Processo de licitação

Edital de licitação tem de ser questionado antes do leilão

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6 de novembro de 2006, 12h13

Fixar requisitos para a participação de processo de licitação não afronta a lei. Quando o participante não concorda com algumas das regras, tem de questionar antes da escolha do vencedor, feita pela comissão que organiza o processo. O entendimento é da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao rejeitar recurso especial interposto por participante de um processo de licitação. Como os ministros concluíram que o estabelecimento de regras para a participação de processo não viola qualquer lei federal, a questão não pôde ser julgada pelo STJ.

O Recurso Especial foi proposto por um participante de licitação, que se dizia prejudicado por uma dos requisitos determinados pelo edital, contra decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. O TJ cassou Mandado de Segurança concedido em primeira instância, que assegurava a sua participação no processo.

Consta nos autos que o participante foi excluído da licitação para exploração do serviço de transporte público porque apresentou declaração falsa quanto a uma das condições previstas no Edital 1/96, do Departamento Metropolitano de Transportes Urbanos. O edital restringia a participação aos que não tivessem vínculo empregatício com carga superior a cinco horas ou com o serviço público. Verificou-se que o participante estava cadastrado no órgão na condição de motorista substituto.

Em primeira instância, o pedido de Mandado de Segurança foi acolhido. O juiz reconheceu que ele tinha direito líquido e certo de participar da licitação. O órgão público recorreu. Para o TJ, o participante deveria ter contestado a regra até a abertura dos envelopes contento a documentação exigida. Depois disso, o tribunal entendeu que o participante não poderia mais levantar objeções ao edital.

O participante recorreu ao STJ, alegando violação aos princípios de igualdade e competitividade. Segundo ele, “outros participantes em situação idêntica não foram declarados inidôneos”.

Leia a decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 663.654 — DF (2004/0052804-6)

RELATOR: MINISTRO CASTRO MEIRA

RECORRENTE: ISAÍAS RIBEIRO DA SILVA

ADVOGADO: RAIMUNDO LUIZ PEREIRA E OUTRO

RECORRIDO: DFTRANS TRANSPORTES URBANOS DO DISTRITO FEDERAL

PROCURADOR: JOSÉ CARLOS ALVES DE OLIVEIRA E OUTROS

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Cuida-se, na origem, de ação de conhecimento e de cautelar ajuizadas por Isaías Ribeiro da Silva contra o Distrito Federal e o Departamento Metropolitano de Transportes Urbanos do DF-DMTU/DF.

O autor foi excluído de processo licitatório de permissão para explorar o Serviço de Transporte Público Alternativo do Distrito Federal-STPA, sob a alegação de que apresentou declaração incompatível com a verdade, por encontrar-se cadastrado no STPA-DF na condição de motorista substituto, em período inferior a um ano, antes do edital de licitação, caracterizando a falsidade quanto à ausência de vínculo empregatício ou participativo, constante do anexo VIII do edital de licitação.

O recorrente teve seu direito reconhecido em sentença de primeiro grau, cassada em julgamento de apelação, conforme os termos da seguinte ementa:

“ADMINISTRATIVO — NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO: DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR E CONTRATAR COM O DISTRITO FEDERAL PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO EDITAL — EXIGÊNCIA DE AUSÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO.

1 — A vinculação ao edital é princípio basilar de toda licitação. É através do edital que a administração pública fixa os requisitos para participação no certame, define o objeto e as condições básicas do contrato.

2 — Não impugnado o edital, no prazo legal, decai o direito, não podendo fazê-lo após decisão da comissão que lhe foi desfavorável.

3 — A exigência da declaração de ausência de vínculo empregatício decorre da discricionariedade da administração, não afronta os princípios da igualdade e da competitividade.

4 — Não se configura a invalidade da declaração de inidoneidade, ante a expressa previsão legal.

5 — Deu-se provimento aos recursos.”

Sustenta que, em casos análogos, outros participantes do pleito, em situação idêntica à sua, “não foram declarados inidôneos e ainda receberam os pontos pleiteados nesta ação nos termos do inciso I, § 1º do art. 3º da Lei nº 8.666/93, o recorrente também tem seu direito líquido, certo e exigível”.

Alega, ainda, vícios de publicidade no edital e que, tendo recebido a permissão de nº 658, publicada no Diário Oficial da União em 02.12.99, há de ser reconhecida a ocorrência do fato consumado.

Em contra-razões, pugna-se pela mantença do aresto recorrido. Admitido o apelo, subiram os autos a esta Corte de Justiça.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 663.654 — DF (2004/0052804-6)


EMENTA — PROCESSUAL CIVIL. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 284/STF E 211/STJ.

