Depois da aposentadoria

Multa de 40% incide sobre depósito total do FGTS, afirma Britto

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4 de novembro de 2006, 7h00

O Supremo Tribunal Federal decidiu, recentemente, que aposentadoria espontânea não extingue o contrato de trabalho. Os ministros declararam inconstitucionais os parágrafos 1º e 2º do artigo 453 da CLT por entender que os dispositivos violavam preceitos constitucionais relativos à proteção do trabalho e à garantia ao recebimento dos benefícios previdenciários.

Por causa da decisão, o Tribunal Superior do Trabalho já cancelou sua Orientação Jurisprudencial 177, que previa a extinção do contrato de trabalho com a aposentadoria espontânea. Com a orientação, a multa de 40% sobre o saldo do FGTS, paga pelo empregador em caso de demissão, incidia apenas sobre os depósitos efetuados após a aposentadoria.

Com a decisão do STF, embora não haja mais dúvidas quanto a permanência do contrato depois da aposentaria, ficou a confusão sobre a multa de 40% sobre o depósito de FGTS em caso de dispensa sem justa causa ou rescisão indireta. O relator da matéria no Supremo Tribunal Federal, ministro Carlos Ayres Britto, esclarece a questão. “Embora não disséssemos: ‘terá de depositar os 40% sobre o total de depósito em FGTS’, deixamos implícito”, afirmou o ministro à revista Consultor Jurídico.

De acordo com o ministro, a decisão do STF ainda beneficia o empregado de pelo menos duas maneiras. A primeira confere a ele o direito de acumular proventos e salários. A segunda, o direito de, querendo, levantar o FGTS imediatamente. Britto ressalta, ainda, que a multa rescisória deve recair sobre os depósitos e não sobre o saldo do FGTS. “Não se pode dar com uma mão e tomar com outra. O saldo pode minguar na medida em que o empregado levante o FGTS”, explica.

“A Constituição é particularmente generosa em matéria de proteção dos valores do trabalho. Ela protege a iniciativa, sem dúvida, porém protege ainda mais os valores do trabalho”, diz Britto.

Posições do TST

Depois da queda da Orientação Jurisprudencial 177 do TST, algumas turmas do Tribunal já se manifestaram sobre o assunto. A primeira a dar seu veredicto foi a 2ª Turma. Em julgamento de recurso de revista de dois ex-empregados das Indústrias de Papel R. Ramenzoni, que continuaram trabalhando após a aposentadoria, os ministros determinaram que a multa de 40% sobre o FGTS incida sobre todo o período trabalhado.

Para o relator do caso, ministro Luciano de Castilho, “por conseqüência lógica, se o empregado continua trabalhando ao se aposentar, é uno o contrato. E, ao ser despedido, a multa de 40% do FGTS incide sobre todo o período trabalhado”, concluiu.

A 1ª Turma do TST também já teve oportunidade de apreciar o tema depois da decisão do Supremo. Em voto relatado pelo ministro João Oreste Dalazen, condenou uma metalúrgica gaúcha a pagar multa de 40% do FGTS sobre os depósitos de todo o período do contrato de emprego a um trabalhador que, mesmo após aposentadoria voluntária, continuou prestando serviços à empresa.

“O empregado faz jus à multa de 40% do FGTS sobre os depósitos de todo o período do contrato de emprego uno, computados o tempo anterior e o posterior à jubilação espontânea seguida da continuidade do labor, contanto que, ao final, opere-se a rescisão do contrato sem justa causa”, disse o ministro Dalazen.

Já a 4ª Turma do TST, em julgamento recente, decidiu, com base na Lei 5.107/66 (que instituiu o FGTS), que, ainda que o contrato seja único, a multa de 40% só incide sobre os depósitos efetuados após a aposentadoria. A 6ª turma do Tribunal foi a única que ainda não se posicionou quanto ao tema depois da queda da orientação jurisprudencial 177.

A previsão é de que as diferentes interpretações chegarão pouco a pouco à Seção Especializada em Dissídios Individuais 1 que deverá propor a edição de nova Orientação Jurisprudencial na medida em que houver decisões reiteradas sobre o tema.

