Advogado do todo

Indiciado também tem de ter direito a defensor público

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1 de novembro de 2006, 7h00

A doutrina e a jurisprudência pátria são quase unânimes ao asseverarem que, no inquérito policial, é mera faculdade do indiciado a presença de um advogado. No Brasil, para se realizar atos de investigação policial — ressalta-se que esse procedimento conta, ainda, com o controle externo do Ministério Público —, é prescindível a assistência jurídica ao investigado. No entanto, será que esse posicionamento não prejudica os indiciados mais miseráveis financeiramente?

A Constituição Federal, em seu artigo 5°, inciso LXXIV, é expressa ao estatuir que a assistência jurídica é direito de todo homem: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.”

Observe que a Carta Magna de 1988 não diz que essa assistência jurídica se limitará obrigatoriamente à fase processual. Assim, ela deve ser prestada em qualquer situação onde se exija conhecimentos técnico-jurídicos àqueles impossibilitados de constituir advogados, sem prejudicar seu próprio sustento.

Pode parecer radical esse posicionamento, na visão dos utilitaristas — para quem os fins justificam os meios —, mas ele é amparado nos ditames constitucionais e sociais. Há tempos tem-se presenciado um descaso total em relação às defensorias públicas e demais órgãos voltados à assistência judiciária dos desprovidos financeiramente. Os mais abastados quase sempre não comparecem a atos do inquérito policial sem a presença de um advogado. Já os mais miseráveis nem sequer são consultados se desejam a assistência de um causídico tecnicamente preparado. A citada ausência do advogado nessa fase está se tornando uma complicação não apenas jurídica, mas também social.

Em entrevista, publicada no dia 10 de setembro desse ano pela Consultor Jurídico, o defensor-geral da União, Eduardo Flores Vieira, brilhantemente dispôs que a função “do defensor público não é só dar assistência judiciária. Ele tem de ser um transformador social, um instrumento de inclusão e de conscientização dos direitos de cada um. Seu papel é orientar e tentar a conciliação, não só provocar o Judiciário. Existe um estudo que diz que onde há defensoria pública, a criminalidade diminui e aumentam as soluções extrajudiciais de conflitos.”

Ademais, o inquérito policial é um instituto de natureza jurídica. Ele vem regulamentado, essencialmente, no Código de Processo Penal. Assim, só quem possui conhecimentos técnico-jurídicos, como um advogado, pode auxiliar solidamente o indiciado.

A fim de ilustrar a complexidade dos atos policiais, atentem-se aos apontamentos lecionados pelo professor José Laurindo de Souza Netto, em sua notável obra Processo Penal: Sistemas e Princípios: “A Polícia Judiciária, tomando depoimentos, pratica atos inequivocadamente processuais, formando o próprio conteúdo do processo, antecipando-se às autoridades judiciárias, resumindo-se, ao final, a instrução, numa reprodução do inquérito.”

Apesar de ainda não haver acusação formalizada contra o investigado, é indiscutível que a ele é assegurada a ampla defesa no inquérito policial. O professor Fernando da Costa Tourinho Filho não deixa dúvidas, sobre esse tema, ao ensinar, em sua obra Manual de Processo Penal, que “se pode dizer que a ampla defesa abrange o indiciado.”

A ampla defesa acoberta o indiciado contra quaisquer abusos cometidos no inquérito policial. Esse corolário do processo penal divide-se, segundo a doutrina e a jurisprudência nacional, em autodefesa e defesa técnica. A primeira é exercida pelo próprio acusado; e a outra, pelo advogado. Se este é inegável na composição da ampla defesa, e esta está presente na fase policial, torna-se inconteste que o advogado é peça indispensável no inquérito policial. O delegado de polícia, portanto, não pode dar início ao mesmo sem que o indiciado esteja na presença de um advogado.

Recentemente, o ministro Celso Mello, do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar pedido de Mandado de Segurança ajuizado pela Ordem dos Advogados do Brasil, seção do Distrito Federal, proclamou, de maneira louvável, nos seguintes termos, a importância do advogado:

“Qualquer que seja o espaço institucional de sua atuação (Poder Legislativo, Poder Executivo ou Poder Judiciário), ao advogado incumbe neutralizar os abusos, fazer cessar o arbítrio, exigir respeito ao ordenamento jurídico e velar pela integridade das garantias jurídicas — legais ou constitucionais — outorgadas àquele que lhe confiou a proteção de sua liberdade e de seus direitos, dentre os quais avultam, por sua inquestionável importância, a prerrogativa contra a auto-incriminação e o direito de não ser tratado, pelas autoridades públicas, como se culpado fosse (…).” (MS 25.617 medida cautelar/DF, DJ 03.11.2005).

Com o devido respeito aos conhecimentos dos juristas que se inclinam em sentido contrário ao aqui exposto, sugere-se que seja revisto o entendimento que sustenta o seguimento do inquérito policial sem a presença do defensor técnico. E, se eventualmente qualquer ato vier a ser praticado nessa fase investigativa na sua ausência, propõe-se que o mesmo seja declarado nulo. Pensar opositivamente estar-se-ia obstando o direito do indiciado carente, em termos financeiros, de exercer a ampla defesa em sua totalidade e, ainda, violando normas constitucionais contrárias à segregação dos mais humildes.

Citações

1 – José Laurindo de Souza Netto. Processo Penal: Sistemas e Princípios, Curitiba, Juruá, 2006, p.134.

2 – Fernando da Costa Tourinho Filho. Manual de Processo Penal, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 23).

3 – MS 25.617 medida cautelar/DF, DJ 03.11.2005.

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