho pela USP, diretor de Direitos e Prerrogativas da Anamatra — Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho — para o biênio 2005-07.

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