De acordo o presidente da 4ª Turma do TST, ministro Milton de Moura França, os ministros da casa mostram a tendência de manter a multa de 40% sobre o valor total dos depósitos do FGTS. Moura França, particularmente, sempre entendeu que a aposentadoria não rompe o contrato de trabalho. Porém, o ministro ressalta que deve ser observada a natureza e a finalidade do instituto.


“Sempre se assegurou o direito a indenização e aos 40% de multa em casos de rescisão indireta ou dispensa sem justa causa. Podemos aqui deixar bem nítido dois momentos de uma relação jurídica única: antes e depois da aposentadoria. No meu entendimento o tempo antes da aposentadoria não deve ser considerado para efeito da multa de 40%”, afirma Moura França. Para o ministro a aposentaria não é uma hipótese que geraria a multa por isso o período anterior a ela não deveria ser considerado.

Leia o voto de Britto

11/10/2006 — TRIBUNAL PLENO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.721-3 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. CARLOS BRITTO

REQUERENTE : PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT

ADVOGADOS : ALBERTO MOREIRA RODRIGUES E OUTROS

REQUERENTE : PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA – PDT

ADVOGADOS : RONALDO JORGE ARAÚJO VIEIRA JÚNIOR E

OUTROS

REQUERENTE : PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL – PC DO B

ADVOGADO : PAULO MACHADO GUIMARÃES

REQUERIDO : PRESIDENTE DA REPÚBLICA

REQUERIDO : CONGRESSO NACIONAL

INTERESSADO(A/S) : FEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES

NAS EMPRESAS DE CORREIOS E TELÉGRAFOS E

SIMILARES – FENTECT

ADVOGADO(A/S) : ALEXANDRE SIMÕES LINDOSO E OUTROS

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO (Relator)

O Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e o Partido Comunista do Brasil (PC do B) manejam a presente ação direta de inconstitucionalidade, tendo por alvo o art. 3º da MP nº 1.596-14/97, que adicionou ao art. 453 da Consolidação das Leis do Trabalho um segundo parágrafo.

2. O dispositivo agora posto sob censura tem a seguinte dicção:

“Art. 3º. Os arts. … 453, … da Consolidação das Leis do Trabalho – Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passam a vigorar com a seguinte redação:

Art. 453…

§ 2º. O ato de concessão de benefício de aposentadoria a empregado que não tiver completado 35 anos de serviço, se homem, ou trinta, se mulher, importa em extinção do vínculo empregatício”.

3. De saída, anoto que a referida medida provisória foi convertida na Lei nº 9.528/97, razão por que houve pedido de aditamento da inicial (fls. 37/44).

4. Quanto ao mérito do pedido, os autores sustentam que o diploma sob censura aporta “mais uma modalidade de extinção do contrato de trabalho e estabelece uma verdadeira incompatibilidade entre o benefício previdenciário e a continuidade do vínculo de emprego, em total desarmonia com o Texto Maior”. Aduzem que a Medida Provisória nº 1.596-14/97 ofende, a um só tempo, os artigos 5º, 6º, 7º, 173, 195, 202, todos da Constituição Federal, bem como o artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

5. Pois bem, na Sessão Plenária de 19.12.97, este Supremo Tribunal deferiu o provimento cautelar que fora requerido na inicial e suspendeu a eficácia do § 2º do art. 453 da Consolidação das Leis do Trabalho.

6. Prossigo nessa tarefa de delimitar os contornos fático-jurídicos da causa para averbar que o Congresso Nacional prestou as informações de estilo, por meio das quais pugnou pelo reconhecimento da higidez constitucional do ato legislativo (57/72). No que foi acompanhado pelo Presidente da República.

7. De se ver que as informações prestadas pelo Chefe do Executivo Federal estão em que:

a) a conversão da medida provisória em lei teria prejudicado qualquer discussão jurídica a respeito da ausência dos pressupostos constitucionais da urgência e da relevância;

b) o conceito de aposentadoria sempre esteve adstrito à extinção do contrato de trabalho;

c) o § 2º do art. 453 da CLT não constitui óbice a que o empregado continue trabalhando, desde que o liame empregatício seja novamente constituído;

d) o debate travado nestes autos desembocaria numa inversão lógica, dado que a extinção do pacto de trabalho é condição para a aposentadoria do trabalhador.

