Beatles X Apple Computer

Beatles X Apple Computer: batalha judicial pela logomarca

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  • Nehemias Gueiros Jr

    é advogado especializado em Direito Autoral Show Business e Internet professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ consultor de Direito Autoral da ConJur membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

31 de março de 2006, 11h35

De Los Angeles

Uma sonoridade pop ecoava no interior da Alta Corte de Justiça londrina na última quarta-feira (29/3), enquanto o advogado da Apple Records, a gravadora dos Beatles, tentava demonstrar ao juiz a quantidade de vezes que o logotipo da empresa fundada pelos famosos músicos ingleses em 1968 aparece na loja virtual iTunes Music Store na Internet. A Apple Corporation quer que a Apple Computer, do californiano Steve Jobs, pare de utilizar o famoso logotipo da “maçã mordida” em sua loja eletrônica de música na Internet, além de perdas e danos em valores ainda não divulgados mas que, se confirmados, podem ultrapassar as centenas de milhões de dólares em função das vendas passadas de fonogramas musicais.

A alegação principal do advogado Geoffrey Vos, da Apple Corps, é que “a Apple Computer pode perfeitamente produzir e comercializar programas como o iTunes, desde que se abstenha de utilizar a marca da maçã quando atuar no mercado musical”. O fundamento dessa alegação é um acordo celebrado entre as empresas em 1991 que definiu as áreas de atuação de cada uma na utilização de suas marcas registradas. Segundo Vos, “eles sempre foram os caras que forneciam computadores, sistemas, softwares e hardwares, enquanto nós fornecíamos música. Eles cruzaram a fronteira sem autorização”.

O advogado dos Beatles ainda fez tocar na sala de audiências da Alta Corte Britânica um release de um dos últimos sucessos da banda inglesa Coldplay, com a música Speed of Sound. Enquanto a canção enchia a corte, o advogado Vos demonstrou que o comercial não é direcionado para nenhum dos produtos de informática da Apple Computer mas sim para a loja online da companhia, finalizando com uma entrada em tela inteira do logotipo da “maçã mordida”.

A real intenção da Apple Records é impedir a Apple Computer de vender música online ou, naturalmente, conseguir uma boa indenização pelo pretérito e passar a receber royalties doravante. Segundo porta-voz da empresa de computadores, “infelizmente as duas empresas divergem quanto à interpretação do acordo de 1991 e estão esperando que uma corte de Justiça decida o assunto”. Esse acordo foi ajustado bem antes do advento da expressão music download, segundo os representantes da Apple Computer que prestaram depoimento ao tribunal. A questão judicial gira em torno de obter-se uma decisão sobre se a empresa americana de computadores está efetivamente embalando e comercializando produtos musicais ou apenas distribuindo-os.

O advogado da Apple Records juntou ao processo documentos importantes, comprovando que a Apple Computer não se limitou a vender produtos musicais online, chegando até a custear gravações em estúdios de artistas como PJ Harvey e Elvis Costello e que o programa do iTunes possui a capacidade de alterar as informações contidas nos arquivos musicais, o que situa a companhia em uma posição além de mera distribuidora de conteúdo.

Há anos as duas empresas vêm discutindo o assunto. Em janeiro de 2003 a Apple Computer solicitou permissão à Apple Records para incluir canções dos Beatles na loja eletrônica iTunes, pedido recusado pela empresa inglesa. Dois meses depois, Steve Jobs, o principal executivo da empresa americana de computadores, ofereceu US$ 1 milhão pela aquisição da marca Apple, pedido também recusado pela gravadora dos Beatles, que até hoje não autorizou a inserção de qualquer música do famoso quarteto inglês no catálogo da iTunes.

A primeira ação judicial da gravadora inglesa contra a Apple Computer foi há 25 anos, em 1981, cinco anos depois da fundação da empresa americana por Steve Jobs e Steve Wozniak em 1976. Esse primeiro processo terminou em acordo, quando a companhia de informática pagou aos ingleses uma soma não divulgada e comprometeu-se a somente utilizar a marca da maçã em produtos ligados a computadores. Dez anos depois a Apple inglesa moveu nova ação contra a Apple Computer, alegando estarem os americanos utilizando a logomarca em conexão com produtos de música sintetizada. Novamente o caso foi encerrado através do acordo de 1991, no valor de US$ 26 milhões, que agora é o pivô da terceira disputa judicial entre as empresas, envolvendo ainda a surpreendentemente bem-sucedida comercialização global do I-POD, a engenhoca portátil do sistema MP3 capaz de reproduzir milhares de músicas e até filmes de longa-metragem.

A logomarca da Apple Records é uma bela e perfeita maçã verde e madura enquanto que a marca da empresa americana de computadores é uma maçã, também verde, mas com uma marca de dentada em seu lado direito. Trata-se de uma disputa bem fundamentada, em que a gravadora dos Beatles detém todos os direitos autorais e industriais de anterioridade sobre a marca. O que ninguém contava era com a evolução tecnológica. Nem os ingleses nem os americanos. E o próprio acordo de 1991 não possui redação que cobrisse o desenvolvimento dos downloads musicais, o que representa um desafio a mais para o juiz londrino Martin Mann, que, ele próprio, admitiu em um dos primeiros depoimentos do processo, “possuir um I-POD”.

Por força da disputa no tribunal, as ações da Apple Computer caíram 80 centavos de dólar na Bolsa de Wall Street, atingindo o valor unitário de US$ 58,71. Parece que os Beatles, 36 anos depois do fim da banda e da morte de dois de seus integrantes, ainda conseguem “morder a maçã”.

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    é advogado especializado em Direito Autoral, Show Business e Internet, professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ , consultor de Direito Autoral da ConJur, membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

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