Regras da separação

Já que não há lei, casais gays devem assinar contrato

Autor

4 de novembro de 2006, 7h00

Malgrado em outros países, atualmente, seja possível o casamento ou reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, no Brasil esta possibilidade não existe, em razão do disposto no artigo 226, parágrafo 3º da Constituição Federal, que dispõe explicitamente que a união deverá ocorrer entre homem e mulher.

Outrossim, mesmo que recente, o atual Código Civil em seu artigo 1.514 dispôs claramente que o casamento somente ocorre quando há a disposição de vontade entre homem e mulher, e da mesma sorte, atribui com base no artigo 1.723 que a entidade familiar capaz de ser reconhecida como união estável ocorre, também, apenas entre homem e mulher.

Destarte, aparentemente, milhares de pessoas que mantém relacionamento homoafetivo acham que estão à mercê da sorte, sem qualquer amparo legal para resguardar seus bens patrimoniais. Porém, nossos tribunais, até em respeito às premissas do artigo 5º, X, e outros da Constituição Federal, têm reconhecido o direito ao resguardo patrimonial de bens oriundos das relações homoafetivas.

Vislumbra-se, portanto, que, malgrado a união estável estar prevista apenas entre pessoas de sexos opostos, os bens patrimoniais do casal homoafetivo estão amparados por nossa legislação, contrário fosse estaríamos diante de uma legislação que estaria violando os próprios direitos constitucionais, pois nossa Constituição veda qualquer forma de discriminação em razão da escolha e conduta sexual. Assim, a opção sexual de qualquer indivíduo não pode acarretar qualquer ônus, sob pena de inexistir o princípio da isonomia e liberdade.

Do patrimônio

Inicialmente, necessário mencionar que a relação homoafetiva está sujeita, no âmbito sentimental, aos mesmos anseios que as relações heterossexuais e, mesmo que nesse tipo de relação não se possa utilizar a denominação entidade familiar, em razão da vedação legislativa, não há dúvida de que o os casais homossexuais, também, desejam criar em conjunto uma vida duradoura, solidificada em sentimentos e obrigações recíprocas, inclusive na obtenção e elevação de seu patrimônio.

Assim, esta relação afetiva está submetida às mesmas regras de qualquer relacionamento amoroso, sendo, portanto, imprevisível prever se ocorrerá ou não o rompimento da relação em razão do fim do sentimento, traição, por conseqüência do falecimento de uma das partes, etc..

Do resguardo patrimonial

Em uma relação heterossexual, caso ocorra o rompimento do laço afetivo, o reconhecimento da união estável e a conseqüente divisão dos bens construídos pelo casal é notoriamente fácil, até em razão de existirem normas legais que prevêem como dar-se-ão a divisão dos bens construídos em conjunto.

Porém, já nos casos em que ocorre o rompimento da relação homoafetiva, em razão da inexistência de norma legal, especifica, que regulamenta as formas de divisão dos bens, as partes ficam sujeitas aos entendimentos variantes do nosso Poder Judiciário.

Assim, logo na distribuição do processo ocorre a primeira controvérsia, ou seja, a de saber qual é a vara competente para julgar o processo, as varas cíveis ou de família e sucessões? Os magistrados com entendimento mais moderno têm permitido que essa matéria seja tratada nas varas de famílias, porém, a grande maioria entende que o litígio deve tramitar junto as varas cíveis.

Superada esta primeira controvérsia existente, que sempre possibilitará que o advogado da parte contrária interponha recursos, no afã de discutir a legitimidade de uma ou de outra vara, dar-se-á o devido andamento processual, ocasião em que será oportunizada às partes, a apresentação de suas defesas, réplicas, produção de provas e oitivas de testemunhas. Sendo certo que, até a sentença de primeira instância, já terá ocorrido um lapso de tempo elevando, e em muitas ocasiões os bens que estão sendo alvo do litígio ficam bloqueados.