8. De sua parte, o douto Advogado-Geral da União se manifestou pela improcedência do pedido (fls. 160/172). Convergentemente, o digno Procurador-Geral da República opinou pela declaração de constitucionalidade do dispositivo objeto da presente ação.

É o relatório.

11/10/2006 TRIBUNAL PLENO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.721-3 DISTRITO FEDERAL

V O T O

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO (Relator)

Reconheço, de pronto, a legitimidade dos autores, por se tratar de agremiações políticas de notória participação no atual quadro atual dos parlamentares federais. O que faz incidir a regra habilitadora do inciso VIII do art. 103 do Magno Texto de 1988, tida por esta nossa Casa de Justiça como de universal aptidão processual dos partidos políticos para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade.


11. Noutro giro, manifesto minha adesão ao que decidido na ADI 3.289, no sentido de que a conversão de medida provisória em lei prejudica o debate jurisdicional sobre o atendimento dos pressupostos de admissibilidade desse espécime de ato da ordem legislativa. Ao fazê-lo, ajunto que o instituto da medida provisória faz parte do “processo legislativo” (inciso V do art. 60 da Lei Republicana); e como em tudo o mais que faz parte do processo legislativo federal, quem dá a última palavra é o Congresso Nacional. Seja para dizer quando uma proposta de ato legislativo se faz oportuna e/ou conveniente, seja para dizer quando o conteúdo de tal proposta atende aos interesses e valores da sociedade.

12. Em palavras outras, a conversão de medida provisória em lei significa uma absorção de conteúdo: o conteúdo daquela específica medida provisória que, ao ver do Congresso Nacional, é dotada de mérito suficiente para se tornar o conteúdo de uma nova lei. Mas uma absorção de conteúdo que já pressupõe um juízo afirmativo quanto à conveniência e/ou oportunidade do que restou, afinal, aprovado. E é nesse juízo preliminar de conveniência e/ou oportunidade que se dá a própria absorção do originário juízo de urgência e relevância com que trabalhou o Presidente da República.

13. É claro que o exame parlamentar quanto ao mérito de uma dada medida provisória pode até não se dar. Basta que os fatos a ela subjacentes não sejam reputados como de urgência e relevância (não uma coisa ou outra, alternativamente, mas uma coisa e outra, concomitantemente). A questão preliminar a impedir a análise da questão de fundo, a teor do § 5º do art. 62 da Constituição. Mas aprovada que seja a medida quanto ao seu conteúdo, aí o que já se tem é um referendo que tudo incorpora: questão preliminar de urgência e relevância e mais o inteiro mérito do ato referendado1. Pelo que já não cabe sindicar, na presente ADIN, a constitucionalidade dos pressupostos de edição de u´a medida provisória já convertida em lei formal do Congresso Nacional.

14. Debruço-me, agora, sobre a questão de fundo. Fazendo-o, entendo que a Constituição de 1988 substituiu a garantia “absoluta” do emprego (a estabilidade decenal de que trata o art. 492 da CLT) por outras modalidades de proteção:

a) aquela que se viabiliza pelas hipóteses listadas em lei complementar;

b) a que se dá pela majoração do custo das despedidas sem outra causa que não seja a vontade unilateral do empregador.

Confira-se:

“Art. 7º…

1 A não ser – de logo esclareço – na hipótese descrita pelo § 10 do art. 62 da Magna Carta Federal, proibitiva da “reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo”.

I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;

(…)”

15. De se notar, então, que a Magna Carta Federal outorgou à lei complementar duas específicas funções:

a) a de instituir as hipóteses em que não pode ocorrer despedida arbitrária ou sem justa causa;

b) a de fixar, “entre outros direitos”, os parâmetros de indenização compensatória aos trabalhadores que vierem a ser despedidos, exatamente, sem justa causa ou pelo exclusivo arbítrio do seu empregador.

16. Isso não obstante, a própria Lei Maior, sem esperar pela edição da sobredita lei complementar, avançou algumas regras de proteção do trabalhador empregado, de sorte a lançar algumas hipóteses proibitivas da demissão arbitrária ou sem justa causa. Demais disso, também limitou o quantum da indenização compensatória a quatro vezes o valor da percentagem a que se refere o § 1º e o caput do art. 6º da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 19662. Tudo de acordo com os seguintes dispositivos:

“Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

(…)

2 A Lei nº 5.107/66 foi revogada pela Lei nº 7.839/89 que, a seu turno, restou igualmente revogada pela Lei nº 8.036/90.

VIII – é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.