1. “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia” (Súmula 284/STF).

2. “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo” (Súmula 211/STJ).

3. Recurso especial não conhecido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): No caso dos autos, o Edital de Concorrência 001/96-DMTU foi publicado com o fito de explorar Serviço de Transporte Público Alternativo do Distrito Federal de pessoas físicas residentes no Distrito Federal que não fossem detentoras de permissão ou concessão do Distrito Federal ou tivessem vínculo empregatício com carga horária diária superior a cinco horas ou com o serviço público.

A inabilitação do autor foi justificada com esteio na cláusula 2.5.5 do Edital e dos seus Anexos VII e VIII, por considerar-se configurada a inidoneidade para participar da licitação, eis que o autor não demonstrou cumprir as exigências do certame. O recurso dos ora recorridos foi provido nos termos do seguinte excerto do voto condutor do aresto:

“No mérito, o princípio da vinculação ao edital é princípio básico de toda licitação, constituindo o edital sua lei interna. Além disso, o edital é o ato pelo qual a Administração Pública fixa os requisitos para participação, define o objeto e as condições básicas do contrato. Isso em virtude do poder discricionário, segundo o qual dispõe a Administração Pública, observados os limites legais, de liberdade de escolha quanto à conveniência, oportunidade e conteúdo do ato administrativo.

Por sua vez, estabelece o art. 40 da Lei de Licitações e Contratos, os pressupostos para o edital. Publicado este, o interessado que tenha qualquer objeção deve argüi-la até a abertura dos envelopes de habilitação, fase em que são abertos os envelopes contendo a documentação exigida no edital, sob pena de decair do direito de impugnação (art. 41, § 2°, da Lei 8.666/93). Não tendo o apelante exercido esse direito, não cabe levantar objeções ao edital, agora que a decisão da comissão, de não lhe conferir vinte pontos pela ausência de vínculo empregatício, lhe foi desfavorável.

Portanto, a exigência da declaração de ausência de vínculo empregatício, constante do item 2.5.5 do edital e dos seus Anexos VII e VIII, decorre da discricionariedade que goza a Administração, não conflitando em nada com o princípio da igualdade, constitucionalmente garantido, tampouco com o art. 3°, § 1°, inciso I, da Lei n° 8.666/93, eis que tal exigência também não ofende o princípio da competitividade, expresso neste dispositivo legal.

Por outro lado, no que tange à declaração de inidoneidade, dispõe o art. 88,

inciso li, da Lei n° 8.666/93 que:

“Art. 88. As sanções previstas nos incisos III e IV do artigo anterior poderão também ser aplicadas às empresas ou aos profissionais que, em razão dos contratos regidos por esta Lei:

I —……………………………………..

II — tenham praticado atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação…”

Tecendo comentários acerca do art. 88 da Lei de Licitações, disserta MARÇAL JUSTEN FILHO:

“Nos três incisos, o art. 88 arrola casos desvinculados da inexecução de contratos administrativos. Deve-se reputar que o art. 88 contempla outras hipóteses de sancionamento, além de eventuais ilicitudes referidas especificamente à execução do contrato.

Embora as condutas arroladas no art. 88 não se vinculem à atividade executória do contrato administrativo, deve haver um vínculo com um contrato administrativo. A existência anterior, contemporânea ou posterior de um contrato administrativo seria condição indispensável para o sancionamento. Podem imaginar-se inúmeras situações, tal como irregularidades praticadas no curso de uma licitação (fornecimento de declarações ideologicamente falsas de capacidade técnica) ou, mesmo, no curso de um contrato (fornecimento de documentos falsos para tentar caracterizar caso fortuito).” (Grifei).]

Assim, diante da expressa previsão legal, não se configura a invalidade da declaração de inidoneidade, porquanto não tenha sido praticado o ato administrativo com ilegalidade ou abuso de poder. Conseqüentemente, limitando-se o Poder Judiciário ao controle do ato administrativo segundo os aspectos da legalidade e moral idade, verificada a observância aos mesmos, impõe-se a improcedência do pedido do autor-apelado.

Por conseguinte, também improcede o pedido formulado no processo cautelar em apenso. Demonstrado que o apelado manteve vínculo empregatício com o próprio apelante em dissonância com o edital do certame, não faz jus à totalidade dos pontos” (fls. 544/546).