Após a sentença de primeira instância, certamente, a parte que se sentiu prejudicada irá interpor recurso de apelação e outros cabíveis, resultando, muitas vezes em um longo tempo de espera, no desgaste emocional, na onerosidade financeira e na angústia de saber que o processo pode muitas vezes demorar mais do que quatro anos para ter seu término.

Destarte, por todos elementos elencados, incontestável que para àquelas pessoas que mantém relação homoafetivas a melhor maneira de resguardar o patrimônio é prevenir. E essa prevenção se faz de maneira muito semelhante aos contratos pré-nupciais, que cada vez mais estão sendo utilizados por casais heterossexuais. Assim, por tratar-se de um contrato com regras, direitos e obrigações pré-estipuladas à solução de qualquer impasse será sempre mais rápida.

Ressaltando-se, ainda, que poderá ser estipulado em contrato que qualquer discussão acerca do término do relacionamento será resolvida nos tribunais arbitrais, o que reduz o tempo para o desfecho do litígio e os desgastes emocionais e financeiros.

Portanto, considerando que nossa legislação é omissa e falha com relação às relações homoafetivas, a melhor alternativa para os partícipes desse relacionamento é prevenir, avençado um contrato de sociedade convivencial.

Do contrato de sociedade convivencial

O indigitado contrato terá como objeto a constituição de uma sociedade convivencial entre as partes, firmada em uma sociedade de fato e de direito, alicerçada na fraternidade e confiança recíproca, com expectativa de durabilidade e estabilidade, com deveres e obrigações, objetivando um relacionamento social, afetivo, educacional, de coabitação monogâmica, de obtenção de bens, etc., ou seja, esta sociedade convivencial será regida sob os mesmos anseios de um casamento e/ou união estável entre pessoas de sexos opostos.

No contrato, será realizado um inventário de todos os bens e as regras de divisão decorrentes do rompimento da relação afetiva, seja pelo término do relacionamento afetivo ou pelo falecimento de uma das partes, ocasião esta em que o debate com eventuais herdeiros legais do de cujus proporcionará ao companheiro sobrevivente maior segurança com relação ao patrimônio deixado pelo companheiro falecido.

Após a elaboração do contrato, o mesmo deverá ser registrado em cartório público ou poderá ser elaborado pelo próprio cartório, que em razão da sua fé pública, depreenderá maior força probatória.

Os fatos narrados demonstram que, infelizmente, em razão da legislação brasileira não aceitar o casamento e/ou só reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo, àqueles que possuem relacionamento homoafetivos estão sujeitos a enormes batalhas judiciais quando ocorre o rompimento da relação, litígios demorados e com grande desgaste emocional e financeiro.

Outrossim, certo é que a prova de mantença de uma relação homoafetiva, quando necessita ser comprovada em juízo, inúmeras vezes, faz com que as partes sejam submetidas a situações constrangedoras e desgastantes, para o ínfimo de cada parte.

A união homoafetiva, que atualmente está cada vez mais presente em nossa sociedade, já não causa tanto impacto e discriminação, mas nossa legislação ainda não possui mecanismos que facilitem o reconhecimento dessa união, conseqüentemente a melhor atitude que as partes devem adotar é a de realmente elaborarem um contrato de sociedade convivencial, procurando profissionais devidamente qualificados.

Indiscutível que, com o contrato bem elaborado, na eventualidade de ocorrer o rompimento do relacionamento afetivo, as partes estarão resguardadas para pleitearem o que de direito, de forma muita mais rápida e menos onerosa.

Conclui-se, portanto, que aqueles que possuem uma relação homoafetiva devem procurar auxílio profissional adequado, se interarem sobre o que é o contrato de sociedade convivencial, para confirmarem que, sem a necessidade de gastos elevados, têm a possibilidade de resguardar o patrimônio auferido, quando da vida em conjunto.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!