(…)”

“Art. 10 do ADCT – Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:

I – fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista no art. 6º, caput e § 1º, da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966;


II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:

a) do empregado eleito para cargo de direção de comissões internas de prevenção de acidentes, desde o registro de sua candidatura até um ano após o final de seu mandato;

b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto

.

(…)”

17. Nesse fluxo de idéias, e mesmo sem a edição da lei complementar a que alude o inciso I do art. 7º da Constituição, impõe-se reconhecer que ela – Constituição – , emprestou uma especial proteção à continuidade das relações empregatícias das quais façam parte:

I – os empregados sindicalizados, a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical, e, se eleitos, ainda que suplentes, até um ano após o final do mandato (inciso VIII do art. 8º);

II – os empregados eleitos para o cargo de direção de comissões internas de prevenção de acidente, desde o registro de sua candidatura até um ano após o final de seu mandato (alínea “a” do inciso II do art. 10 do ADCT);

III – as empregadas gestantes, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto (alínea “b” do inciso II do art. 10 do ADCT).

18. Fixadas essas premissas, é de se inferir que somente as três referidas classes de obreiros é que desfrutam da chamada “estabilidade constitucional relativa”.

Proteção passível de reforço, claro, quando da edição da lei complementar requestada pelo inciso I do art. 7º da própria Constituição Federal.

19. Sucede que o novidadeiro § 2º do art. 453 da CLT, objeto da presente ADI, instituiu uma outra modalidade de extinção do vínculo de emprego. E o fez inteiramente à margem do cometimento de falta grave pelo empregado e até mesmo da vontade do empregador. Pois o fato é que o ato em si da concessão da aposentadoria voluntária a empregado passou a implicar automática extinção da relação laboral (empregado, é certo, “que não tiver completado trinta e cinco anos, se homem , ou trinta, se mulher (…)” (inciso I do § 7º do art. 201 da CF).

20. Ora bem, a Constituição versa a aposentadoria do trabalhador como um benefício. Não como um malefício. E se tal aposentadoria se dá por efeito do exercício regular de um direito (aqui se cuida de aposentadoria voluntária), é claro que esse regular exercício de um direito não é de colocar o seu titular numa situação jurídico-passiva de efeitos ainda mais drásticos do que aqueles que resultariam do cometimento de uma falta grave. Explico. Se um empregado comete falta grave, assujeita-se, lógico, a perder o seu emprego. Mas essa causa legal de ruptura do vínculo empregatício não opera automaticamente. É preciso que o empregador, no uso de sua autonomia de vontade, faça incidir o comando da lei. Pois o certo é que não se pode recusar a ele, empregador, a faculdade de perdoar seu empregado faltoso.

21. Não é isto, porém, o que se contém no dispositivo legal agora adversado. Ele determina o fim, o instantâneo desfazimento da relação laboral, pelo exclusivo fato da opção do empregado por um tipo de aposentadoria (a voluntária) que lhe é juridicamente franqueada. Desconsiderando, com isso, a própria e eventual vontade do empregador de permanecer com o seu empregado. E também desatento para o fato de que o direito à aposentadoria previdenciária, uma vez objetivamente constituído, se dá no âmago de uma relação jurídica entre o “segurado” do Sistema Geral de Previdência e o Instituto Nacional de Seguridade Social. Às expensas, portanto, de um sistema atuarial-financeiro que é gerido por esse Instituto mesmo. Não às custas desse ou daquele empregador. O que já significa dizer que o financiamento ou a cobertura financeira do benefício da aposentadoria passa a se desenvolver do lado de fora da própria relação empregatícia, pois apanha o obreiro já na singular condição de titular de um direito à aposentadoria, e não propriamente de assalariado de quem quer que seja. Revelando-se equivocada, assim penso, a premissa de que a extinção do pacto de trabalho é a própria condição empírica para o desfrute da aposentadoria voluntária pelo Sistema Geral de Previdência Social. Condição empírica, isto sim, é o concurso da idade de nascimento do segurado com um certo tempo de contribuição pecuniária (incisos I e II do § 7º do art. 201 da CF). Quero dizer: a relação previdenciária até que principia com relação de emprego, sem dúvida (caso dos autos). Mas a relação de aposentadoria, uma vez aperfeiçoada, se autonomiza perante aquela. Ganha vida própria e se plenifica na esfera jurídica do “segurado” perante o sistema previdenciário em si.