O aresto recorrido, de forma correta, valeu-se do princípio da vinculação ao edital para dar provimento às apelações dos ora recorridos, reconhecendo a possibilidade de que o Distrito Federal estabeleça requisito para participação da licitação.

Como ensina o Mestre Hely Lopes Meirelles: “A vinculação ao edital é princípio básico de toda licitação. Nem se compreenderia que a Administração fixasse no edital a forma e o modo de participação dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realização do julgamento se afastasse do estabelecido, ou admitisse a documentação e propostas em desacordo com o solicitado.

O edital é a lei interna da licitação, e, como tal, vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administração que o expediu” (in “Direito Administrativo Brasileiro”, 26ª edição atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, Malheiros Editores, São Paulo, 2001, p. 259).

Em sua petição recursal, o recorrente limita-se a citar o I, § 1º do art. 3º, da Lei nº 8.666/93, sem explicitar em que momento o entendimento da Corte de origem tê-lo-ia violado, nem justifica razão para que o item do edital que estabelece a necessidade da declaração de ausência de vínculo empregatício ou participativo em atividade econômica inscrita ou registrada em órgão do Distrito Federal fira o princípio da eqüidade estampado no supracitado dispositivo legal.

Cabe aplicar o enunciado 284/STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia”.

Limita-se a buscar a comprovação de que, em casos análogos, outros participantes do pleito obtiveram êxito quanto aos pontos previstos no concurso e a conseqüente classificação. Sob esse ângulo, o tema não foi sequer referido no acórdão de segundo grau, faltando-lhe o necessário pré-questionamento.

Também não houve qualquer menção às eventuais eivas quanto à publicidade do edital e a existência de fato consumado, o que leva à aplicação da Súmula 211/STJ: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo”.

Em caso relatado pelo Ministro Franciulli Netto, esta Turma não conheceu de recurso que guarda similitude com o presente feito:

“RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. PERMISSÃO PARA EXPLORAÇÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL. PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO EDITAL. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 3º, § 1º, DA LEI N. 8.666/93.

INOCORRÊNCIA. EXIGÊNCIA RAZOÁVEL DE DECLARAÇÃO DE AUSÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO OU PARTICIPATIVO. INIDONEIDADE DO RECORRENTE. NÃO ATRIBUIÇÃO DE PONTOS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.

Da análise das cláusulas 2.3.1, 2.4.2, “c”, e 2.5.5, e do item 6 do Anexo VII do Edital de Concorrência n. 001/96 — DMTU, conclui-se que o objetivo do Poder Público era delegar permissões para explorar Serviço de Transporte Público Alternativo do Distrito Federal a pessoas físicas residentes no Distrito Federal que não fossem detentoras de permissão ou concessão do Distrito Federal ou tivessem vínculo empregatício com carga horária diária superior a cinco horas ou com o serviço público.

O recorrente, por ser detentor de permissão do Distrito Federal, mas ter apresentado à Administração declaração de ausência de vínculo, foi devidamente considerado inabilitado pelo DMTU, com fundamento nas cláusulas 7.3 e 7.4, “b”, do edital, sendo configurada a inidoneidade para participar da licitação.

‘A vinculação ao edital é princípio básico de toda licitação. Nem se compreenderia que a Administração fixasse no edital a forma e o modo de participação dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realização do julgamento se afastasse do estabelecido, ou admitisse a documentação e propostas em desacordo com o solicitado. O edital é a lei interna da licitação, e, como tal, vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administração que o expediu’

(Hely Lopes Meirelles, in ‘Direito Administrativo Brasileiro’, 26ª edição atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, Malheiros Editores, São Paulo, 2001, p. 259).

Na hipótese em exame, o recorrente só teria direito a obter os 20 pontos, previstos no item 6 do Anexo VII do Edital de Concorrência n. 001/96 — DMTU, se lograsse demonstrar a ausência de vínculo empregatício ou participativo em atividade econômica inscrita ou registrada em órgão do Distrito Federal, o que não ocorreu. Tal critério de pontuação se mostra razoável e não frustra o caráter competitivo do certame, mas dá oportunidade àqueles que não tinham vínculo com a autoridade licitante.

Ausência de pré-questionamento quanto aos apontados vícios de publicidade do edital e da ocorrência do fato consumado. Não cabimento, no presente recurso especial, da análise de possível ilegalidade da outorga de permissão a outros concorrentes, uma vez que tal questão não é objeto da ação em exame. Recurso especial não conhecido” (REsp 444.917/DF, Rel. Min. Franciulli Netto, DJU de 08.09.03).

Ante o exposto, não conheço do recurso especial.

É como voto.

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