22. Nada impede, óbvio, que, uma vez concedida a aposentadoria voluntária, possa o trabalhador ser demitido. Mas acontece que, em tal circunstância, deverá o patrão arcar com todos os efeitos legais e patrimoniais que são próprios da extinção de um contrato de trabalho sem justa motivação. Obrigação patronal, essa, que se faz presente até mesmo na hipótese em que a aposentadoria do empregado é requerida pelo seu empregador. Note-se: “Lei nº 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social. Art. 51. A aposentadoria por idade pode ser requerida pela empresa, desde que o segurado empregado tenha cumprido o período de carência e completado 70 (setenta) anos de idade, se do sexo masculino, ou 65 (sessenta e cinco) anos, se do sexo feminino, sendo compulsória, caso em que será garantida ao empregado a indenização prevista na legislação trabalhista, considerada como data da rescisão do contrato de trabalho a imediatamente anterior à do início da aposentadoria”.


(Sem marcação no original)

23. Não enxergo, portanto, fundamentação jurídica para deduzir que a concessão da aposentadoria voluntária ao trabalhador deva extinguir, instantânea e automaticamente, a relação empregatícia. Quanto mais que os “valores sociais do trabalho” se põem como um dos explícitos fundamentos da República Federativa do Brasil (inciso IV do art. 1º). Também assim, base e princípio da “Ordem Econômica”, voltada a “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (…)” (art. 170 da CF), e a “busca do pleno emprego” (inciso VIII). Sem falar que o primado do trabalho é categorizado como “base” de toda a ordem social, a teor do seguinte dispositivo constitucional

“Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.”

24. Daí o seguinte magistério de Maurício Godinho Delgado, citando José Afonso da Silva3:

“(…)

Finalmente, na leitura de todos esses dispositivos há que se considerar o estuário cultural e normativo característico de toda a Constituição, em que se demarcam o primado conferido ao trabalho e as inúmeras garantias deferidas a seu titular. Como bem apontado pelo constitucionalista José Afonso da Silva, o direito ao trabalho “… ressai do conjunto de normas da Constituição sobre o trabalho”. É que, para a Constituição, a República Federativa do Brasil tem como seus fundamentos, entre outros, os valores sociais do trabalho (art. 1º, IV); a ordem econômica também se funda na valorização do trabalho (art. 170), ao passo que a ordem social tem como base o primado do trabalho (art. 193). Tudo isso, inevitavelmente, conduziria ao necessário reconhecimento do “… direito social ao trabalho, como condição da efetividade da existência digna (fim da ordem econômica) e, pois, da dignidade da 3 in Curso de direito do trabalho, 4ª edição, São Paulo: LTr, 2005, p. 1.114. pessoa humana, fundamento, também, da República Federativa do Brasil (art. 1º, III)”.

25. Nessa ampla moldura, deduzo que uma proposição em contrário levaria à perpetração de muito mais desrespeito à Constituição do que prestígio para ela.

Quero dizer, o que se ganharia com a tese contrária seria suplantado, de muito, pelas perdas infligidas ao sistema de comandos da Constituição-cidadã, a significar, então, postura interpretativa oposta à preconizada pelo chamado “princípio da proporcionalidade em sentido estrito”.

26. Seguindo a mesma linha de raciocínio até aqui expendida, ajunto que a colenda 1a Turma deste Supremo Tribunal Federal deu provimento ao RE 449.420 (Rl. Min. Sepúlveda Pertence), ocasião em que proclamou: “viola a garantia constitucional o acórdão que, partindo de premissa derivada de interpretação conferida ao art. 453, caput, da CLT (redação alterada pela L. 6.204/75), decide que a aposentadoria espontânea extingue o contrato de trabalho, mesmo quando o empregado continua a trabalhar na empresa após a concessão do benefício previdenciário” (DJU de 14.10.2005).

27. Isso posto, meu voto é pela procedência da presente ADI, para o fim de declarar inconstitucional o § 2º do art. 453 da C.L.T.

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